terça-feira, 29 de dezembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

A felicidade possível

COLUNA RELEITURA 29/12/2015

A felicidade possível

Daíza Lacerda

O Facebook me lembrou, na última semana, de uma entrevista com o psiquiatra Flávio Gikovate, que compartilhei na rede social em dezembro de 2013. Ele havia falado à Revista da Cultura, publicação mensal da megastore de livros, cujo tema da edição era a qualidade de vida.
Como um raio de luz em meio às densas nuvens que pairam sobre nós nos últimos dias, o médico aborda o conceito da felicidade despido das tantas pretensões que só nos afastam dela. Como o quanto vendemos a alma comprando idealizações que não fazem sentido nem mesmo nas páginas de revistas de celebridades.
Para Gikovate, "qualidade de vida implica também em boas relações humanas, maturidade emocional – no sentido de você não estourar, não se irritar tanto com a vida e as coisas –, certa docilidade diante da incerteza da condição humana, certa serenidade diante do destino peculiar da nossa espécie, que é ter consciência do seu caráter mortal e ao mesmo tempo ter que arrumar um jeito de viver achando graça na vida". No fim de um ano como 2015, quem está achando graça na vida?
Ele argumenta ainda que a felicidade não pode ser medida pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que dá, no máximo, um parâmetro da ausência de infelicidade. E fala do equívoco da competição para ter conquistas materiais que achamos fundamentais para a qualidade de vida. E não são. "Você tem que conseguir reduzir esse negócio da rivalidade e da competição, mesmo vivendo em um mundo que atiça isso. O controle disso passa pela administração da vaidade", desafia.
Seus argumentos remetem aos do sociólogo Zygmunt Bauman e o conceito de modernidade líquida, numa era em que tudo é volátil, nada é sólido o bastante, inclusive os relacionamentos. E cá estamos num ciclo de insatisfações, em meio ao vazio dos milhões de opções que não preenchem o essencial do ser humano.
Voltando a Gikovate e sua sutileza em dar um chacoalhão, sua análise é que o anseio da conquista das coisas para mostrar para os outros (e dá-lhe redes sociais!) leva a uma quantidade de felicidade muito limitada. Mas muita gente já vem percebendo isso, adotando meios de vida desapegados de tudo, dedicando seus dias às coisas de que realmente gosta. "Provavelmente, essa gente está mais próxima da boa qualidade de vida do que os adeptos da sociedade, que a vivem tentando ser o sucesso dentro dessas regras do jogo".
Assim como a felicidade, a riqueza é relativa. E a entrega ao consumismo consome o que temos de mais valioso: o tempo. "Quem fica correndo muito atrás de dinheiro, de ganhar e/ou de gastar, na verdade, perde tempo que poderia dedicar a coisas muito mais ricas e interessantes", opina o psiquiatra.
Nesta época, não há como fugir das reflexões e expectativas de novo ano. Mas colocações como a do psiquiatra e sociólogo dão um norte, mostrando que a simplicidade pode ser o melhor caminho. E isso o poeta já sabia há tempos. Não é de hoje a receita de Carlos Drummond de Andrade para o ano novo: "Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre".
terça-feira, 22 de dezembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Que a Força esteja com você

Daíza Lacerda

À meia-noite da última quinta-feira, a atenção de parte dos brasileiros estava dividida entre o bloqueio do WhatsApp e a pré-estreia do sétimo episódio de Star Wars (O Despertar da Força). Me diverti tanto com o filme quanto com os dramas da suspensão do aplicativo, em bizarrices do tipo "o Brasil acordou sem WhatsApp".
O episódio da vida real só mostrou o quanto grande parte das pessoas é marionete dos serviços, dada a choradeira nas redes sociais. Se não é, pelo menos um tempinho perdeu para um comentário inútil ou propagação de piadas sobre o assunto. E quem consegue imaginar a dimensão do poder de 100 milhões de pessoas, que é a estimativa de usuários do aplicativo no País?
Penso na aplicação do esforço de tanta gente para o oposto. E se 100 milhões de pessoas usassem seu precioso tempo para boicotar um serviço mal prestado ou de preço abusivo, ou alguma medida injusta imposta, ou reivindicasse algo maior nas ruas ou portas de estabelecimentos públicos? Não são 100 mil, mas 100 milhões. É muita gente para ser refém de um serviço e passiva diante de tantas outras urgências.
Claro, não foram todos que surtaram. E, claro, os proprietários lamentaram a suspensão. "Um dia triste para o Brasil", disseram. Desculpe, quem morreu mesmo? Deve ter sido o senso. Que descanse em paz...
Agora vamos ao outro lado da força. A fábrica de sonhos deixou insone crianças de todas as idades para assistir a continuidade da saga criada por George Lucas, na madrugada de quinta-feira. Não sou a favor de fanatismo algum, mas não me lembro de nada de impacto cultural tão forte a ponto de unir gerações. Foi bonito ver adolescentes, grisalhos e seus filhos vestindo seu herói ou malvado favorito, no lançamento mais esperado da década. Não eram pais presos ao passado ou crianças em outro mundo adiante, mas a conexão possível de gerações cada vez mais distintas, e que todos aprendem a lidar. Afinal, num mundo tão livre nas redes e generoso em equipamentos, em que crianças ficam num cômodo e os pais em outro na mesma casa, esse tipo de proximidade é cada vez mais rara. Que seja por uma história imaginária, mas deve ser comemorada.
Se é para se perder, de vez em quando, num mundo de fantasia, que seja neste: o das histórias bem elaboradas e contadas, que aguçam a curiosidade e imaginação. Mas, infelizmente, muita, mas muita gente prefere nutrir-se da banalização da história alheia e pré-julgamento sem critérios de casos reais, como o da Fabíola. E quem não tem vida própria para cuidar deve mesmo ter ficado desesperado sem WhatApp para passar para frente a difamação da vez. Enquanto isso, quem sabe dizer, de bate-pronto, o que aconteceu em Brasília no último final de semana?
Não entrarei no mérito da questão que levou ao bloqueio do aplicativo. Mas não sei o que é mais preocupante: o poder de alguém bloquear um serviço de tamanho alcance, mesmo que temporariamente, ou o alarde em torno de apenas uma das inúmeras opções de comunicações que temos, como se, de fato, o mundo fosse acabar. Não vejo mocinho nesta história.
E me pergunto quem nos salvará dessas mesquinharias neste e no próximo ano. Quem nos ajudará a não perder tempo tão importante dos nossos dias com elas, mas dedicá-lo mais aos exemplos que inspiram para o bem. Que a Força esteja conosco.
terça-feira, 15 de dezembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Megalomania tecnológica

Daíza Lacerda

A Black Friday já passou há mais de duas semanas, mas o comércio eletrônico ainda se agarra insistentemente no chamariz dos grandes descontos. Como se os consumidores acreditassem em Papai Noel, às vésperas do Natal.
Monitoro ofertas, para um possível bom negócio. Mas, na última semana, a infinidade e variedade de eletrônicos me fizeram parar para pensar até que ponto da tecnologia estamos surfando. Afinal, qual a serventia de 8 milhões de pixels numa TV? A visão humana é capaz de captar tamanha resolução?
Em breve, a TV ultra HD pode até vir a ser demodé. Quem sabe o salto que nos aguarda na próxima temporada? O fato é que o que é demais não é o bastante. Quem não quer a melhor imagem, o melhor som, ou um processamento mega rápido? Compartilho com muitos um interesse até demasiado nas quinquilharias eletrônicas, beirando um surto quando falta energia elétrica por muito tempo. Mas, se pararmos para pensar, o quanto realmente usufruímos disso tudo?
Se, dizem, não conseguimos usar nem mesmo toda a capacidade do cérebro, quem consegue tirar o máximo proveito de um smartphone, além do trivial? E por que esses aparelhos têm se tornado tão descartáveis, mesmo em pleno funcionamento, com qualidade razoável de suas câmeras e sistemas operacionais?
Não é de hoje que o celular serve para quase tudo, mas minimamente para fazer ligações, cultura forte o suficiente para cutucar e desafiar operadoras a mudarem estratégias para convencer o usuário a consumir seus pacotes. A TV também incorporou as funções do smartphone para nos viciar numa tela e resolução bem maiores.
Não sei se partiu dele mesmo, mas certa vez ouvi que Steve Jobs, falecido criador da Apple, apenas criava aquilo que precisávamos - só não sabíamos, ainda. De fato. Tantos que passaram a maior parte das suas vidas sem depender de uma tela, hoje não ficam sem ela.
É indiscutível que a tecnologia que detemos é a responsável por incontáveis aproximações que jamais seriam possíveis sem essa evolução. O problema é tendermos a transformar isso numa muleta. Quantas vezes uma videoconferência bastou, e sossegou quem poderia ter buscado a surpresa da visita, o toque, o abraço, o olho no olho sem o filtro da câmera? Até que ponto essa dependência é saudável ou não, será uma discussão eterna. Mas, justamente no Natal, somos levados a querer consumir mais tecnologia, quando o sentido da data deveria ser o de depender menos das coisas, e se render mais ao convívio com as pessoas. 
É tênue a linha que nos torna antissociais, quando acreditamos ser o contrário, no plano virtual. Em meio à oferta desenfreada, como saber dosar? Há pouco tempo, os smartphones topo de linha custavam cerca de R$ 2 mil, em teto que, por enquanto, já saltou para os R$ 4 mil. Custo Brasil à parte, o valor fala mais do que o preço. Os mesmos barões que pagam um telefone, pagam uma viagem. O que vale mais?
Admito que o 3g dá nervoso depois que acostumei com 4g e que minha lista é grande na Netflix, que vou querer assistir em ótima resolução e sem engasgos na conexão. Mas são confortos que têm de estar ao nosso favor, e não nos fazer escravos deles. Afinal, há tanta vida lá fora...

Publicado na Gazeta de Limeira.
terça-feira, 8 de dezembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

O ano da passividade no país dos vícios

Daíza Lacerda

De repente, já é dezembro, e a gasolina está custando quase R$ 4 o litro. O ano que começou com "ajuste fiscal" nas manchetes termina com "impeachment" estampado por onde quer que se olhe. E o brasileiro, enquanto isso?
Entre reclamar e tentar se ajustar, sobrevivemos. Neste ano, o governo brasileiro descobriu o que o povo já sabe faz tempo: que contas não fecham sem dinheiro. Não bastasse viver sem muitos dos recursos que nossos impostos deveriam custear (como educação e saúde de qualidade), vamos apertar mais um pouco enquanto o governo cai na real das contas.
A diferença é que, dentro dos gabinetes, o pessoal da caneta não sabe se virar como os milhões de anônimos nas periferias. Gente que faz o ajuste fiscal doméstico, como exemplifica o economista Renato Meirelles, presidente do instituto Data Popular. Em entrevista ao Estadão, ele citou como se viram nos 30 os "Joaquim Levys de saias": rateando custo da wi-fi, fazendo trabalhos extras, desligando a TV da tomada. Se é que se pode chamar disso, o lado bom da crise talvez seja este, o de mudar a cultura do desperdício, como da energia elétrica. Mas até que ponto?
Por mais expert que seja em lidar com as adversidades, ainda vejo o brasileiro como um povo muito passivo. Sobem os preços, reclamamos. Mas pagamos. Muda a política, reclamamos. Mas aceitamos. Ainda que sejam numerosos os manifestos, quando algum será eficiente o bastante para atingir o cerne e começar a mexer, de verdade, nos vícios do Brasil? Como o de penalizar uma nação inteira pela incapacidade de administração. A bomba estourou, mas o pavio foi aceso há muito tempo.
Essa mudança está nas ideias, mas não nos atos, por uma questão cultural, que me foi explicada certa vez numa entrevista com temática de História. Em suas origens, o brasileiro, em geral, não necessariamente foi à luta buscar algo grande, um ideal. A nossa independência, a nossa república, eram anseios populares. Mas foram decididas "no gabinete". Qualquer semelhança nos dias de hoje não é mera coincidência. A confusão da reorganização escolar está aí como um exemplo de que o cidadão quase nunca é consultado, mas só se revolta com isso em ocasiões muito específicas. O nosso dinheiro e os complicadores do nosso futuro são controlados, em boa parte, à nossa revelia. Nem o poder do voto mudou isso.
A síndrome de vítima é outro vício encrustado em nós. Não está fácil para (quase) ninguém, mas nem por isso o mundo acabou. E quem lembra novamente é o economista Meirelles. "Metade da população acha que esta é a maior crise econômica que o Brasil já viveu. A gente sabe que não é. [...] Mas um enorme contingente de jovens jamais viveu um cenário tão difícil, eles começam a ter uma sensação de perda". Justamente quando a falta de perspectiva não deveria ser opção, muito menos para jovens.
Choramingando, o ano se foi. E esta é a época em que começamos a viajar nas possibilidades do próximo ano, quando negligenciamos boa parte no ano vigente. Talvez não precise ir tão longe. Reclamar menos e fazer mais talvez prenuncie um bom começo, o de um vício a menos.  


Publicado na Gazeta de Limeira.
terça-feira, 1 de dezembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

A desorganização da reorganização

Até que não é má ideia a reorganização escolar. Mas o modo como é imposta é só mais uma prova cabal da inabilidade do governo estadual no planejamento da educação. Falta empenho para fazer acontecer o mais importante: formar alunos com conhecimento do que o currículo das séries exige. Mas isso é raridade na realidade em que gerações chegam aos finais de anos letivos absorvendo pouquíssimo, e mesmo assim seguem adiante. Os comentários aqui não se aplicam às escolas técnicas estaduais, estas, sim, muito bem referenciadas.
Fiquei surpresa quando soube que o Estado fornece (ou pelo menos fornecia) kits com diversas obras clássicas da literatura, nacional ou não. Morri de inveja por não ter tido essa regalia na minha época. Mas também levei um susto certa vez, quando tentei visitar, à noite, a escola pública onde terminei o ensino básico. Não conseguia entrar, nem contatar ninguém. Parecia uma prisão: muros e grades altas, portões muito bem fechados. O pior é saber que tudo isso não é para que ninguém entre, mas para que ninguém saia. Como uma instituição que oprime irá formar um cidadão que enxergue além e provoque mudanças positivas a partir disso?
Trata-se de um sistema falido, em que o Estado insiste em inflar números que nem de longe transmitem o dia a dia dentro das salas. A começar pelo trato com o professor. Valorização enche discurso, mas não vontade. É claro que, como em todas as profissões, há professores e professores. Passada mais de uma década do término do meu ensino médio, tive mestres empenhados em ajudar meia dúzia de gatos pingados interessados em encarar um vestibular. O fato é que, sem entrar no mérito da capacidade, vejo que boa parte simplesmente "lavou as mãos" diante do sistema.
É um círculo vicioso que contagia os alunos. Quem saberia dizer quantos, de fato, levam a escola a sério, quando no final de semestre o entorno de escolas são tomados por folhas de cadernos e livros rasgadas? Qual o propósito de prover material se não há o cuidado de ensinar a cultivar o valor das coisas?
E assim geração entra, geração sai. Mas houve um ponto positivo: a mobilização de alunos. Ainda que fizesse tanto efeito quanto as greves de professores, ano a ano. Acho bonito os alunos "tomarem" a escola. Neste sentido, o senso de apropriação é bem-vindo, como defesa coletiva daquilo que também é seu. E, portanto, deve ser cuidado. Mas por quê esse senso não é levado a tanto extremo quando paredes são pichadas e escolas saqueadas? Por quê a garotada não mostra as garras, também coletivamente, para exigir um sistema de ensino efetivo e de qualidade?
Estamos em pleno período de vestibulares. Se os alunos das escolas públicas estaduais fossem, de fato, preparados como deveriam em cada ano letivo, não seriam necessárias tantas cotas. O resultado é que o aluno determinado tem que se esforçar o dobro (ou triplo) para alcançar o resultado que o Estado deveria garantir minimamente, por obrigação.
Já vi muito brilho em olhos de quem se gabava de ter estudado neste ou naquele grupo escolar, quando o ensino público estadual era referência. Imagino que, para voltar àquele patamar, é necessária mais do que uma reorganização, mas um choque na gestão da educação estadual. 

Publicado na Gazeta de Limeira.
terça-feira, 24 de novembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Afinal, que lazer os jovens querem?

O que me surpreende no "mapa do rolezinho" em Limeira não é que jovens também de outras cidades venham se aglomerar no entorno do Pátio Limeira Shopping nas sextas à noite. O que assusta é considerarem isso opção de lazer. Publicado na edição de sexta-feira da Gazeta, o levantamento foi feito pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), e apresentado aos representantes da rede socioassistencial do Município.
A reclamação é sempre a mesma: faltam opções. Mas a questão é: o que é considerado opção por eles? Eu também já reclamei muito que Limeira não tinha o que fazer. Hoje, porém, isso seria meia verdade. Uma coisa é não ter, e outra é não ter o que nos interessa. Não é possível que essa faixa dos 14 aos 17 seja tão difícil de agradar.
O histórico dos frequentadores do ‘point’ do shopping não os favorece. As garrafas de bebidas largadas nas ruas até o dia seguinte são prova de que, para essa garotada, lazer é farra. É fácil reclamar que não há opções. Mas na hora de agir civilizadamente, cadê? Se não faz a sua parte, quer cobrar como? Se vai cobrar, que não seja na ignorância, mas com argumentos e razão. Saia do ‘point’, vá para as conferências da juventude.
Lógico que não há mal nenhum em eleger uma via pública para se encontrar com os amigos, papear. Mas, quem passa por ali sabe que o ar é mais intimidador do que qualquer outra coisa. O direito de ir e vir é de todos. De largar lixo e fazer gritaria em frente da residência e comércio alheios, de ninguém. Quanto ao shopping, embora seja um espaço aberto ao público, trata-se de um empreendimento privado e com um fim bem específico: vender. Por esta ótica, considero natural a tentativa de coibir a vadiagem. Veja bem: natural. Não quer dizer que seja justa. Nem todo jovem vai ali para causar anarquia. Seria injusto generalizar.
Faltam opções ou criatividade da parte desses jovens para usar melhor o tempo deles mesmos? Locais como Parque Cidade e Teatro Vitória têm agenda para escolher o que fazer, inclusive gratuita. Barzinhos também não faltam, para variados gostos e bolsos, é só se dispor a procurar. E com ambientes muito mais agradáveis. Mas é mais fácil socar a cerveja na garrafa de guaraná e ir sentar lá na calçada para reclamar que não tem o que fazer. Só eles mesmos para verem graça nisso.
Falando em graça da coisa, alguém me explica qual é a dos ‘points’ em postos de gasolina. Ah, é só para o "esquenta"? Que seja. Para mim, que tenho fugido dos postos e seus preços cada dia mais assustadores, é de muito mau gosto.
Se não é falta de ideias do que fazer, o desencontro das faixas etárias talvez explique. A pesquisa entrevistou pessoas de 10 a 21 anos. Obviamente, o tal ‘point’ não é ambiente para crianças daquela idade. Cadê os pais nessa hora, que adoram colocar o dedo nos narizes de gestores cobrando as coisas? Ainda tem muito casal com crianças achando que educação é obrigação do Estado. Não é. O Estado deve, sim, fornecer ferramentas. A direção do caminho, pelo menos na infância, é dos pais. Não é o Conselho Tutelar que tem que buscar. A responsabilidade é dos pais.
Já os de 21... Já eram para ter criado vergonha na cara para caçar algo produtivo.
Como dizem hoje, é muito mi-mi-mi. Como diria a minha mãe, mamar na vaca eles não querem.

Publicado na Gazeta de Limeira.
terça-feira, 17 de novembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Enxergar à frente

Limeira não foi salva pelo gongo na questão da água. Foi salva pela visão. Se os limeirenses podem se considerar privilegiados no quesito abastecimento, é por consequência, e não por sorte. É o que mostra o histórico da realidade de Limeira há meio século, na pior seca antes da crise hídrica de 2014.
Cavar o histórico do SAAE na ocasião dos 50 anos da autarquia e as condições da implantação de captação e tratamento de água na cidade trouxe à tona uma Limeira que a nova geração desconhece. Aquela que se mobilizava em prol do coletivo, não só no discurso, mas nas ações. Mais do que isso, o resgate publicado na edição do último domingo na Gazeta retrata um modus operandi urgente agora, para o nosso tempo. O tempo das obras que se arrastam na burocracia. Precisamos para ontem de pessoas que pensem e executem seriamente pensando também no amanhã - e depois, e depois...
Estamos muito ocupados tentando resolver os problemas atuais. Mas os nossos antepassados também estavam, sem deixar de prover para o futuro. É possível que, na era da informação, perdemos a eficiência? Sobram discursos, faltam atos.
O dom de enxergar muito além do seu tempo deveria ser premissa de todo gestor, no âmbito público ou não. Se hoje o que vemos são tentativas, às vezes desesperadas, de remediar problemas novos e complexos, o que será das próximas gerações com o desconhecido (ou nem tanto) que há por vir?
Não é preciso ir longe: a sustentabilidade do nosso modo de vida atual é o desafio da vez, muito mais do que há meio século. Porque essas mudanças não foram consideradas lá atrás. Bastava um "e se...".
Mais de 500 anos deveria ser tempo suficiente para aprender a planejar, não? Não para quem tem a cultura do atraso, com toda mudança (política, social) chegando muito tarde desde a época do império. É como se o Brasil não tivesse aprendido nada com a industrialização, a urbanização, e todos os processos que provocaram uma metamorfose na cultura e modo de vida. Sabemos para onde vamos. Só que ignoramos. Será o futuro que Deus dará ou alguém proverá?
O abastecimento de água e tratamento de esgoto de Limeira são, felizmente, uma das muitas exceções em meio a inúmeras negligências do Estado e País afora. É inconcebível que em pleno 2015 ainda haja lugar sem saneamento básico. Básico! Mas essas carências ainda parecem "normais" no Brasil. Também é inadmissível termos de lidar com o desastre humano e ambiental como o de Minas Gerais. Estarmos sujeitos a consequências daqueles que não fizeram a lição de casa básica de prever e, principalmente, se precaver contra tragédias.
Claro que Limeira ainda sofre com muitas outras demandas comuns à falta de planejamento, a exemplo da mobilidade. A política é outra nos nossos dias, tanto quanto a população. Ainda é grande a passividade diante de problemas urgentes. Muitas cidades brasileiras mostram que foi mais rápido voltar a chover do que viabilizar soluções eficazes.
As cidades sempre serão desafios ambulantes, com dez demandas nascendo quando uma for sanada. Mas o fato de não dar conta não é desculpa. Quem dá a cara a tapa, tem que fazer acontecer. Não adianta olhar para o umbigo. Tem que olhar à frente. Muito à frente.

Publicado na Gazeta de Limeira.
segunda-feira, 16 de novembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

O saneamento de Limeira desde a 1ª gota

SAAE completa 50 anos de fundação com comemorações e resgate da trajetória

Daíza Lacerda

Se para a população paulista foi difícil passar pela crise hídrica no ano passado, talvez a geração atual não tenha ideia de como foi a seca de 1964. Naquele ano, o abastecimento de Limeira era pela represa de Cascalho, que virou pó. Histórica até então, aquela seca marcou o início da mobilização para o abastecimento e saneamento em Limeira, com a criação do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), que completa 50 anos nesta segunda-feira. Na celebração de meio século da autarquia, personagens que participaram da evolução da estrutura hídrica resgatam suas histórias.
Uma publicação de 1967 da prefeitura prestava contas da saga da construção da Estação de Tratamento de Água (ETA), inaugurada naquele ano. O material descreve que a represa de Cascalho foi construída entre 1911 e 1912, como única fonte do município, então com cerca de 60 mil habitantes.
Em março de 64, foi decretado estado de calamidade pública pelo então prefeito Paulo D'Andréa. A distribuição de água era feita com caminhões-pipa, e os moradores recorriam à Bica do Bicão, que ficava no cruzamento da Dr. Trajano com a Lavapés. Formavam fila para pegar água, cada um levando seu balde ou lata. A fonte era localizada numa região rica em nascentes, como a do córrego Lavapés, que corre sob o Mercado Modelo.
Antes da seca, apesar da água garantida, não havia tratamento. Quando chovia, da torneira saía barro, inclusive com minhocas.
Essas são algumas das memórias de Ernesto Luiz Felizi, de 74 anos, que trabalhou no Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) durante 30 anos, a partir de 1975, acompanhando a evolução dos serviços no município. E foi na seca que começou a nascer a estrutura que livraria Limeira de voltar a passar sede, exatos 50 anos depois.
A PROFECIA DO MAJOR
Quando Limeira dependia de Cascalho, a distribuição era de um reservatório que ainda existe, no cruzamento da avenida Fabrício Vampré e Cônego Manoel Alves. Mas o primeiro serviço foi em 1908, em captação de nascente do Morro Azul. Na mesma época, um reservatório foi construído próximo do atual Nosso Clube, que iniciava as obras naquele local. Era a Caixa do Inocêncio, no entorno de uma nascente que abastecia chafarizes nas principais praças de Limeira.
Não se tem notícia de quem era o Inocêncio que batizava a caixa em 1908, mas quando a represa de Cascalho começa a atender a crescente demanda em 1912, teve praticamente decretada a data de validade por quem a financiou: o então prefeito major José Levy Sobrinho. Pagou a represa com um empréstimo de 700 contos de réis, e previa que o serviço atenderia Limeira por 50 anos.
A previsão certeira do major levou à mobilização para garantir não só água, mas água tratada nos anos 60. E com este objetivo o SAAE foi criado por decreto em 16 de novembro de 1965, inaugurando a Estação de Tratamento de Água (ETA) dois anos depois, às margens da Anhanguera.
NA LÁBIA
Sem a burocracia atual, projeto e construção correram a toque de caixa. A obra virou referência, mas nasceu de maneira artesanal e comunitária, com a captação 16 quilômetros distante da área urbana. Sem GPS ou satélites, a linha da tubulação até a ETA foi definida passo a passo e na autorização verbal. "Conta-se que andavam e perguntavam para o proprietário se a tubulação poderia passar ali. Quando autorizado, soltavam fogos para avisar daquele ponto. Alguns donos até se animavam, achando que poderiam usar água direto daquele encanamento", conta Felizi. A população ajudou na abertura das valas, feita "no braço", sem máquinas. 
Ele também lembra que a primeira opção era trazer água do Rio Piracicaba, pela Estrada da Balsa. Mas optou-se pelo Rio Jaguari, instalando a ETA em território que ainda não era de Limeira, mas de Cosmópolis.
As providências ocorreram no auge da produção cítrica e industrial do município. Em segundo plano hoje, os poços artesianos é que mantiveram as atividades industriais, sendo que a antiga União, por exemplo, tinha 55 deles.
Com credores em todas as esferas, inclusive internacional, as obras no Jaguari custaram cinco milhões de cruzeiros novos, para tratar até 20 milhões de litros/dia na primeira etapa, mas com cálculos para o dobro disso, considerando população de 160 mil pessoas. Atualmente, o tratamento diário fica entre 50 milhões e 57 milhões de litros/dia.

Foto: Arquivo SAAE
Captação no Rio Jaguari: avanço da tubulação foi
feita com autorização verbal de proprietários de terras


Foto: JB Anthero/Gazeta de Limeira
Ernesto Felizi: população fazia fila
para buscar água na "Bica do Bicão"



Jaguari refém da cheia

Assolado pela estiagem que derrubou a qualidade que já não era referência em 2014, o Jaguari era tido, em 1965, como um dos mais limpos da região. E foi em suas margens junto à do vizinho Ribeirão Pinhal que seria erguida a captação. Porém, à mercê dos ânimos climáticos, a solução da seca foi refém das cheias de 1972, quando a captação ficou submersa e Jaguari e Pinhal viraram um só. Até hoje uma construção no local demarca a altura que a água chegou. (Daíza Lacerda)

Foto: Arquivo SAAE
Planejada na escassez de água, captação no
Jaguari foi inundada em fevereiro de 1970







 
Os engenheiros Pedro e Lillian no caminho da água



Casal iniciou a gestão da autarquia, com projeto e execução em tempo recorde

Daíza Lacerda

Pedro Moraes Siqueira e Lillian Theresa Senra Siqueira eram um casal de engenheiros químicos que vivia na área rural de Limeira até meados da década de 60. Com os filhos crescendo, ele veio até a cidade procurar o colega de cursinho Paulo D'Andréa, então prefeito. Foi buscar serviço e recebeu um desafio: o do abastecimento em Limeira, como novo diretor do departamento de água e esgoto.
Em 1964, todas as nascentes estavam secas, além da represa de Cascalho. A saída foi captar do Ribeirão Pinhal, manancial que se tornaria estratégico 50 anos depois. Mas, àquela altura, importante mesmo era o Jaguari, escolhido para a captação que abasteceria a cidade, como lembra Lillian. "Quem poderia imaginar? Era o mais limpo da região, até a formação do Cantareira". Ainda que o Pinhal estivesse em segundo plano, não foi descartado, sendo a captação implantada na confluência dos dois mananciais.
Siqueira foi o primeiro gestor do SAAE, à época sob a denominação de diretor, e não presidente. Lillian atuou junto, tendo aprimoramentos na área durante um ano em Campinas antes do tratamento estrear em Limeira. Lá, já fazia análises da qualidade da água, e a ETA limeirense nasceu com um laboratório de bacteriologia, o que surpreendeu até o governador da época, Abreu Sodré.
Enquanto Siqueira falava em inúmeros encontros e reuniões para informar a população e entidades sobre a causa, Lillian criou uma cartilha dos manejos para os futuros profissionais da ETA. Como base para estudo, faria um teste para selecionar os funcionários, que atuariam desde a fase final das obras.
Sob a condução de ambos nos primerios anos, a referência era tanta que a engenheira dava treinamentos nas cidades vizinhas. Com parte do financiamento do projeto pela "Aliança para o Progresso", dos Estados Unidos, Siqueira faria cursos naquele país. Um engenheiro norte-americano acompanha a evolução do projeto, e também viabilizou a visita de Lillian a uma estação de tratamento em Washington, com o que havia de mais avançado.
DESBRAVANDO
"Atravessamos brejos, florestas, pomares. Não havia materiais, como máquinas para descarregar a tubulação. Era tudo tirado do caminhão", lembra, ressaltando a colaboração da população. De fato, a cessão da terra para a tubulação foi somente verbal. E a colaboração foi em todas as fases, da captação, da estação, e dos ramais para que a água chegasse até a cidade. Limeira era uma das pioneiras na qualidade do tratamento. Antes dela, apenas Campinas tinha estrutura parecida.
A parceira americana que contribuía no financiamento exigia que o serviço fosse autônomo, ou seja, que a verba fosse exclusivamente usada para a água e esgoto. "Com isso, conseguíamos pagar os funcionários e os produtos químicos. Ainda sobravam 30% para obras novas, como a implantação do esgoto". 
A atuação de Siqueira foi além. Ele foi procurado por Zeferino Vaz, fundador da Unicamp, para a implantação da faculdade de engenharia em Limeira. Além de diretor do ramo limeirense da Unicamp durante 7 anos, o engenheiro também foi vice-prefeito na gestão de Sebastião Fumagalli.
O casal voltaria à autarquia no final da década de 80, quando o desafio da vez era o esgoto. Debilitado por um câncer com o qual conviveu durante 8 anos, trabalhando, Siqueira queria a realização da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Tatu. Morreu em 1991, quando Lillian assumiu o seu lugar na presidência do SAAE.
A ETE era questão de honra não só para o casal como para Paulo D'Andréa, novamente prefeito. Mas o chefe do Executivo estava inseguro em inaugurar a ETE ainda incompleta, com a entrada do tratamento e mais 14 quilômetros de emissários. Mas, como Mário Covas tinha, à época, feito grandiosa festa para lançar 7 quilômetros, a inauguração não foi adiada e aconteceu em 1992.

Foto: JB Anthero/Gazeta de Limeira
Lillian Siqueira: mais do que braço direito do
marido, atuação direta na gestão do SAAE



A hora do esgoto

Resolvido o problema da água, o tratamento de esgoto desafiaria as gestões das próximas décadas, sendo que os dejetos eram despejados in natura no Ribeirão Tatu. Eram nada menos do que 40% da carga polunte que chegava até o Rio Piracicaba, como lembra Armando Cecato, que acompanhou o processo de construção da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Tatu desde quando iniciou no SAAE, em 1989.
Ele conta que a construção ocorreu entre 1989 e 1992, em parceria da autarquia, prefeitura e representantes de cerca de 20 indústrias. Os industriários seriam ressarcidos quando o serviço passou pela concessão. Antes da ETE, havia estações de tratamento em teste, como no Nova Limeira e Graminha, além de uma tentativa eletrolítica, que se mostrou ineficaz.
Mas a intenção de tratar seria ainda mais antiga, como cita Ernesto Luiz Felizi. "A rua dos Filtros serviria para filtrar o esgoto na década de 30. Limeira teve administradores com visão no saneamento", cita, em referência à rua que fica entre a avenida Campinas e a ferrovia, na Marginal Tatu.
Até o início dos anos 80, a maioria da cidade não tinha rede de esgoto, em época que o SAAE assumiu também as redes de drenagem, que eram mantidas pela prefeitura. Além do esgoto, a estrutura antienchente passava a ser responsabilidade da autarquia, numa época em que não havia Defesa Civil.
Herdou, portanto, o problema da região do Mercado Modelo, já notório. "A pior enchente aconteceu em dezembro de 1961, no mesmo dia em que um circo pegou fogo em Niterói, no Rio de Janeiro. Naquele dia, as portas do açougue estufaram, com água quase no teto", lembra Felizi.
O problema se repetia nas décadas a partir de 1990, na memória de Cecato. Entre as mais recentes, a pior enchente aconteceu em 2007 no complexo comercial construído numa baixada bem em cima do córrego Lavapés.
Em 2008, no terreno que tinha uma base da Guarda que foi destruída pela água foi construída uma pequena bacia de detenção para amenizar a situação, ao lado do Mercadão. Mas a expectativa é que a solução seja definitiva com a construção do piscinão sob a pista de atletismo Tiro de Guerra.
Já outras áreas dependem de investimento muito alto para o fim das enchentes. Somente a partir de 1997 é que foram estabelecidas regras técnicas para loteadores, para redes de drenagem adequadas. (Daíza Lacerda)

Foto: JB Anthero/Gazeta de Limeira
Armando Cecato: depois da implantação
do esgoto, desafio da drenagem








"O SAAE resolveu o problema da água em Limeira"

Em meio século de existência da autarquia, balanço do atual presidente é positivo

Daíza Lacerda

Se Limeira passou praticamente imune à crise hídrica de 2014, é justamente devido às providências tomadas há 50 anos. E a garantia de água é motivo suficiente para comemorar, como avalia o presidente do SAAE, Osmar da Silva Júnior. "Se todo esse trabalho não tivesse sido feito em 1965, nada disso seria colhido. A concessão presta um bom serviço, mas havia uma base 30 anos antes. O SAAE resolveu o problema da água em Limeira", salienta.
A situação atual é de equilíbrio financeiro, mas com limitações para investimentos, em panorama pessimista se considerada a dependência de recursos do governo federal e estadual. "Cuidamos dos custos da administração, RH, precatórios, manutenção e gastos jurídicos. Somos eficientes na manutenção do que existe, mas sobra pouco para investir. Não recebemos repasses de taxas", explica Osmar. A dificuldade está diretamente ligada ao principal desafio dos próximos anos, de acabar com os principais pontos de enchente da cidade.
Um Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) listou esses pontos, e cada um teve um projeto um pouco mais aprofundado para conhecimento das implicações e investimentos, que chegariam a R$ 19 milhões, considerando a solução de todos.
O consenso é que não há cidade totalmente preparada para chuvas torrenciais, sendo que a força da natureza pode frustrar até mesmo os maiores dimensionamentos projetados por engenheiros, como o piscinão.
PISCINÃO: DIVISOR DE ÁGUAS
Se a estação de água foi referência na década de 60, o piscinão promete ser outro divisor de águas no histórico do SAAE, para acabar com as enchentes na baixada do Centro. Mas, até que a pá tirasse o primeiro punhado no gramado da pista de atletismo ao lado do Tiro de Guerra, o clima era de tensão. Afinal, o projeto se arrastava há anos. "A ideia era antiga, mas precisávamos de uma área pública para isso", lembra Armando Cecato.
Ele reitera que não há projeto semelhante no interior. Obra de tal  porte existe apenas em São Paulo, de onde foram tirar a ideia. Visitaram o piscinão sob a Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, que tem estrutura muito maior.
Com orçamento de R$ 25 milhões, a obra passa da metade do prazo de dois anos, e avança com dificuldade devido aos atrasos de repasses do governo federal. Que é outro desafio da autarquia. "Estamos focados em finalizar o piscinão, que é uma obra que muitos duvidaram que sairia do papel. Com ele, o SAAE continua fazendo história".

Foto: JB Anthero
Osmar: desafio atual é de acabar com
12 principais pontos de enchentes


Concessão polêmica

O SAAE foi responsável pelos serviços de água e esgoto até 1995, quando o prefeito Jurandyr Paixão fez a concessão, polêmica à época. No edital internacional, seria vencedora a empresa que oferecesse a menor taxa dos serviços. A concessão foi feita a uma detentora francesa.
Armando Cecato lembra que a autarquia mantinha os serviços, mas o índice de perdas d'água era alto, em torno de 40%, e não havia condições para investir na redução. Essa e outras questões estruturais seriam responsabilidade da empresa concessionária, a a Odebrecht Ambiental, com contrato vigente até 2039.
Ao SAAE foi atribuída a fiscalização dos serviços da concessionária, além da manutenção da rede pluvial. Sem a receita das tarifas, o orçamento dependia da prefeitura até 2001, quando um aditamento no contrato estabeleceu que a autarquia teria 9,5% da receita líquida da concessionária. Neste ano, o orçamento é de R$ 9 milhões, com previsão de incremento de meio milhão para 2016. (Daíza Lacerda)


"Não havia nem cadeiras"

Hoje os departamentos do SAAE estão concentrados no Paço Municipal, no Edifício Prada. Mas, há meio século, a autarquia não possuía nem uma cadeira. É o que lembra a primeira funcionária registrada, Heleni de Oliveira, de 69 anos.
Apesar de muitos estranharem, para ela é comum tomar água direto da rede de distribuição, sem filtro. É a confiança de quem também já viu barro e minhocas saindo da torneira.
Ela, que assessorava o primeiro presidente da autarquia, Pedro Moraes Siqueira, lembra que tarefas corriqueiras hoje não eram tão fácil antes. "Para fazer ligações, primeiro tinha que passar pela telefonista, que completava a chamada. Muitas vezes começávamos de manhã para conseguir falar só à tarde".
Mesmo os controles das contas de água eram artesanais. Os primeiros, feitos em máquinas de escrever. Com o tempo é que a cobrança foi aperfeiçoada, com emissão de recibos no computador. "A população era bem menor, mas mesmo assim era muito serviço. O dr. Pedro pedia para os funcionários trabalharem à noite, e nunca nenhum recusou".
No início, os serviços também tinham dinâmica diferente, sem licitação para a contratação. "Quando dava algum problema em alguma bomba no Jaguari, já havia um mecânico para prestar o serviço de manutenção. Os pedidos eram feitos via memorando, com o recibo do pagamento anexado", diz ela, que tinha a instituição como uma família. "O SAAE sempre foi modelo". (Daíza Lacerda)


Foto: JB Anthero/Gazeta de Limeira
Heleni foi a primeira funcionária registrada do
SAAE, em época sem regalias tecnológicas

Publicado na Gazeta de Limeira.
terça-feira, 10 de novembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

O rock não morreu - e nem a esperança contra o câncer

Antes da abertura das vendas ao público em geral, estavam esgotados os ingressos premium para o show da banda inglesa de heavy metal Iron Maiden, em março de 2016, em São Paulo. Se o Brasil foi destino certo de todas as turnês da última década, a corrida pela área mais privilegiada e cara do show no Allianz Parque talvez se explique pelo susto que a banda e fãs passaram neste ano, quando o vocalista Bruce Dickinson foi diagnosticado com um câncer na língua. A notícia desesperou os fãs do rock, já que restam pouquíssimas bandas da velha guarda em atividade, ainda mais em turnês internacionais. A própria vítima, porém, encarou a fase da forma mais serena possível, algo que deve ser inimaginavelmente difícil para um portador de câncer. Conduta inspiradora, mesmo para os que não gostam do gênero.
Numa entrevista ao Fantástico que foi ao ar em setembro, Bruce, que ainda é piloto de avião e esgrimista, justificou que surtar não o faria sentir-se melhor. A calma vem da experiência nos ares. "Você está num avião e as turbinas pegam fogo. O que você faz? Como reage? Você tenta algo e vê se funciona. Se não, tenta outro plano. Você pode dizer: ‘ai, meu Deus, eu vou morrer’, ou pode dizer: ‘Talvez eu morra, mas talvez não’. Eu sou assim", disse, na entrevista. Dois nódulos, um deles do tamanho de uma bola de golfe, foram descobertos num exame de rotina no final de 2014, e o tratamento seguiu no semestre seguinte, sob sigilo.
A história é exemplo do quanto é crucial o diagnóstico em estágio inicial, que é o grande alerta dos meses de conscientização contra o câncer. Se levada a sério, e cultura dos exames periódicos poderia prover mais finais felizes, como o dos fãs do Iron. No Brasil, infelizmente impera o hábito de esperar a dor para remediá-la, sem a cultura da prevenção. É claro que os nossos sistemas de saúde, (público e particular), não colaboram. Mas não custa checar como as coisas estão quando, aparentemente, não há problemas. Afinal, muitas doenças são silenciosas.
Na era em que temos inúmeras tecnologias ao nosso favor para viver melhor, deixamos de fazer o básico para a boa saúde. Não falo só de exames preventivos, mas da fuga de um estilo de vida que consuma todas as nossas forças e ânimo. É como o médico oncologista Drauzio Varella disse em sua passagem em Limeira: não adianta abrir mão do exercício físico ou descanso pela família, se um ataque cardíaco pode tirar você dela.
Se o câncer devasta vítimas e familiares, a luta faz sobreviventes que se tornam semeadores de esperança e informação. Mas é preciso se esforçar. Principalmente os homens, que em pleno 2015 ainda mantêm reservas para fazer o exame preventivo do câncer de próstata, entre outros. Alguns veículos publicaram que a origem do câncer de Bruce Dickinson teria sido o HPV, contraído via sexo oral, e que o astro teria ressaltado que muitos fazem piada, mas o assunto é muito sério. Saúde custa muito mais do que orgulho.
A longevidade não vem sem um preço ou esforço. Situações à parte são os rockstars Ozzy Osbourne e Keith Richards, que merecem estudo de casos por estarem vivos após tantas décadas de dependência química. Fica o desafio para a ciência... Mas, no mundo dos anônimos, não há efeitos especiais: a prevenção ainda é o segredo para o show continuar.

Publicado na Gazeta de Limeira.
terça-feira, 6 de outubro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Saudável. Só que não!

Não que estejamos, necessariamente, em guerra com a balança. Mas aqui na redação, onde a mulherada predomina, são recorrentes as discussões sobre as gordices nossas de cada dia, e um meio milagroso - ou ao menos viável - de controlá-las.
Reduzir alguns vícios, como o do doce, e tentar fazer substituições no cardápio para deixá-lo mais saudável é um desafio nos tempos atuais, levando-se em conta a nossa oferta de alimentos. Mais do que isso, o assédio de alimentos e guloseimas. Afinal, mesmo quando optamos pelo "natural", podemos, também, nos envenenar sem saber. É o que sugere reportagem do último domingo da Folha de São Paulo, sobre o controle e fiscalização ineficazes (praticamente nulos) da quantidade de agrotóxicos nos alimentos comercializados no Brasil.
Trocar açúcar refinado pelo orgânico, pães pelas versões integrais e cortar frituras e gorduras são um pequeno começo suficiente para causar uma reviravolta nos hábitos. Porque exige pesquisa e a leitura de embalagens, que é a parte mais chata do processo. Saber o que comemos, na era de dependência dos industrializados, é assustador, principalmente quando não fazemos ideia do que significam aqueles nomes nas letras miúdas. Mas como abrir mão de uma bolachinha, mesmo a integral? Ou de uma torrada que, sendo salgada, está cheia de açúcar em sua composição?
Trocar a Nutella pelo creme de ricota no pão e adotar o aguado leite semidesnatado são pequenas vitórias. Aí, quando iludimos o subconsciente o suficiente com umas frutinhas durante o dia, vem o soco no estômago com o levantamento da Folha, colocando em cheque a qualidade de tudo que pensamos estar comendo direito. Não que não soubéssemos. Mas ler assim, de forma escancarada, pesa mais do que a culpa de ter mandado ver na coxinha no final de semana. O pior é que não há outras alternativas a não ser fazer a própria horta em casa ou preparar o orçamento para os produtos orgânicos. Ou há?
A questão dos orgânicos, aliás, é mais uma absurda da nossa era. O alimento saudável "de verdade", que era para ser regra, virou exceção. Em Cordeirópolis, a merenda escolar deverá conter itens orgânicos, o que está previsto em lei recém-aprovada. A medida favorecerá produtores locais, além da alimentação da criançada. E pensar que nossos avós tinham saúde de ferro pelo simples fato de ter na mesa o que havia saído do próprio quintal. Claro que o nosso meio de vida é outro, no qual os fast-foods fazem a alegria de praticamente todas as faixas etárias com bombas de gordura e sódio. O resultado é que o excesso de peso já afeta mais da metade da população brasileira. Exatamente 52,5% da população adulta, conforme divulgado em abril pelo Ministério da Saúde, com base na pesquisa Vigitel 2014. A mesma pesquisa apontou 17,9% de obesos, entre os maiores de 18 anos.
No Brasil, a "cultura" de saúde é a de remediar, e jamais de prevenir. De ir ao médico só quando não está bem, e não para pedir orientações para evitar problemas. Felizmente começam a aparecer mais programas neste sentido, principalmente com o incentivo às atividades físicas.
O fato é que a "alimentação saudável" é cada vez mais relativa, se não sabemos o que comemos. A fiscalização fica por conta do consumidor, com lupa nas embalagens e também naquilo que veio da terra - sabe-se lá em quais condições.

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terça-feira, 29 de setembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Quem não casa também quer casa (ou não?)

Alguns filtros preliminares do cadastro habitacional mostram as necessidades de uma geração controversa. Considerando a amostra dos que buscam moradia própria por meio de programa social, são mais numerosas nessa corrida as pessoas entre 31 e 40 anos, além da maioria solteira, conforme mostrou a Gazeta no último domingo.
Se você, como eu, está nessa faixa etária e tentou alguma vez sondar as possibilidades de financiamento da casa própria, já conhece um pouco da dificuldade.
O cadastro mostra várias famílias numa mesma residência buscando a própria, o que abre brecha para um estudo ainda mais profundo, de ordens social e comportamental. São pessoas que continuam com os pais por não conseguirem financiar a casa própria ou porque acabaram se acomodando no conforto da família? Não é absurdo supor, já que somos uma geração de "adultescentes", deixando a casa dos pais cada vez mais tarde. Em alguns casos, nunca, ainda que (ou principalmente) com a chegada dos filhos. Isso devido a inúmeros fatores, entre as regalias e dificuldades próprias dos 30+, atualmente.
Se nessa idade nossos pais já estavam casados e, possivelmente, com uma “renca” de filhos, essa definitivamente não é a primeira das preocupações do "adulto" de hoje. Estudar, viajar, escolher uma profissão. Ou nenhuma, que é o extremo privilégio da geração, vendo os anos passarem de dentro do eterno quarto de infância. Porém, com uma tela para o mundo, em distração que os "velhos" jamais sonhariam ter.
Outro dado do cadastro, o de prevalecer o menor número de filhos entre a parcela analisada, também pode falar sobre essa geração, numa tendência de adiar a maternidade/paternidade. Será um melhor planejamento antes de ter um bebê ou a opção de não tê-lo?
No auge dos benefícios sociais, já ouvi muita gente reclamar que "é mais fácil conseguir casa se tiver salário baixo e um monte de filhos". Não concordo, mas reconheço que solteiros também trilham caminho das pedras na busca da casa própria. Sem a possibilidade de composição de renda, como cônjuges têm, os valores de entrada são estratosféricos, para que as mensalidades caibam dentro de um salário médio. Este certamente é um entrave para deixar o conforto do lar doce lar de infância.
Sou da opinião que todo jovem deve ter a experiência de morar e se virar sozinho, antes de casar, embora eu mesma não tenha vivenciado isso, com os 30 e poucos nas costas. Temos um leque infindável de opções para tantas coisas, mas esse tipo de independência é um desafio para muitos, também sujeitos às leis da economia. Afinal, de que adianta morar fora e ainda depender dos pais para subsistência? Meu palpite é que isso possa mudar a cara da demanda por habitação nos próximos anos. Isto é, se deixar a casa dos pais for, de fato, uma vontade levada adiante.
Também há outro fator: a nova tendência de moradia. Se a expectativa for mudar para uma casa nos moldes das que crescemos, grandes, com quintal, jardim, espaço para gato, cachorro, galinha e papagaio, as mães estão fadadas a nos aturar por tempo indeterminado. Ou prepare a poupança, ou se acostume com a ideia de viver entre pouquíssimas dezenas de metros quadrados, talvez com uma pequena horta na varanda. É o que temos para hoje.

Publicado na Gazeta de Limeira



terça-feira, 22 de setembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Mobilidade custa impopularidade

Brasileiros acham linda a mobilidade urbana dos europeus: poder se locomover de bicicleta, embarcar em trens que funcionam para todo lado, inclusive até outros países. Mas, dentro de casa, a ideia é quase utópica, pois ninguém quer pagar o preço ou abrir mão do conforto do motor particular. Como se aquilo tivesse sido conquistado de graça no Velho Mundo.
Foi só criar ciclovias e ciclofaixas, baixar a velocidade máxima em algumas vias e dar espaço para os corredores de ônibus, que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), atraiu a ira dos motoristas. Não era para menos: ninguém quer perder espaço quando o disponível já é pouco. É esse egoísmo com o espaço público que torna o trânsito cada vez mais insustentável. O prefeito da capital teve a audácia de adotar medidas impopulares para boa parte da população, que são necessárias ao todo, garantindo espaço a outros públicos que também têm direito a ele. Inclusive ao pedestre, que é o beneficiado nas quedas de limite de velocidade. Vociferaram contra, ainda que nós todos sejamos pedestres.
A mobilidade demanda ações impopulares. Temos as ruas lotadas de carros parados, mais do que carros tentando se movimentar. Na própria redação da Gazeta sentimos o drama. Há dias em que é mais demorada a saída do Centro do que o trajeto pela cidade até bairros mais distantes. Falamos de três quarteirões, cuja morosidade suga mais da metade do tempo até o destino. Não seria mais lógico acabar com as faixas de estacionamento nas vias mais entupidas para otimizar a circulação? O motorista prefere conseguir trafegar quando precisa ou ter onde deixar o veículo? O ônus de arcar com estacionamento seria o menor dos problemas para quem valoriza o tempo.
Numa recente entrevista à Folha de São Paulo, o urbanista colombiano Ricardo Montezuma disse que não adianta tentar convencer os motoristas a trocarem os carros pelo transporte público. É preciso melhorar o transporte público para quem usa, para que este não queira mudar para o carro. Ou seja, o pensamento é induzir ao oposto do que vem ocorrendo nas últimas décadas.
Com raras exceções, o transporte público no Brasil é uma verdadeira tragédia. Em Limeira, determinadas linhas em alguns horários fazem passageiros terem uma travessia que beira ao desumano dada a lotação. Basta conferir in loco. Em outras, é uma maravilha. Todos gostariam de ter um Rapidão em sua região, e sem horário restrito. Por que é tão difícil o equilíbrio?
Limeira também perde o bonde no fator ciclofaixas. Traçado apenas no anel viário não transporta ninguém das periferias para o Centro, em algumas travessias ridiculamente curtas. Isso numa cidade que tem número absurdo de ciclistas, o que poderá ser comprovado hoje para quem quiser se juntar ao 3º Pedala Limeira, com saída às 19h30 do Parque Cidade.
Até existe um plano, que ainda não chegou aos outdoors para maior visibilidade e participação. Escondidinho, lá na página da secretaria de Mobilidade Urbana (http://www.limeira.sp.gov.br/pml/secretarias/mobilidade-urbana), tem no menu, à esquerda, o link do questionário de inclusão do transporte de bicicleta.
Não há ilusões de que será rápido ou fácil. Mas a Europa, pelo menos da mobilidade, pode ser aqui também.

Publicado na Gazeta de Limeira.
terça-feira, 15 de setembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Mudar dentro, para mudar fora

Confesso: nunca fui a mais bairrista das pessoas. Apesar de nascida na cidade, não me considerava "de" Limeira. Não sentia o mínimo de pertencimento por um lugar que, durante muitos anos, parecia só regredir. Enquanto distritos industriais bombavam na região, Limeira não conseguia sequer ter um shopping. Até que um dia, não faz muito tempo, me peguei muito "p" da vida diante de um comentário feito por alguém de fora, desdenhando Limeira. Mexeu com meus brios. Como assim, um forasteiro falando mal da "minha" cidade? Virei bairrista e nem percebi.
No ofício jornalístico, conhecemos algumas entranhas da terrinha. Com o natural interesse em saber mais do que (e de quem) agrega ou desagrega valor ao lugar onde nós vivemos e nossas famílias. Passou a me interessar muito conhecer as nossas origens. Tanto quanto para onde vamos, que é a grande questão da nossa história do cotidiano. Passei a procurar, nos outros, aquele apego que me faltou durante tantos anos. Quem cuida de Limeira? Quem vive por Limeira? O que o "cidadão comum" acha ou pensa?
O que acabou me inquietando mais, entrelaçando questões como essas, foi a situação do nosso patrimônio público - histórico ou não, material ou não. Onde está a memória de Limeira? O que se aproveitou do conhecimento daqueles que testemunharam um tempo que não conhecemos? O que fazemos hoje para preservar o passado e construir o futuro?
Cada vez que vejo um imóvel antigo, como esses da baixada do Centro, sinto uma curiosidade interminável de saber quem e como se vivia ali. Muitos não passam de ruínas que guardam pedaços de uma memória perdida. E o que é uma cidade sem memória, que não preserva e não constrói a sua?
Temos o dever cívico de recuperar e preservar o que firmou as nossas bases até aqui. Não só materiais, mas principalmente as culturais. Porque ninguém precisa tolerar ser tachado de caipira de forma pejorativa por estar no interior do Estado se souber do celeiro industrial que a cidade já foi. E de caipiras também, cujo trabalho proveu café e suco de laranja a mais gente e por mais tempo do que podemos imaginar. Limeira não é mais a terra do café, das laranjas ou da indústria. Hoje, se desenvolve na vocação da produção da joia folheada. Mas vocação não é identidade.
Qual é a identidade de Limeira? O que devo responder como descrever quando me perguntam de onde eu venho? O que diria se tivesse apenas uma palavra para usar?
É algo muito subjetivo, é claro. Nos anos de descrença, meu retrato seria trágico. Hoje, não mais. Teria vários pontos positivos a destacar, mas ainda faltam diferenciais.
Cidades sempre serão instituições em construção. Pessoas também. A retomada dos trilhos do progresso contribuiu para o resgate do otimismo. Mas o ato de participar, não tampouco reclamar, é que fez brotar uma nova cidade ao meu olhar. É como cantou Gabriel, o Pensador: "A gente muda o mundo na mudança da mente / E quando a mente muda a gente anda pra frente". Fica a dica. Avante, Limeira.

Publicado na Gazeta de Limeira.

domingo, 6 de setembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Ouro no Parapan, Odair dos Santos mira Paralimpíadas

Paratleta foi desclassificados no 5.000 m, mas garantiu o pódio nos 1.500 metros

Daíza Lacerda

Os tênis são novos, mas as cicatrizes nos joelhos e canelas denunciam que a trajetória até ali não foi nada fácil. Na pista de atletismo do Sesi, em Limeira, um dos locais que recebem as velozes passadas, o paratleta Odair dos Santos fala do caminho que o levou ao lugar mais alto do pódio nos Jogos Parapanamericanos de Toronto, no último mês. Cego, o velocista conquistou, com o guia Carlos Antonio dos Santos, a medalha de ouro dos 1.500 metros.
Conquistou também o recorde nos 5.000 metros, mas a façanha não foi validada devido à equipe não ter informado no prazo pré-determinado a troca de guias para a prova. Mas, para ele, valeu. "Havia dúvida se eu competiria, por estar retornando de duas cirurgias. E a desclassificação aumentou ainda mais a responsabilidade de conquistar a medalha de ouro, pois os 1.500 metros eram uma prova para a qual eu não estava treinando", contou o paratleta.
Foi o seu quarto Parapan, garantindo ouro em todas. Mas o último é considerado por ele e seu guia o mais difícil da trajetória da dupla, que une forças há cinco anos. "Só tive certeza do ouro mesmo nos últimos metros. Em termos de decisão, foi a prova mais sofrida", conta Carlos.
A sintonia da dupla tem de ser perfeita, sendo que, além de passar confiança, o guia nunca pode chegar à frente, e tem de manter um ritmo que o paratleta responda. E foi essa reação que teve de Odair na reta final, fechando a volta em 4:12:16 e deixando um canadense no segundo lugar, com 4:12:65. O limeirense ainda detém o recorde americano na prova, com tempo de 4:03:66, conquistado em Londres, em 2012.
VIDA DE ATLETA
O foco agora é garantir marcas para defender a cidade e o país nas Paralimpíadas do Rio, no próximo ano. Para isso, tem até maio de 2016 para conseguir a marca de tempo em provas oficiais que garanta a sua vaga. Até lá, mantém a rotina de treinos pelo Centro de Treinamento Limeira Paralímpico (CTLP) com Fábio Breda, que consiste em sessões de tiros de manhã e de tarde, além do trabalho de condicionamento.
Já as lesões, têm de conviver com elas. Antes do Parapan, Odair se recuperava da cirurgia no tendão de Aquiles, que exige pé no freio, mas não estagnação. Sem poder correr, são feitas outras atividades sem impacto, como natação.
A alimentação também dita muito do desempenho dos atletas, mas eles afirmam não abrir mão de algumas regalias. "Me privo de muitas coisas, mas de chocolate não tem jeito!", entrega o velocista. Eles têm determinada quantidade de calorias para consumir no dia, mas confessam que às vezes extrapolam. O índice de gordura não passa dos 5%, quando o dos não atletas pode ser acima de 20%. "Temos de ter alguma gordura acumulada, para não queimar o músculo", justifica Carlos.
DUAS VEZES BRASIL
Pela primeira vez, um atleta brasileiro representou o País no Pan e Parapan. Carlos também disputou os 1.500 na competição convencional, ficando em 9º, com 3:44:37, atrás de outro brasileiro. Também com histórico de lesões, achou que poderia ter feito melhor. A diferença do primeiro colocado foi de cerca de três segundos, uma eternidade quando se fala de atletismo.
E foi justamente a atuação no esporte adaptado que levou o guia às competições oficiais convencionais, por ter de treinar tanto quanto ou até mais do que o paratleta. Afinal, se Odair disparar, ele tem de estar preparado para acompanhar.
Ambos destacam o apoio do Comitê Paralímpico para que esses resultados sejam possíveis, diferentemente do desporto convencional. Também lembram e agradecem um parceiro antigo, a Associação de Mulheres Unimedianas (Amul). "Foi uma das primeiras que nos apoiou e nos apoia até hoje", reforça Odair.
Ainda assim, ambos estão em busca de patrocínio para aumentar o número de conquistas. O contato pode ser feito pelos e-mails dinho1500@hotmail.com e atletabira@hotmail.com.
Eles consideram que promessas precisam de um olhar mais atento e de investimento. "Estou no meio paralímpico há 12 anos, e nunca recebi apoio da prefeitura. Mas também os atletas precisam buscar as oportunidades", conta Odair.
É um caminho sem ilusões, como atesta Carlos. "No começo é difícil mesmo. Mas depois fica mais difícil ainda, para manter e melhorar o nível", relata Carlos. Mas há recompensas. "Buscar a fruta no pé é mais difícil, mas o sabor é outro", concordam.




Retratos de Limeira em meio ao progresso paulista

Parceria com Unicamp traz a exposição "Avante São Paulo!" ao Espaço Engep

Daíza Lacerda

Na década de 1910, tudo o que existia na atual Praça Toledo Barros era uma imensa lagoa e uma charmosa construção, o Theatro da Paz. Pouco mais de uma década depois, seria erguida ali a Gruta, também da Paz, no processo de formação do cartão postal de Limeira. Esses retratos fazem parte da nova mostra do Espaço Cultural Engep, que traz a Limeira parte do acervo do Centro de Memória da Unicamp, em material documentado pela então Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado, em 1920.
A seleção reproduz a intenção da secretaria de "vender" São Paulo como a terra do progresso e desenvolvimento, tendo apostado nas fotografias como importante ferramenta, principalmente com o recenseamento federal de 1920. É o que explicam os historiadores e curadores da exposição, Ana Cláudia Cermaria e João Paulo Berto.
Nos três espaços do casarão, o visitante conhecerá um pouco da secretaria, que detinha, à época, a responsabilidade sobre os principais serviços e infraestrutura, como viação, comércio, estradas, vias fluviais, iluminação e estradas de ferro, além dos trâmites da imigração. Na segunda, uma amostra dos núcleos coloniais, em retratos usados para atrair colonos, com a promessa de terra próspera, com comida e moradia. No salão principal, os painéis maiores resgatam a Limeira do início do século passado, desde a antiga matriz, hoje demolida, à reunião de figuras da época na Fazenda Morro Azul, como dr. Trajano e o marechal Rondon.
DESENVOLVIMENTO
O acervo do Estado reuniu materiais de inúmeras cidades paulistas, e algumas da região são retratadas na exposição, a exemplo de Rio Claro, Araras, Americana e Pirassununga. Nos retratos do progresso, espaços públicos e privados, praças e escolas mostravam São Paulo na vanguarda do desenvolvimento. E o recenseamento foi uma oportunidade de dar visibilidade a essa transformação, conforme os historiadores.
Preparado cinco anos antes, o recenseamento federal de 1920 previa levantar não somente informações demográficas, mas também a situação econômica do país, por meio das explorações agrícolas e pastoris, além das indústrias. Iniciado em 1º de setembro de 1920, o censo, que era organizado a cada dez anos, seria expressivo para as comemorações do centenário da Independência do Brasil, completos em 1922.
O primeiro dos diversos volumes do censo também está em exposição. Porém, a localização das informações de São Paulo é um mistério, pois o volume não foi encontrado.
A ORIGEM
Após a proclamação da República e a organização dos ministérios, os Estados adotaram a mesma estrutura, por meio das secretarias. Assim, a de Agricultura foi criada em 1897, mantendo a mesma estrutura até 1927, quando foi dividida em duas: Agricultura, Indústria e Comércio e Viação e Obras Públicas.
A sede foi concebida por Ramos de Azevedo, um dos mais importantes arquitetos paulistas. Seu projeto, no Centro de São Paulo, próximo do Páteo do Colégio, seria o centro das decisões do Estado, como a de investir na policultura, diversificando os plantios além do café e da cana. Iniciativas como essa foram impulsionadas na gestão do piracicabano Carlos Botelho, a partir de 1907. Na época, os gestores não eram identificados como governadores, mas como presidentes do Estado.
A exposição segue até 27 de novembro, e terá, ainda, o lançamento de um catálogo. A parceria é resultado da proposta de difusão, ponto em comum do Centro de Memória e do Espaço Engep. "São acervos vistos, muitas vezes, de forma pontual, e o Centro de Memória tem a intenção de difundir para o interior. Por outro lado, o Espaço Engep acolhe a mostra, trazendo esse conhecimento a Limeira e região".
O Espaço Engep fica no Largo da Boa Morte, 118, no Centro. A visitação é de segunda a sexta, das 9h às 18h e, aos sábados, das 9h às 13h.


Épocas eternizadas por anônimos (ou quase)

Dos trabalhos nos jardins à frente do Museu do Ipiranga, na capital, passando pela área da atual Faculdade de Agronomia Luiz de Queiroz, em Piracicaba, até o retrato da reserva da Cantareira, um belo jardim à época, as fotos selecionadas resgatam tanto obras que ficaram a cargo da secretaria quanto aquelas que apenas supervisionava.
Os fotógrafos que captaram os quadros da história são, na maioria, desconhecidos, mas há teorias para a origem, principalmente para os de Limeira. "Algumas fotos têm a informação no verso, como o nome ou legenda, mas era comum o Estado recrutar fotógrafos locais. Acreditamos que boa parte das fotos de Limeira foram produzidas pelo Estúdio Ceneviva, de Tomazzo Ceneviva", relatam os curadores. Reforça a hipótese o fato de algumas das fotografias já serem conhecidas, possivelmente pelo autor limeirense ter mantido uma cópia ou os negativos. (Daíza Lacerda)
sábado, 5 de setembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Biblioteca, enfim, de portas e páginas abertas

Biblioteca, enfim, de portas e páginas abertas

Novo complexo é aberto ao público com conceito de espaço cultural além da leitura

Daíza Lacerda

Parecia até que o mundo ia começar em livros. Assim que as portas se abriram, rapidamente os corredores ganharam vida, num formigueiro curioso que não sabia o que buscar primeiro. Quadrinhos, clássicos, desconhecidos: os volumes saíam da inanição da estante direto para as mãozinhas inquietas das crianças. A biblioteca era, finalmente, apoderada pelo público.
Um dos pequenos arregalou os olhos quando soube que aqueles pequenos universos poderiam ser dele durante alguns dias. "Como assim, pode levar?". Simples assim, outros já haviam feito a escolha, como Lucas Gabriel Ferreira, de 12 anos, que agarrou o volume único de As Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis. O livro não era extenso o bastante para ele: seria o 13º volume grosso que iria encarar. Para ele, "é ótimo praticar a leitura, para ficar mais esperto na escola e não tirar nota baixa".
A nova biblioteca de Limeira também traduz o anseio dos patronos João de Sousa Ferraz e Cecília Quadros, cujo apreço pela educação e cultura foi testemunhado pela neta Luciana Ferraz e sobrinha Maria Salete Ometto Quadros, respectivamente. O acervo pessoal do escritor, jornalista e psicólogo parecia um mundo mágico, nas palavras de Luciana. Já Cecília, que tinha "coletâneas de pulsar de coração", representava Limeira aonde ia, como atesta Maria Salete.
ESPERANÇAR
Ao agradecer a todos que colaboraram para a transformação da biblioteca num espaço diferente e inovador, a secretária de Cultura, Gláucia Bilatto, citou o educador Paulo Freire. Ele dizia que não se deve confundir a esperança do verbo esperançar com a do verbo esperar. "Não se deve esperar, mas buscar e reagir ao que não tem saída. Não esperar, esperançar", declarou, na entrega do projeto que pretende servir como um espaço cultural muito além da leitura.
O vereador José Farid Zaine relembrou o início do projeto da nova biblioteca, em período que foi secretário de Cultura. À época, o modelo das grandes redes de livrarias foi uma das inspirações para criar, em Limeira, um espaço para ampla circulação.
O prefeito Paulo Hadich destacou a atuação da biblioteca mesmo com o funcionamento em local provisório, em imóvel alugado na rua Senador Vergueiro, com espaço muito menor do que dispunha anteriormente, no prédio do Museu. Abordou a continuidade do projeto, iniciado antes de sua gestão. "Tínhamos a obrigação e dever de terminar e corrigir os erros. Compreendemos que o local poderia ter uma utilização maior, e abrigará também o Centro de Ciências, que está sendo finalizado e deve aumentar mais ainda o fluxo de pessoas". Outro ponto destacado pelo prefeito é a contribuição com suporte pedagógico para todas as escolas do município, públicas e particulares.
TIJOLINHO
Diversas pessoas ligadas à educação e literatura em Limeira prestigiaram a reabertura, como a escritora Zenaide Elias e Eudóxia Quitério, que faz questão de ser referenciada como professora primária. "Alfabetizei durante 30 anos, e sei avaliar o valor disso", disse ela, que condena veementemente a prática de passar de ano alunos analfabetos. "A boa alfabetização é o tijolinho da cultura de uma pessoa", salienta a educadora, que se mostrou contente com a nova biblioteca. "Dará um impulso e permitirá dedicação maior na finalidade da instrução", considera.
Após tantas mudanças de prédio, o acervo chega para ficar ao lado do Parque Cidade. Mas, mais do que nunca, a biblioteca está sujeita à mutação, que será provocada pelo público, como expõe a coordenadora Ligia Consuelo Araújo. "Agora, vamos receber a população, acolher as demandas e continuar o projeto da biblioteca viva, agregando outras parcerias para uma biblioteca atuante. É um equipamento cultural, um espaço de acolhimento. Queremos que as pessoas venham usufruir, se apropriar, serem parceiras para aquilo que elas necessitam e querem". 
sexta-feira, 4 de setembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

A nova casa das palavras em Limeira


Bibliotecas são reinauguradas hoje em mudança prevista há mais de cinco anos

Daíza Lacerda

As bibliotecas de Limeira reabrem hoje enterrando o conceito de instituição que "guarda" o conhecimento, procurada principalmente pela obrigação dos trabalhos escolares. Renascem com a ideia de biblioteca viva, que só existe a partir da interação do outro, seja leitor, ouvinte ou admirador, estimulados pelo que ela tem a oferecer.
A partir das 10h30 de hoje, esse público tem local definitivo para buscar ou se perder nas obras de sua escolha, no novo prédio das bibliotecas no Parque Cidade. Eles serão saudados pelos dizeres dos patronos João de Sousa Ferraz e Cecília Quadros, cujas palavras preenchem o alto de um dos lados do complexo.
"É um olhar diferente da biblioteca, e acreditamos que as pessoas vão gostar, o que é a nossa satisfação. Fizemos tudo pensando nelas, em como vão ver, se sentir", declara Ligia Consuelo Araújo, coordenadora da biblioteca. A expectativa é de quem está há 19 anos na biblioteca, acompanhando as mudanças e novas demandas, que devem ser atendidas no novo projeto.
No espaço mais amplo que já teve, a biblioteca receberá os públicos adulto, juvenil e infantil com novo mobiliário e acervo de 39 mil volumes. Se contabilizados os periódicos, são 43 mil itens. Também há espaço para a tecnologia, com computadores do programa Agenda Cidadã, e outros que devem chegar por meio do projeto do Comitê para a Democratização da Informática (CDI)específico para bibliotecas, da fundação Bill & Melinda Gates.
A partir de hoje, o visitante é livre para acessar as obras nas estantes. Mas em breve poderá folhear as obras com mais conforto, já que o mobiliário novo ainda não chegou, como poltronas e puffs. Ainda não está pronto o anfiteatro, que também depende da chegada dos móveis.
NOVA CASA
Na tarde de ontem, retoques na pintura e na comunicação visual eram feitos. Mas o acervo foi estabelecido no local no início deste ano, quando deixou prédio alugado na Rua Senador Vergueiro. A mudança começou em fevereiro e, no mês seguinte, os livros já estavam em casa nova, ainda que não totalmente organizados.
As estantes obedecem à ordem de catalogação, mas os romances, mais procurados, ficarão à frente. O Espaço Zumbi dos Palmares, com obras acerca dos negros, também está disponível, assim como os volumes em braile e audiolivros. Para os mais saudosistas, até mesmo os livros mais antigos ficarão à disposição.
No período em que a abertura foi parcial, para leitura de periódicos e pedidos de livros no balcão, circulavam cerca de 80 pessoas por dia. Já a demanda depois de aberto o acesso às prateleiras ainda é incerta. É a procura que determinará o horário de atendimento que, por enquanto, será de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Horários alternativos devem ser estudados, conforme a demanda.
Com as portas abertas, o local já tem evento programado para a próxima semana. No dia 10, a biblioteca recebe, às 15h, o autor Edson Garcia, que escreveu dezenas de livros infanto-juvenis. Às 19h, será a vez da revelação Marcos Perez, ambos pelo programa Viagem Literária, com participação gratuita.
Entre o alívio e a ansiedade de devolver o público ao acervo, Ligia faz o convite. "A biblioteca convida a todos para que venham conhecer o novo espaço. Desde aqueles que já eram frequentadores até quem estiver de passagem no parque. Entrem, conheçam e utilizem os serviços. A biblioteca é pública, da comunidade. De todos".






terça-feira, 1 de setembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Conquistando pelo estômago

Limeira teve, no último final de semana, uma amostra rara do poder de ocupação do espaço público. Quem foi a qualquer um dos dias do Limeira Food Truck, na Praça Toledo Barros, pode conferir uma harmonia singular no coração de Limeira. Coisa que nunca vi, mas muito ouvi sobre os tempos antigos em que a praça era o ponto de encontro das famílias, dos jovens e das crianças.

Nos tempos modernos, sabemos que essa apropriação pública perdeu espaço para o tráfico e outras ameaças de crimes, que espantam a população do Centro e de muitas outras praças. Mas uma é exceção: a praça João Soares Pompeu, conhecida como Praça da Buzolin, em referência à avenida em que está localizada. O que se viu na Toledo Barros nada mais é do que um retrato em grandiosas proporções do que é regra na Buzolin há muito tempo: área pública tomada pelo público, também graças às opções de alimentação estabelecidas ali.

Limeira ainda não conseguiu dar vida às suas principais praças, exceto por eventos pontuais. E se a experiência do Food Truck não aguçar a gestão para o lazer e gastronomia no município, esses espaços vão mesmo continuar fadados ao deserto. E não me refiro apenas ao poder público, mas aos comerciantes, que precisam virar o jogo e atrair visitantes para a cidade, e não dá-los de bandeja para a região.

Limeira tem opções ótimas para um festival de lanches, de pastéis, de sorvetes, sucos, coxinhas, e tudo mais que esteve à disposição na praça no final de semana. Limeira tem músicos de altíssima qualidade, talentos ocultos, e tem entidades que precisam de recursos e estão dispostas a trabalhar e a oferecer coisas boas, o que é marca em eventos tradicionais. Se juntar a fome com a vontade de comer, é possível que a população tome conta da(s) praça(s) com muito mais frequência, e não só uma ou outra vez no ano. Quem sabe, de forma permanente.

O comércio de Limeira ainda é muito conservador. Falta visão e ousadia para conquistar o cliente, que está muito mais exigente. Em tempos de reinado da internet, só atendimento de primeira linha e alternativas muito interessantes tiram compradores do conforto de casa. Como o lazer e a comida, que atraem gente de todo lugar. Se bobear, a qualquer preço. Quem nunca ficou à deriva procurando locais diferentes para petiscar ou papear no domingo à tarde? Parque Cidade e Horto são ótimos para lazer. Mas, convenhamos, com atrativo gastronômico zero. São lugares que gritam por opções para encher os olhos e o estômago.

A única ressalva do Limeira Foodtruck é o lixo. Provavelmente o evento atraiu um público muito maior do que o esperado, e não sei se as lixeiras foram insuficientes ou faltou mesmo uma organização melhor para não deixar o lixo acumular. Havia muita coisa no chão, próxima das lixeiras, mas não notei excesso de restos ou embalagens jogadas nas áreas de passagem, o que insinua boa-fé. Nos gramados, não vi um papel. Só muita gente sentada e relaxada ao lado das flores, curtindo o show de jazz, com a comida de sua preferência. A única queixa da maioria dos que conversei foi de não poder ter experimentado tudo o que era oferecido. Estávamos em final de mês, e muitas das opções não eram exatamente baratas. Mesmo assim, lotou.

Ficou o gostinho de quero mais. E o desejo de que a apropriação do espaço público seja regra, não exceção.


terça-feira, 28 de julho de 2015 | By: Daíza de Carvalho

A condenação precipitada



COLUNA RELEITURA - 28/07/2015

A condenação precipitada

Daíza Lacerda

Na penitenciária feminina, a tarde era de festa. Dia das Mães. Enquanto as detentas matavam saudades dos filhos que não veriam crescer, uma delas, recém-convertida à religião, conversa com meia dúzia de cruzes feitas com palito de picolé, fincadas no gramado. Aos prantos, desculpa-se com os filhos que não teve, por não tê-los deixado vir ao mundo.
Fantasiada de palhaço com aparência sinistra, outra detenta se aproxima e pergunta à autora dos abortos se ela já leu Freakonomics, em especial o capítulo em que o autor Steven Levitt cita a queda drástica da criminalidade nos Estados Unidos, 20 anos depois da legalização do aborto, nos anos 70. Ela justifica que, se tivessem nascido os filhos pelos quais a colega de cela chorava, provavelmente teriam tido o mesmo destino que ela: atrás das drogas e das grades. Logo, ao abortar, ela fez o melhor para eles e para o mundo.
A cena é do primeiro episódio da terceira temporada da série "Orange is the new black", da Netflix, e me voltou à mente diante da polêmica e infeliz declaração do deputado federal Laerte Bessa (PR-DF). Ele acredita que, no futuro, bebês com tendências criminosas podem "ser impedidos" de nascer, o que poderia ser identificado pela genética. Imaginei o consultório médico como a sala de um vidente. Descartando fetos que seriam traficantes. Ou políticos corruptos, quem sabe, já que o critério seria "tendências criminosas". Melhor levar para o lado cômico do que ao trágico, para conter a vergonha alheia. Afinal, a declaração foi dada numa entrevista ao jornal britânico The Guardian.
Seria interessante retomar a discussão do direito ao aborto, o que acredito que deve ser uma decisão dos pais, e não do Estado. Segurança, sim, é dever do Estado. Cortar o mau pela raiz não é matar fetos, mas dar uma punição efetiva - e justa - para o crime cometido, independentemente da idade. Mas parece que nutrir aspirações que muito lembram a era do Holocausto é mais fácil do que legislar para que a segurança vá além de uma promessa eterna.
Faz muito sentido o contexto discutido pelas detentas na série, repercutindo parte de um best seller. Já a teoria defendida pelo deputado em veículo estrangeiro não tem crédito nem mesmo perante especialistas em genética. E, mais do que nunca, o País necessita de ideias (e atos) que façam sentido.
No contato tanto com os registros policiais quanto com a discussão da segurança em reuniões do Conseg, não é difícil enxergar o nó. Ocorrências aos montes. A polícia prende, a Justiça solta. Não é a lei? Quem faz as leis? Quem cumpre as leis? O que fazer quando quem devia pensar e propor soluções que façam sentido tende a ideias que beiram à barbárie, prestando um desserviço?
O episódio (da vida real, não da ficção) é de dar medo. Ideias absurdas, estas sim têm de morrer no ninho.


terça-feira, 21 de julho de 2015 | By: Daíza de Carvalho


COLUNA RELEITURA - 21/07/2015

A educação que agoniza em meio à discussão dos gêneros


Daíza Lacerda
daiza.lacerda@gazetadelimeira.com.br


E a homossexualidade vai à escola, sem nem ter saído de casa. Já a educação, nem sempre responde chamada. A tal "ideologia de gênero" despertou mobilização no processo de discussão do Plano Municipal de Educação. Mas o silencio deve reinar nas casas, no seio das famílias, no que se refere ao assunto. Afinal, se fosse bem resolvida em casa ou na comunidade, a questão causaria mais argumentos do que gritos. Como pessoas e instituições civilizadas fazem.
Quantas famílias preparam os seus filhos sobre a realidade de que homens também se relacionam com homens e mulheres com mulheres (inclusive explicando se concordam com isso ou não e por que), eu não sei. Mas sei que muitos pais estão preocupados com que seus filhos possuam, antes dos 10 anos de idade, um smartphone e uma conta no WhatsApp e várias redes sociais. E se eles não tiverem "a conversa" em casa, o assunto chegará cedo pela rede, com os mais preconceituosos dos filtros, ou na escola, pelos bochichos. A escola tem responsabilidades? Tem. Mas a educação que deve sair de casa ainda tende equivocadamente a ser terceirizada para educadores. É a vivência da família que dita, pelo menos no início, o caminho - moral e cultural - dos filhos. Menos eletrônicos, mais conversa.
Natural a meta aprovada que prevê esforços contra o preconceito e apoio à diversidade. Mas, na próxima década, que é o prazo do plano discutido, ainda perderemos tempo e energia só para ressaltar o óbvio, de que se deve respeitar o próximo, independentemente de sua opção ou condição? Valor que tem de vir do berço e ser praticado na escola como consequência, sem precisar ser uma meta.
Se esse respeito fosse adotado, imagino que a oportunidade seria muito melhor aproveitada com outras questões mais urgentes do processo educacional. É utópico, eu sei. Mas enquanto as pessoas se dispõem tanto a "lutar" por algo que já deveria ser regra de conduta desde sempre, a agonia da educação em boa parte das salas de aula, pelo menos as públicas estaduais, passa à margem.
Por que ninguém se mobilizou contra o fato de salas de aula parecerem campos de guerra? Ou propôs soluções para os professores que trabalham acuados? Ninguém notou como tantas escolas parecem prisões e conseguem, de fato, fazer com que alunos queiram fugir? Não é um vício enraizado o fato dos relapsos passarem de ano, só para depois o governo ter um número virtual para divulgar na campanha, enquanto, na prática, a educação definha?
Daí, no ensino superior, não há repressão. Só que a comunidade reivindica segurança, enquanto parte dos alunos querem a polícia longe do campus. Afinal, eles também aprontam (o sumiço dos equipamentos de sinalização de trânsito, encontrados em república, virou notícia nacional).
A educação é um problema de pais, de alunos, professores e gestores. O plano seria um primeiro passo para começar, quem sabe, a revolução que a educação realmente precisa. Desde que se faça barulho pelas reais necessidades da porta da escola para dentro.
quarta-feira, 29 de abril de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Reajuste de 20,27% é autorizado e conta de água aumenta em junho

Com novo índice, tarifa de água acumula mais de 30% de aumento num ano

Daíza Lacerda

A partir de junho, os moradores de Limeira vão arcar mais um pouco com as consequências da crise hídrica iniciada no ano passado, que vão pesar no bolso. Dentro de um mês estará vigente o aumento de 20,27% nas tarifas de água e esgoto, em índice pedido pela Odebrecht Ambiental e aprovado pela Agência Reguladora Ares-PCJ, em revisão anual.
O mais alto reajuste do período de concessão foi elevado pelo aumento da energia elétrica desde agosto passado, como justificou Tadeu Ramos, diretor da Odebrecht. "Dos 20,27%, 13,53% é a reposição inflacionária do aumento da energia elétrica, enquanto 6,74% são dos outros insumos. Desde setembro arcamos com o impacto do preço da energia, que dobrou. É o insumo que representa 13,66% de todos os custos", explicou.
O custo da água segue os efeitos da crise hídrica. Com a escassez crítica do ano passado, faltou água também para gerar energia, quando a solução foi recorrer a métodos mais caros de produção, como os térmicos. O custo a mais foi repassado nas contas para o consumidor e a alta reverberou nos demais setores, em situação inédita no período de concessão. "Se houver recuperação hídrica e o preço da energia voltar aos patamares anteriores, os serviços de água e esgoto vão baixar na mesma proporção", diz Ramos. Se a energia aumentar mais ainda, o custo será igualmente repassado.
FÓRMULA
Para determinar o índice de reajuste, são usadas as chamadas fórmulas paramétricas, por meio das quais são calculadas as variações dos custos. É o que explica o diretor administrativo e financeiro da Ares-PCJ, Carlos Roberto de Oliveira.
Como em Limeira a concessão tem base em contrato, essa é a fórmula adotada para chegar à variação inflacionária no período. Oliveira ressalta que a concessionária envia comprovações, como as contas que pagam, que são comparadas para os cálculos. "O fator de distorção neste ano foi a energia elétrica. Nos últimos 12 meses o custo da energia subiu 99,3%. Antes disso não houve grande variação nos componentes".
A agência tem ainda outros municípios regulados e Limeira é a primeiro a ter índice tão alto. "Cada cidade demanda uma avaliação diferente, como as condições de captação e distribuição. Limeira é a primeira com este índice elevado. Porém, na comparação de tarifas com outros municípios, ainda tem uma das taxas mais módicas com boa qualidade nos serviço".


Nova alta pode ser pedida este 
ano com vigência em 2016

Conforme a Gazeta tem divulgado, está em discussão as novas condições para prorrogação do prazo do TAC do Esgoto, que deve ser formalizado em breve. O Ministério Público (MP) colocou como condição para a prorrogação a implantação do tratamento terciário, mais avançado e mais caro. As obras devem demandar novo pedido de reequilíbrio pela Odebrecht, estimado em 5%.
Ainda não há nada definitivo, como ressaltou Tadeu Ramos, o que dependerá da formalização do novo documento com o MP, prefeitura e Cetesb. "Daí iniciará o processo de revisão, com base no documento. As contas de equilíbrio dependerão das obrigações que a concessionária tiver".
A assinatura deve ocorrer até o final de maio, e em junho a concessionária analisará o impacto nos orçamentos e apresentará os estudos à Ares-PCJ, se for o caso. Se isso de fato ocorrer, o índice deve ter efeito no primeiro semestre de 2016. (Daíza Lacerda)


Com acúmulo, reajustes 
superam 30% no ano

Até maio do ano passado, a Tarifa Referencial de Água (TRA) e Tarifa Referencial de Esgoto (TRE) custavam R$ 2,51 cada. O reajuste anual de 5,90% vigente em junho de 2014 as elevaram para R$ 2,66, a partir de resolução da Ares-PCJ. Nova alta, de 6,38% foi autorizada pela agência em agosto, aumentando as tarifas em R$ 2,83 em janeiro de 2015. Extraordinário, o reajuste foi um reequilíbrio financeiro pedido pela Odebrecht devido aos investimentos no tratamento de esgoto. Já a nova correção eleva as tarifas para R$ 3,40 cada.
Tadeu Ramos, da Odebrecht, explica que as tarifas (TRA e TRE) são a moeda de referência no contrato. Cada modalidade de consumo (residencial, residencial popular, comercial, industrial e pública) tem um percentual dessa tarifa. O custo do metro cúbico (m³) para os consumidores residenciais de até 10 m³ será de R$ 1,53 por m³ de água e também de esgoto. De 11 m³ a 15 m³, R$ 2,11. A partir de junho, os moradores com consumo mínimo de até 10 m³ que pagam R$ 25,40 passarão a arcar com R$ 30,55. (Daíza Lacerda)


Anos de 2003 e 2007 foram exceções nos reajustes

Nos últimos anos, a correção anual média das tarifas de água e esgoto ficaram entre 5% e 6%. Entre as exceções está o ano de 2003, quando reestruturação tarifária levou ao aumento de 17,30% e a TRA e TRE passaram de R$ 1,04 (em 2002) para R$ 1,22. Já em 2007 foram três aumentos, em fevereiro (8,35%), junho (3%) e agosto (8,35%), subindo a tarifa de R$ 1,64 para R$ 1,83. No ano anterior a tarifa custava R$ 1,51.
Exceto por esses dois casos, o maior índice adotado no rejuste anual foi 9,8%, em 2004. Entre 2008 e 2012 as altas anuais oscilaram entre 4,94% (2010) e 5,96% (2011).
Em 2013, além do índice superar os 6% (6,39%), foi o ano em que o município aderiu à Agência Reguladora (Ares-PCJ), uma das diretrizes exigidas em lei federal de saneamento. Até então, os reajustes eram tratados entre município e concessionária. A partir da adesão, quem autoriza qualquer correção é a Ares-PCJ, que passou a ser a responsável pelas resoluções desde 2014. Com base em estudos, a agência pode tanto acatar o índice pedido pela concessionária quanto apontar o que entende como ideal. (Daíza Lacerda)


Publicado na Gazeta de Limeira.

domingo, 26 de abril de 2015 | By: Daíza de Carvalho

"Sonhar faz parte da sobrevivência"

Sobrevivente dos horrores do nazismo, Nanette Blitz Konig refletiu a história em Limeira

Daíza Lacerda

Os olhos muito azuis de Nanette Blitz Konig são uma máquina do tempo. O que eles viram na década de 1940, no Holocausto, a atual geração pode ainda não ter noção da devastação que representou na história da humanidade. Aos 86 anos, de cabelos branquinhos e magra, o porte de Nanette parece frágil. Mas é firme, assim como suas convicções sobre a política atual. Sem perspectiva de vida em sua juventude, quando virou pele e osso num campo de concentração, Nanette foi porta-voz de um tempo e do próprio passado a dezenas de jovens e adultos na tarde de quarta-feira, no auditório do Senac Limeira.
Com pai banqueiro e infância em boas condições em Amsterdã, na Holanda, Nanette mal tinha 15 anos quando foi para um campo de concentração. A ofensiva nazista cercou a Holanda em 1940. Com a entrada dos alemães, os judeus não podiam mais estudar em escolas públicas, e foram enviados para escolas só de judeus. E foi no Liceu Judaico, em 1941, que Nanette conheceu Anne Frank, autora do célebre diário em que detalha os dias no esconderijo com sua família judia, que pouco antes havia se refugiado do nazismo na Holanda. "Era vivaz, crítica, gostava da vida, de escrever, e gostava dos meninos. Eu não havia chegado nesse período ainda", conta. Em 1943, as escolas não existiam mais.
Foi em fevereiro de 1944 que Nanette foi levada ao campo de concentração em Bergen-Belsen, na Alemanha, onde reencontraria, pela última vez, a amiga de escola. "Filme de terror" não descreve o cenário exposto por ela. "As condições eram deploráveis. Fome, doenças, maus tratos, latrinas imundas e piolhos, com proliferação do tifo".
Somente em abril daquele ano, com a entrada dos ingleses, que receberam comida. Mas os prisioneiros estavam no extremo de terem se desacostumado a comer. "No fim da guerra eu pesava 31 quilos, sem carne, só ossos no quadril", descreveu a sobrevivente.
O começo do recomeço de Nanette foi por meio de um major inglês no campo. Ela pediu a ele que fosse entregue uma carta à tia. Com o pedido aceito, a família soube que ela sobrevivera. Mas ela passaria, ainda, por outros locais, tendo trabalhado numa cozinha e posteriormente contraído tifo. A doença a levou a um coma, e ela acordou no hospital. Posteriormente foi encaminhada a outro, onde pela primeira vez em muito tempo viu uma cama com lençóis. Registrada com número, pode ser identificada e localizada. Mas ainda passaria três anos num sanatório para se recuperar dos efeitos do Holocausto, antes de uma tia vir da Inglaterra buscá-la com seus tutores, em 1948.
Mesmo depois da guerra ela reencontrou o major. "Ele disse a nós que não queria pagamento ou agradecimento, apenas saber se havia cumprido o objetivo de me unir à minha família".
Casada há 62 anos, o marido de Nanette é da Hungria e também perdeu familiares. Ele já tinha passagem para o Brasil, em período em que namoraram por cartas. Em 1953 ele a pediu em casamento, e desde aquele ano ela vive no país, onde teve seus filhos, estudou Economia e trabalhou com traduções.
O DIÁRIO
À plateia, ela contou como reconheceu a amiga no campo de concentração Bergen-Belsen, na Alemanha, quando uma divisão de arame farpado que separava a área maior da menor foi retirada. O encontro foi descrito por ela como emocionante, embora ambas estivessem numa situação horrorosa.
"A vi andando no campo com asua irmã, através do arame farpado. Quando retiraram, não tinha certeza se ela ainda estava lá. Por sorte a encontrei com a irmã. Éramos meio esqueleto, sem carne, mas Anne estava pior do que eu. Ela estava embrulhada num cobertor, pois não aguentava mais a roupa cheia de piolhos". No encontro, que foi o último, Anne contou a Nanette o que havia passado em Auschwitz, o maior campo de concentração, e da esperança de ainda ter os pais vivos. "Anne contou que pretendia reunir as folhas de seu diário e escrever um livro depois da guerra. Sonhar faz parte da sobrevivência". Desnutrida e com tifo, Anne morreu poucas semanas antes do fim da guerra. Mas o sonho tomou forma e o diário chegou às mãos de seu pai, Otto Frank, único sobrevivente da família. A primeira edição do diário foi publicada em 1947, cerca de dois anos após a morte do restante da família no campo de concentração.
Nanette foi a única de sua família salva das garras nazistas e descreve a morte de Anne como uma das muitas tragédias que viveu. "Ela começa o livro como uma menina de 12 anos. Quando termina, forma a sua opinião, sem contato com o mundo fora, a não ser pelo rádio. Se desenvolveu lendo e estudando. Como ela forma uma opinião é algo excepcional. Se sobrevivesse, seria uma ótima escritora. Tinha dom de escrever".
NUNCA MAIS?
"Foi uma vida muito difícil para superar tudo isso. Minhas tias não permitiam que eu falasse sobre o período da guerra. Elas não souberam lidar com a perda de uma família inteira. E continuaram como se nada tivesse acontecido", revelou Nanette.
Entre memórias e cicatrizes que vão além da pele, passados 70 anos de quando esteve num campo de concentração, ela contou sobre o seu maior aprendizado. "A maior lição é aceitar a vida da forma que ela se apresenta. Quando voltei à Holanda, não tinha mais nada, ninguém. Nem lar, nem dinheiro. E ninguém iria querer uma orfã louca. Então temos de levar a vida".
Mas ela alerta que as ameaças sempre rondam. "Não basta dizer nunca mais. Deveríamos ser conscientes das circunstâncias econômicas e sociais, que foram as principais causas do Holocausto, e reconhecer os sinais de perigo antes que seja tarde demais para agir. O preço da liberdade é a constante vigilância".

Foto - JB Anthero/Gazeta de Limeira
Nanette: "a maior lição é aceitar a vida da forma que ela se apresenta"

"O mundo não aprendeu nada"

No fim da guerra, houve um projeto de lei em que o governo considerava que os pais que sobrevivessem não seriam mentalmente aptos a criar seus filhos. "Perdemos crianças por causa disso. Crianças que não foram devolvidas aos seus pais. Na Holanda, se perguntar se alguém conhece a lei das crianças, preferem esconder ou não saber. O antissemitismo existe até hoje".
A ameaça continua, segundo ela. "Nunca mais existiu indústria de genocídio como dos nazistas. E se Deus quiser, nunca mais existirá. Mas o mundo não aprendeu nada. Parece que não aconteceu nada", diz ela, se referindo aos jovens e grupos radicais. "Para vocês verem o que faz a ignorância, a falta de informação, de não saber aonde eles se metem. É triste. Não basta dizer nunca mais. É preciso reconhecer os sinais de perigo, antes que seja tarde demais para agir".
Nanette veio para o Brasil em 1953, quando se casou. À época, jurou nunca mais voltar à Holanda, onde viveu as dores do nazismo, mas acabou voltando. Ela, que passou anos até se recuperar do tempo no campo de concentração, conta que até hoje tem pesadelos. "A mente humana não tem botão delete. Funciona sempre e não esquece".
Questionada sobre como Hitler arrebanhava legiões, ela cita o livro do ditador, "Minha Luta". "Nele, já define a sua ideia sobre os judeus. Ouvi-lo em alemão é horrível, dá medo. Carismático, doutrinou a todos. Foi eleito democraticamente em 1933 e em meses destrói leis e impõe as que lhe dão direito de destruir os judeus. A Alemanha estava em condições lamentáveis, com desemprego e inflação. Determinou que os judeus deixassem a Alemanha, mas os outros países fecharam as fronteiras". Questionada do motivo de tanto ódio aos judeus, a sobrevivente não soube explicar. "Nunca teve ideia de fazer bem ao povo. Não dá para entender ou explicar. É um perigo até hoje", alerta, sobre a intolerância. (Daíza Lacerda)


"A criminalidade vem do exemplo de cima"

A plateia quis saber a opinião de Nanette sobre os protestos realizados este ano contra a corrupção e pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). "Foi novamente eleita. Só se livrar dela não vai adiantar. Tem de se livrar de todos os corruptos. A mentalidade da corrupção faz parte da existência, desde dom Pedro. Vocês viram a verba do fundo partidário? Adivinhem quem vai pagar as multas da Lava-Jato?", disparou.
Nanette elege a ignorância como causa de muitos problemas, a começar pela disseminação de políticas consideradas erradas por ela. "As pessoas não sabem, não entendem o que é governo, não sabem votar ou o valor do voto. Precisamos de cursos para ensinar sobre o governo", diz ela, defensora do voto distrital. "Na verdade tem de mudar tudo.Vota-se para alguém que depois nem aparece. Com voto distrital é possível representação de verdade. Já na rua não há poder de nada. Não vai mudar o governo. A corrupção aqui é muito endêmica. Em outros locais existe, com certeza. Mas aqui é demais. Não consegue nada se não pagar".
Para a sobrevivente do nazismo que adotou o Brasil como lar, o país é rico e poderia ser um dos mais poderosos, se tivesse outro governo. "Mas infelizmente não há interesse. Precisa de educação básica de verdade. Não precisa de faculdade com cota.
O povo tem que saber ler, entender o governo, pois o governo se aproveita dos ignorantes. A criminalidade vem do exemplo de cima. Se todo mundo rouba, eu também posso. Será que não? Infelizmente o que temos é isso. Pura ignorância. E para combater vai demorar. Gostaria de saber como sair disso". (Daíza Lacerda)


Publicado na Gazeta de Limeira.