sexta-feira, 12 de agosto de 2011 | By: Daíza de Carvalho

Descrevendo a história - a duras penas


Geralmente começa assim: o editor fala que tem uma pauta "que é a minha cara". Quando isso acontece, geralmente é algo relacionado a fatos ocorridos há pelo menos 30 anos. Ou muito mais. Anteontem não foi diferente quando fui escalada para cobrir uma palestra na tarde de ontem. Invariavelmente, quando isso acontece, antes de entregar o texto pergunto qual editor está com a faca menos afiada. É "livro" na certa, por mais que eu choramingue ou faça chantagens emocionais (tipo: "isso só acontece uma vez na vida"; "é uma história e tanto") para manter o tamanho original do "filho".
Ontem não precisei "assassinar a minha cria", que nada mais é do que a minha descrição pessoal (e dramática) do sufoco de editar o texto (cortar, cortar e cortar) até fazê-lo caber no espaço que sobrou da edição (depois de um tempão fazendo malabarismos com as palavras para contar os fatos da forma menos corriqueira possível, mas sem embromation). Isso não quer dizer que foi menos doloroso escrever o que escrevi.
Só não precisei editar porque deixei de colocar passagens detalhadas. Não que não fossem necessárias ao texto. Mas relatei o bastante. E só o escrevi por um motivo tão feliz quanto infeliz. Primeiro, porque milhares de vidas foram ceifadas. Mas também foram poupadas, e graças a uma dessas é que deixei de assassinar meu texto para escrever o relato do maior assassinato em massa da história: o Holocausto.
O pior não é só ouvir os horrores cometidos nos campos de concentração. É minimamente imaginar que há seres humanos (?) partidários, contemporaneamente, de medidas surreais em nome do preconceito.
O testemunho que eu e dezenas de jovens ouvimos é também um tapa na cara que nos mostra o quanto somos ingratos. Somos estapeados quando jornais de circulação nacional precisam estampar a cara da fome que existe no mundo e quando pessoas atravessam continentes em busca de sobrevivência, na fuga do cenário de guerra. Mas somos incapazes de nos compadecer com a miséria que vemos nas esquinas de onde vivemos, tanto como dar valor por termos o que vestir, o que comer e, principalmente, ter amor e presença da família - além das lembranças, mas perto, tão palpável e seguro quanto um abraço.
Essa reflexão é graças a uma senhorinha de 81 anos, simpatissíssima e atenciosa, que esteve em Limeira para contar como passou os dias de guerra e fuga do cerco nazista na sua Polônia natal, antes de chegar ao Brasil num pós-guerra ainda considerado de risco em sua terra. Henrietta "Rita" Braun descortinou horrores que, nem se houvesse espaço para tanto, eu gostaria de reproduzir. Porém, o terrorismo passou longe de seu tom, que se aproximava mais de um aviso do que o homem é capaz. Ela viu.
O que falar sobre a tristeza de inúmeras perdas quando se tem a dádiva da sobrevivência? Ela teve ambos e dissemina o que aprendeu e viveu.
Cada um sabe de suas perdas e, sabe-se lá a que preço para cada um, a dádiva da sobrevivência tem nos acompanhado. O que fazemos com ela? Desde quando há sentido em fazer algo só para nós? A questão não é só nos contentarmos com o que temos. Mas estender o que temos de melhor ao próximo. Mesmo que o melhor seja triste - não é necessariamente com as melhores notícias que temos crescimento e aprendizado.
Por isso - e só por isso - não foi mais penoso transcrever os relatos que ouvi.

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