segunda-feira, 30 de abril de 2018 | By: Daíza de Carvalho

Quero ser como a Patti Smith (ou: mais essência e menos aparência, por favor!)

Foto via Twitter (@BeaconTheatre)
Entre todas as doideras do nosso tempo, uma das mais perversas e "automáticas" é o apego à aparência, principalmente a feminina. Tem gente que ama um salão, eu sei... mas tem gente que definitivamente não ama, mas se apega a padrões sem nem mesmo saber o porquê.
Fui madrinha de casamento e só mesmo a consideração a uma grande amiga foi capaz de fazer de mim uma "lady", por uma noite! Uma lady, entenda-se, no padrão estabelecido e replicado sabe-se lá desde quando.
Meu grau de sofrimento numa maratona é batido facilmente frente às violações como tingir e esticar o cabelo, depilar e fazer a unha. Mas são coisas tão corriqueiras, não? Não! Definitivamente não pode ser normal alguém se submeter frequentemente a colocar na cabeça, literalmente, químicas que pinicam até os neurônios, puxar os fios até quase arrancar o couro cabeludo... E eu gostaria que os homens sobrevivessem à experiência mensal da depilação com cera quente, inclusive na virilha. Pintura das unhas é algo menos agressivo, mas é um tempo precioso que vai, só para colocar uma corzinha.
Sei que há uma indústria gigantesca alimentada por isso e que as mulheres, gostam, sim, de se sentirem mais bonitas. Mas, afinal, toda essa coisa externa é que define um sentimento como esse? Não a mim!
Estava muito bem, obrigada, com os meus cabelos brancos, e tive, aos 33, a primeira experiência de coloração com tonalizante. Me arrependi no segundo em que aquela coisa começou a pinicar. Afinal, se não tem a tal da amônia, por que isso? Porque nem a água é isenta de química, estúpida!
Até me equilibrei bem no salto, o vestido justo e longo ficou bonito, mesmo com a minha barriguinha que já não faço questão nenhuma de esconder. Só não pode virar relaxo com a saúde. Fiquei linda, sim, recebi milhões de elogios do namorado, mas já o avisei: se gostou, ótimo, guarde as fotos. E nutra o amor pela minha essência!
Não adianta: eu gosto mesmo é do tênis, do shorts, do dryfit, do boné... sempre foi um parto me "feminizar", porque não sei escolher roupa ou sapato. Elas é que escolhem, e quase nunca é uma saia ou um salto! E qual o problema?
Existe muito daquela coisa, do tesão relacionado à aparência, de vestir assim ou assado, de se portar conforme a ocasião... uma montanha de convenções sociais que continuamos replicando. Until we got the power....
PATTI, SUA LINDA!
Daí hoje vi um vídeo dos meus amados Patti Smith e Bruce Springteen.. e olho pra Patti e penso: #chupa sociedade! Um mundo de cultura e sabedoria por trás daquelas rugas e cabelos longos e brancos exibidos numa pureza indescritível. Ela pode. E como pode!
E nós, não? Podemos, mas por quê tantos de nós não fazemos? Cada vez que me preparo para ir ao shopping, cogito em finalmente usar aquela saia, aquele sapato. Mas quero mesmo é um tênis se for pra lacrar meu objetivo de passos no dia (o Garmin monitora isso, e realmente me sinto pelada sem o Garmin! Tem gente que se sente assim sem batom...).
Comecei a ler o livro da Patti e não terminei, numa possibilidade ainda mais remota, por enquanto, agora que voltei a estudar. Mas descobri que ela recentemente entrou no Instagram (@thisispattismith) e... não tem como não se apaixonar por alguém que divide as horas dos seus dias ora lavando meias, ora lendo Marguerite Duras, ora dividindo com o mundo suas memórias com Neil Young... ou falando da cadeira de sua mesa de trabalho, item "de série", literalmente, ou compartilhando a foto da mesa de trabalho de Borges, em sua passagem na Argentina...
São fragmentos da vida de quem vive de arte e, apesar da estética própria, muito além da aparência. Claro que estamos falando de uma artista de legado inestimável ao mundo. Mas é a extraordinária Patti. E simplesmente Patti.
Enquanto isso, quase todo o resto do mundo está replicando selfies do seu melhor dia, ou da representação do seu melhor dia (afinal, se tá difícil é melhor não postar!). Ainda outro dia, eu deveria estar lendo teoria para a aula, mas li uma matéria sobre a ditadura dos likes e tentei fazer uma autocrítica. Afinal, bastou eu ter largado o Facebook ou ainda estou muito bitolada no Insta? Até que ponto me importo tanto com likes? Bom, se ainda não passei meu perfil @pangareando para patrocinado, acho que está tudo bem. Se curtiu, vem junto, senão, tudo bem. Continuo postando o que acho interessante. Independentemente de likes.
Tudo isso para dizer que quero nutrir a utopia de valorizarmos a essência na era da aparência. Afinal, as pessoas têm que se apaixonar por nós de cara limpa e alma lavada. Porque a tinta sai com xampu e base sai com o demaquilante (graças a Deus e à indústria ou seja lá quem for!). Mas as rugas, os cabelos brancos (e a barriguinha também), estes sim contam a nossa história, sem fingimento.