domingo, 17 de fevereiro de 2013 | By: Daíza de Carvalho

"Casa da Sopa cumpriu seu ciclo social em Limeira"


Em entrevista à Gazeta, Geraldo Luís fala da mudança do projeto para área vulnerável

Daíza Lacerda

Com quase 350 mil refeições, mais de 8 mil cestas básicas entregues, 115 mil peças de roupas distribuídas, além de banhos, cortes de cabelos e realização de cursos, a Casa da Sopa encerrou os cinco anos de atividades em Limeira. Idealizador e presidente da entidade, o jornalista e apresentador Geraldo Luís vê o trabalho com o ciclo social cumprido, e prepara novo projeto para o Vale do Jequitinhonha, área com maior vulnerabilidade.
Em entrevista à Gazeta, ele fala da missão cumprida como meta social e justifica que Limeira tem, hoje, entidades assistenciais, públicas ou não, e iniciativas, como de igrejas, para atender à demanda de quem está em situação de risco social.
"O ciclo social que a casa implantou durante esse tempo foi realizado, com atendimentos, distribuição de comida e realização de cursos, que chegamos a ter mais de dez, trabalho com moradores de rua, distribuição de cadeiras de rodas. Foram anos nos quais nós vimos que realmente a Casa teve a importância social e humana para a cidade. Agora nos preparamos para outro projeto no Vale do Jequitinhonha, que é considerada a África brasileira, com número de famílias em estado de miséria muito maior. Será um grande desafio e, se não for lá, será em outro lugar. A Casa da Sopa precisa ir onde está o coração da miséria, a dor humana".
Ele salienta que a casa não distribuía apenas comida, mas "investia no ser humano", já que, para receber cestas básicas, as famílias precisavam participar dos cursos. O acompanhamento incluía o trabalho de assistente social.
MORADORES DE RUA
Era desenvolvido trabalho com moradores de rua, iniciativa difícil, como explica Geraldo. "A ressocialização era difícil, mas a Casa da Sopa foi a entidade que mais acreditou e investiu para que tivessem a oportunidade de largar da droga. Havia palestras médicas, filmes. A pessoa chegava quebrada, e comida era a última coisa que queria. Igreja e família não aceitavam mais, então passavam lá a tarde toda. Com isso, alguns acabavam ajudando, participando".
A tentativa foi a de implantar um sistema que o município não teve, no sentido de cuidar. "Grande parte nós não conseguimos, mas alguns deram a volta por cima, tentavam contato com a família. Não comiam e ia embora, eram chamado pelos nomes. O que nos deixa mais feliz é a forma com que a Casa tratou todas essas pessoas, das mães de família aos moradores de rua, num atendimento humano, que marcou".
Os diversos dependentes químicos "não comiam só sopa, mas esperança. Muitos que chegavam não tinham esperança de viver, desistiam da vida. Da fome, só lembravam quando doía".
Idosas que foram alfabetizadas e moradores de rua que entraram fedidos e saíram cheirosos, com banho, cabelo e barba feitos foram resultados que superaram o previsto numa iniciativa que começou na estrada.
O INÍCIO
Geraldo conta que a Casa da Sopa começou na Rodovia Anhangüera, quando ele e o filho, então com sete anos, em 2005, iam todo domingo distribuir de 20 ou 30 marmitas na estrada, para andarilhos. A ideia evoluiu e, com a força do programa de rádio, os pedidos de alimentos foram atendidos. Na época, já era feito o almoço na véspera de Natal, que reunia numa chácara de 400 a 700 pessoas em situação de rua, com comida e bebida o dia todo.
"Ajudamos quem não tinha esperança de conquistar ou mudar de vida. Quando se está no fundo do poço e é ajudado de qualquer forma, você se levanta. A Casa era um farol para quem estava perdido, era um porto seguro. Uns para comer, outros para conversar", salienta.
Atenção que salvou vidas. Ele conta da situação de uma idosa que esteve na entidade só para dizer que pretendia se matar. Com depressão profunda aliada à tendência ao suicídio, de conversa em conversa a mulher ficou e participou de vários eventos. "Evitamos um suicídio. Quem ouve, evita tragédia. Uma boa conversa pode melhorar. A Casa da Sopa ouviu muita gente esquecida, e isso é que me orgulha como limeirense, em ajudar essas pessoas a melhorarem de vida de ânimo. Valeu muito".
VOLUNTARIADO
Com a convicção de que a entidade cumpriu o seu papel, Geraldo acredita que outras pessoas devem continuar o trabalho em outras iniciativas de voluntariado. Foram pessoas assim que contribuíram para o sucesso do trabalho. "Faço questão de agradecer as pessoas que se tornaram voluntárias, por um evento, por um dia. A Casa da Sopa contou com muitos, inclusive fixos. Senhoras que iam num dia, gostavam e acabavam ficando. Foram importantíssimos para a realização dos eventos da casa, sempre envolvida com datas comemorativas aliadas aos assistidos da casa".
Ele lembra que iniciativas de assistência eram mais escassas quando a casa foi aberta. "Hoje, além do Ceprosom, há outras instituições sérias, com as igrejas, que prestam serviço social importante. Essas pessoas terão onde bater. Tem gente muito legal da cidade que vai continuar esse trabalho. Cumprimos nosso papel no atendimento quando a cidade mais precisou, quando havia mais famílias. O nosso trabalho era tão forte e direcionado, que foi concluído".
Ele lembra, no entanto, que não é preciso uma instituição para fazer o bem. "Você já é uma instituição de caridade, pode fazer o bem no seu quarteirão. Torne-se você uma instituição".
SALVAÇÃO NA CARIDADE
Sobre o slogan da Casa da Sopa, "Sem caridade não há salvação", Geraldo explica que vê como uma questão espiritual. "O que você ajuda, volta para você. A caridade da bondade que você fala para a pessoa, de ser educado no trânsito, educado em casa. A caridade é a grande salvação humana. Quando se é caridoso, o primeiro a receber o benefício é você. Quando começa a ser bom com os outros, começa a ser bom com você e você muda".
No uso do trabalho como instrumento para ajudar as pessoas, ele lembrou de campanhas que fez quando trabalhava em rádio e na época que foi repórter de polícia na Gazeta. Lembrou ainda da ampliação do atendimento quando foi trabalhar em São Paulo, diante do receio que deixasse o projeto, naquela época.
"Foi quando mudamos da Rua João Guilherme para uma local dez vezes maior. Fizemos cozinha industrial, colocamos gás subterrâneo, freezer, mesas no refeitório, ar condicionado. Mas a vida é feita de ciclos. E o ciclo da minha vida é continuar servindo. Em Limeira entregamos o que pudemos fazer de melhor, e todos fizemos. Hoje finalizamos com certeza do dever cumprido".







Moradores do Kühl, Degan e José 
Cortez foram os mais assistidos

Entre 2007 e 2012, a Casa da Sopa fez 55 atendimentos sociais por mês, com a frequência de cerca de 500 pessoas por mês. A meta conveniada foi de 8 mil refeições e 110 famílias atendidas com benefícios.
A fonte de financiamento, além do presidente da entidade, Geraldo Luís, foi obtida por meio da realização e participação de eventos. Em 2011, a subvenção do Ceprosom foi de R$ 36 mil e, em 2012, R$ 38.520. Em abril de 2012 foram arrecadados R$ 3.569,72.
Tendo como eixo norteador o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, foram oferecidas nos seis anos 348.390 refeições, com pico de 85 mil nos anos de 2009 e 2010. Em 2006 e 2007 a maioria dos assistidos eram dos bairros Ernesto Kühl e Odécio Degan; em 2008 e 2009, Ernesto Kühl e José Cortez. Em 2010 e 2011, José Cortez.
No início do trabalho, as famílias não recebiam subsídios do governo. A partir de 2008, 20% das cadastradas se integravam a programas de benefícios governamentais que garantiam bolsa-escola, cartão alimentação, auxílio gás, bolsa alimentação e bolsa família. "Nossas assistentes sociais orientavam as famílias a procurar o benefício em que se encaixavam, inclusive para aposentados", lembra Danuza Oliveira do Nascimento, coordenadora da entidade.
Na Casa, para receber benefícios, as famílias precisavam participar dos cursos, como de informática, culinária, artesanato, manicure, teatro e dança, libras, muay thai e capoeira para crianças.
A partir de 2010, o número de participantes começou a cair, com as famílias recebendo benefícios do governo, inclusive para material de construção, leite em casa e auxílio para famílias de presidiários. "Percebemos que, com tantos benefícios hoje, a Casa da Sopa deixou de ajudar e passou a atrapalhar. A partir do momento que acomodamos essas famílias, deixamos de ajudá-las", reflete a coordenadora. "Acreditamos que já cumprimos a nossa missão em Limeira. Ajudamos, encaminhamos e orientamos muitas famílias e necessitados em geral. Agora, nossa missão será em outro local onde nos convencemos da real pobreza", finaliza, referindo-se ao Vale do Jequitinhonha.




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