quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018 | By: Daíza de Carvalho

Uma provocação chamada Unabomber

É curioso que eu estivesse assistindo à série Manhunt: Unabomber na semana do resultado da aprovação para a graduação em Letras, justamente na parte que aprofunda na chamada "linguística forense". Embora não tivesse encontrado referências sobre isso no caso real (sem saber até que parte a coisa foi romantizada para a série), a "análise do discurso" parece, de fato, apaixonante. Assim como seduz o "Manifesto Unabomber", quando se tenta ignorar que foi escrito pelo responsável por atentados que mataram e feriram pessoas. Ainda não li o manifesto, mas o que foi explorado na série é provocador, principalmente na cena final. A ideia geral do manifesto surge quase que como uma profecia. O mais irônico é que justamente a dependência tecnológica condenada pelo Unabomber foi a responsável por tantas pessoas, gerações após a sua prisão, terem acesso à sua história. E ao seu "legado". Viciados em Netflix. Até dá um ímpeto de tentar se libertar do "sistema". Mas o controle do controle remoto é mais forte. A reflexão dura até a escolha da próxima série. Mais fácil fugir da realidade da qual nos tornamos reféns - ou cúmplices? Mas é certo que o lembrete do que nos tornamos virá. Tão certeiro quanto a mudança de fases do semáforo.
terça-feira, 13 de fevereiro de 2018 | By: Daíza de Carvalho

O desafio de pensar sem o Facebook

Quando a Folha desistiu, eu já tinha desistido havia algum tempo. "Mas como assim, você é profissional da comunicação e não usa Facebook?". Simples assim. Passados alguns meses, posso afirmar que não me fez falta, obrigada. Nem na vida profissional, muito menos na pessoal. Não deixei de escrever nenhuma matéria necessária ou de encontrar alguma fonte e, no âmbito pessoal, de repente "ganhei" mais tempo para passar os olhos naquilo que realmente me interessava: livros, séries, pessoas. Me dei o direito de escolher o que quero, e não deixar, ou ao menos minimizar o que os algoritmos me entregam de bandeja - ao gosto de quem os programou.

Não sou ingênua. É muito difícil ficar imune aos algoritmos pelo simples fato de que atualmente é quase impossível viver desconectado, infelizmente. Mas a coisa estava chegando num nível sem sentido, que não me acrescentava nada mais além do que a pura descrença na humanidade, considerando "humanidade" aquilo que eu estava programada para ver.

No começo, eu tentava argumentar. Os posts são o nosso olhar sobre o mundo, e esse alto falante chamado rede social matou o limite de qualquer bom senso. Gosto de dialogar, de argumentar. E é claro que todos simpatizam com ideias iguais e têm resistência às contrárias. Mas parece que a "comunidade" está cada dia mais radical, sem espaço para respeito ao ideal alheio. Tudo a ferro e fogo. Cada vez menos debate. Cada vez mais embate. É o que o algoritmo me mostrava. E isso eu dispenso.

Na minha ingenuidade, achava que tinha treinado bem o meu algoritmo. Minha timeline era só notícias de corridas, treinos, alguns colunistas que eu gosto. Não sabia nem o que estava acontecendo com os posts das minhas vizinhas de baia na redação, a não ser quando elas comentavam ali ao vivo, porque minhas preferências pareciam bem definidas a partir de quando eu logava.

Mas, adivinhe?? A vida acontece quando esquecemos da rede social! Dei um tempo quando entrei de férias, e já estou pensando nas próximas férias e sobrevivendo bem sem novos posts no Facebook. Ninguém sentiu minha falta. Nada que tenha pipocado ali me fez falta.

Nas esporádicas vezes que voltei, estranhei as notificações do que familiares estavam fazendo, postando, comentando. Procurei nas ferramentas como desabilitar aquilo como se tivesse começado a mexer em computadores no mês passado, e não há 20 anos, e não encontrei. Ei, péra! É o algoritmo, estúpida! Ele só me dá opções que eu tenho que aceitar goela abaixo. Não, obrigada.

Eu ainda tinha certo apego ao "neste dia", para relembrar coisas legais que passaram, como eu era uma tuiteira irritante, como alguns memes eram realmente criativos a ponto de merecer um compartilhamento... até cair na real que talvez 10% de tudo aquilo me define. E que eu não deveria estar apegada à tela, mas às fotos que deveriam estar impressas em algum álbum físico para eu mostrar para pessoas que me visitam pessoalmente, e não para exibir no perfil esperando curtidas. Os lances que para mim eram mais legais não foram sucesso de curtidas. Por que as coisas não bastam para nós quando agradam a nós? Por que não vale se não agradar aos outros também? Essa necessidade de aprovação constante é humilhante. E fulminante. Autoestima (aquela de ser feliz consigo mesmo sem precisar de exibição para ou aprovação do mundo) mandou um abraço. Mas a gente não viu, porque não passou no filtro do algoritmo.

The Walking Dead é uma das séries que não assisto há várias temporadas, assim como House of Cards, que não tive estômago para continuar a última temporada, mesmo antes de estourar o escândalo com o Spacey. Mas vivemos cada vez mais como zumbis, e como massa manipulada por quem manja dos paranauês. Não adianta esbravejar contra o algoritmo se você aceita se submeter a ele. Mas, quem quer, realmente se libertar dele??

Parei de entrar no Facebook, mas sou uma assinante assídua de newsletters de veículos críveis, até que se prove o contrário. Leio tudo? Não. Mas coisas realmente extraordinárias me chamam atenção entre elas, e tenho certeza que o Facebook jamais iria me sugerir, por mais que eu tentasse manipular suas artimanhas. Entre as listas que sigo está a do Flipboard. Porque me interessa muito mais saber do mosaico de 1.800 anos que acharam em Israel do que da última treta do BBB, que provavelmente deve estar circulando na "minha comunidade". Prefiro as escolhas de um editor de verdade. Profissional. Não mecânico.

A "benevolência" do Facebook em nos "aproximar da comunidade" em detrimento dos veículos de notícias com profissionais que passam o dia checando coisas para levar informação de qualidade não é um mal só para os negócios da comunicação. É mais ópio para o povo que está hipnotizado na frente da tela. O problema não é o Facebook. É a dependência do Facebook para o social. O que quer que "social" tenha se tornado hoje em dia.

Me identifico com alguns veículos, e quando quero me informar, vou direto neles. Mas a dependência da rede social limou qualquer "livre arbítrio" de se procurar o que gosta fora da caixinha azul. As pessoas não estão acostumadas a procurar. Estão condicionadas à passividade de pegar carona no que quer que venha na sua timeline. E é realmente preocupante num país que vai sediar eleições presidenciais nas condições que nós vamos ter um povo que não consegue ser independente, pensar sem uma muleta nos apontando para onde ir. Referências são importantes, sim. Desde que não virem dependência.

Fiz uma outra conta de Facebook para acompanhar alguns grupos, seguir algumas páginas e fazer gestão de algumas páginas que nem sei se vou manter. Não adicionei ninguém, por mais que o Facebook insista. O algoritmo, esperto, já identificou familiares pelo mínimo de informações que sou obrigada a colocar para me cadastrar. Cruzamento de contatos de e-mail, telefone sincronizado, localização. Nada passa despercebido. Como diria John Donne, ninguém é uma ilha, e se tem uma empresa que faz questão de nos lembrar, é o Facebook.

Não só ele, é claro. Como todo bom brasileiro que valoriza muito cada centavo suado, pesquiso muito antes de comprar qualquer coisa. Na internet, porque tenho pavor de andança em rua se não for para treino de corrida. E é a deixa para um bombardeio de anúncios em qualquer página que eu esteja. Até eu descobrir a maravilha da navegação anônima (no Chrome ou no Firefox). Que, claro não deve ser 100% anônima, mas pelo menos me poupa de ser ainda mais bombardeada por anúncios.

LIBERDADE AINDA QUE TARDIA

Não larguei o Facebook só por ter ficado de saco cheio com aquele "ambiente". Vi várias entrevistas de pessoas que fizeram um detox da vida conectada e tive a vontade imensa de ser cascuda o suficiente pra fazer o mesmo. Não poderia zerar mas, ao menos, reduzir. Afinal há tanta vida lá fora... por menos que a gente queira reconhecer, a ansiedade de quantos likes a foto deu está lá, a cada cinco minutos que a gente vai ver se teve notificação. Isso NÃO é vida.

Sou entusiasta das redes sociais. Amava o Twitter de paixão, e se tem uma coisa que não largo é o Instagram. Mas só coloco no Insta as fotos das quais realmente me orgulho ou de alguma mensagem útil que eu queira passar. E se quiser colocar 10 fotos seguidas da minha gata, vou colocar, porque gosto de fotografá-la. Gosto de fotografar comida, paisagens. Me refugio nas fotos quando quero limitar o verbo. E o que há de melhor do que imagens que nos deixa sem palavras?? Ok, não sou fodona assim com uma câmera, mas me esforço para coisas decentes. Sempre. Ainda que seja a mais nova pose de alongamento da minha gata. Afinal, isso pode me ensinar muito mais do que saber onde Jojo Toddynho está desfilando (whatahell??).

O ponto é: não sou movida por aquela coisa de TER QUE mostrar o que estou fazendo a todo tempo. Muito esforço para aparências, e pouco para ideias. Levo a vida e, se surge algo legal, coloco. As pessoas podem saber do meu gosto, de algumas ideias, ideais. Não precisam saber da minha vida. Não estou dizendo que esse é o jeito certo, mas que é o meu jeito de usar. Neste carnaval, além dos unidos da Netflix, também estou no bloco da vergonha alheia só pelo que minhas colegas comentaram que viram de barbaridades (de acordo com o nosso critério de decência) "performadas" por gente próxima ou nem tanto. Se essas pessoas preferem se expor, paciência. Uma coisa é certa: fora da tela, não há filtros. Por mais que se sustente uma vida linda num perfil. Esse show de horrores é o tipo de coisa que só me deixa mais satisfeita pela decisão de não estar sujeita a ver essas coisas, de não dar permissão para que enfiem goela abaixo o que não me interessa. Meu tempo e mente agradecem.

Não vou deletar meu perfil do Face. Espiar sem postar, quem nunca? Ou sempre? Ele ainda me serve para determinadas análises, como essa. Ver em qual velocidade o algoritmo aponta para o fim dos tempos no quesito senso crítico. E, quem sabe, ficar lá esperando para um amadurecimento de quem usa essas ferramentas. Cada vez que entro, a cada semana, ou quinzena, ou quando meu chefe me avisa que tem alguma informação na caixinha azul que tenho que checar, não perco mais que dez minutos (o que ainda é muito), como quem fica desconfortável na casa de um parente distante. Aliás, não me interessa o que os parentes estão postando, como o Mark insiste em me mostrar. Quem ele pensa que é para achar que sabe qual é a minha comunidade? Dos parentes, me interessa poder revê-los, não quero saber o que estão repercutindo. Seus gostos prefiro debater na mesa do bar ou do almoço, não no ambiente em que qualquer pitaco pode ganhar ares de lei na leitura dos radicais, seja de qual lado for.

Enfim, eu não me sinto na obrigação de me justificar por ser uma profissional da comunicação que quer se ver longe do Facebook. Mas acho válido explicar minhas razões pelo imenso medo que tenho que os meus sobrinhos, por exemplo, virem zumbis desses tempos. Quero que sejam cidadãos que decidam por si, que não terceirizem seu gosto a empresas manipuladoras. Pelo menos não na totalidade. Não quero que este texto valha curtidas. Quero que valha reflexões principalmente sobre as escolhas que NÃO fazemos. Sempre há quem - ou o quê - faça por nós.