quarta-feira, 25 de janeiro de 2012 | By: Daíza de Carvalho

Padre Arlindo: "Sempre vivi em função do sacerdócio"


Daíza Lacerda

De vigário a pároco, padre Arlindo conta a sua história ao completar Jubileu de Ouro

"Ainda me lembro bem daquele dia, na catedral, às seis da tarde...". Pensativo, um pouco saudosista até, este foi o comentário do padre Arlindo De Gaspari, após recordar momentos marcantes dos seus 50 anos de ordenação sacerdotal, completados hoje. A lembrança do dia de sua ordenação é tão presente quanto à solidez da paróquia que assumiu desde o início, a Santa Terezinha, então com poucos anos de atuação como padre.
Aos 76 anos, padre Arlindo tem a Paróquia São Benedito como origem, local em que fez uma de suas primeiras missas. Na preferência do limeirense, que iniciou os estudos religiosos aos 12 anos, entre o seminário e o gosto pelas piscinas, a batina ganhou. Confira essas e outras histórias de sua trajetória, que o pároco relatou à Gazeta.



Publicado na Gazeta de Limeira, também na capa. Original em pdf aqui

Padre Arlindo: a devoção por Santa Terezinha é desde o seminário
Padre Arlindo: a devoção por Santa Terezinha é desde o seminário



Como começou a preparação do senhor para ser padre?
Fui ordenado em Limeira, na Catedral. Na época, era Nossa Senhora das Dores. Fiz o colegial em Campinas, no Colégio Diocesano. Comecei aos 12 anos, época em que era entusiasmado também pelas piscinas. É uma idade em que não há definição. Mas comecei o seminário com outros colegas. De cinco, dois tornaram-se padres. Fiz Filosofia e com o tempo fui amadurecendo. Não é uma vocação que existe desde criança, os caminhos levaram à escolha.

E como a sua família lidou com a escolha?
Todos respeitaram e incentivaram. Somos sete irmãos, duas mulheres. Entre eles há advogado, contador e professor.

Após a ordenação, por onde passou até chegar à Paróquia Santa Terezinha?
Estou na paróquia há 46 anos. Antes disso, fiquei no Cambuí, em Campinas. Em Limeira, substituí o padre Gustavo na São Benedito, por seis meses, quando ele foi para um curso em Roma. E fui vigário do cônego Rossi, na Catedral, por um ano e meio. Ele criou a paróquia, e me cedeu.

Como foi o tempo em que conviveu com o cônego Rossi?
Como vigário, eu não tinha muita iniciativa. O cônego era muito pacífico. Mas o que eu sabia que não agradava, não tocava. E ele tinha uma experiência de vida que eu não tinha. É preciso aprender com os mais velhos.

E como foi o início na paróquia?
Começamos do zero. Cônego Rossi me deu a posse num sábado, dia 3 de outubro de 1964. E, quando fui fechar a igreja, não havia porta. Improvisamos com tábuas. A igreja estava em construção, não tinha forro ou piso.

Ainda assim eram feitas as missas? E como a comunidade recebeu a nova igreja?
Sim, eram feitas as celebrações e encontros. A comunidade ficou feliz, pois facilitava. Não precisariam ir até a Catedral. Mas, no início, havia um muro muito alto, e nem todos sabiam que era a igreja. Com a criação da paróquia, esse muro foi derrubado. Também não havia escada para entrar na igreja. O degrau era feito com um caixote.

Qual foi o maior desafio do senhor na paróquia?
Foi formar a comunidade, os grupos de trabalho. Quando foi construída, a igreja tinha apenas uma porta. Nas missas de domingo, a chegada era tranquila, pois os fiéis chegavam devagar. Mas, para sair todos de uma vez, amontoavam-se na saída.  Para facilitar, foram construídas mais duas portas. Também precisamos criar os grupos de evangelização. São desafios de toda nova paróquia.

E como foi para o senhor ser o responsável por uma paróquia, pouco tempo após a ordenação?
Eu estava havia três anos como padre, daí vim como pároco. Fui aprendendo a ser padre, a conhecer, administrar. Na época, a comunidade Santa Ana pertencia à paróquia. Ajudamos a formar as comunidades Beato de Anchieta, Bom Pastor. Tivemos a ajuda de um padre de Rio Claro, e fomos compartilhando.

Além da vida religiosa, o senhor teve outros desafios em sua vida pessoal?
Sempre vivi em função do sacerdócio. Fiz Filosofia e na época não havia uma graduação específica. Poderia lecionar se fosse preciso, o que fiz por alguns anos. Dei aulas de doutrina religiosa no Trajano Camargo, nos anos de 1964 e 1965.

E como era o trabalho na paróquia?
No início era muito concorrido. Precisava de vários para dar conta e atender todos. Hoje a paróquia está mais reduzida. A Santa Terezinha foi a quinta paróquia de Limeira. Até então só havia a Catedral, São Sebastião, São Benedito e São Cristóvão. Hoje a cidade e as paróquias se expandiram. Atualmente temos 16 ou 17.

E a participação da comunidade?
Para o povo é uma facilidade ter a igreja por perto, o que possibilita uma participação maior. Na zona rural as pessoas chegam a percorrer dois quilômetros para assistir a uma missa. Aqui basta andar 200 metros e há vários horários.

Como foi a celebração da primeira missa?
Foi no cemitério, três meses após a morte de minha mãe. Ofereci a ela, com oração em seu túmulo. A segunda foi na São Benedito, minha paróquia de origem, já que eu morava por perto. A terceira foi na Catedral, quando não estava terminada.

Como foi para o senhor fazer uma missa na comunidade em que nasceu?
Tudo era emocionante.

Quem o senhor tem como incentivador?
Meus pais incentivavam. A gente é que tinha que decidir. Escolhi e eles apoiavam.

O que é ser padre?
Ser ministro de Deus, celebrar os sacramentos.

É difícil ser padre?
Hoje não é difícil. Muita gente continua tendo fé, atendemos o público.

Hoje é grande o número de igrejas de outras religiões. Como o senhor vê isso?
É evidente que os indecisos acabam por optar por outras. O que é muito bom, pois pelo menos professam alguma fé. Mas é uma pena deixar uma igreja que não nasceu ontem, mas há dois mil anos. Quando a pessoa não tem convicção, corre-se o risco de se afastar da igreja. Mas não se pode ficar sem rumo de fé. Todos os seres humanos têm uma ligação diante de Deus.

Nesses 50 anos, há algum momento em que o senhor guarda recordação especial?
Quando fui para Israel, foi um momento forte, passar por onde Jesus viveu, pisar onde Ele passou. Fiz um curso em Roma e tivemos uma passagem de 15 dias por Belém, Jerusalém, Jericó. Voltei cinco anos depois, mas com outro espírito, com menor curiosidade. Fui convidado a voltar outras vezes, para catequizar. É emocionante, marca a vida.

No início da vida como padre, o senhor já planejava um dia ir até lá?
A gente sonha. Muitos colegas também sonham.

O senhor ainda pretende voltar a Israel?
É uma viagem muito cansativa. Na última vez, o grupo tinha 50 pessoas, e era dividido em dois. Saíamos muito cedo sem previsão de voltar, o que acontecia à noite. Mas havia visitantes até mais velhos, com 80 anos, que davam exemplo. Quem vai, quer aproveitar de todo jeito. Mas lembro-me de certa vez dar uma bronca num guia. Em Jerusalém, passamos por um pico, onde ele disse que Jesus teria subido para se atirar. Mais que depressa chamei atenção e disse que isso era besteira. Ele disse que era uma brincadeira, mas isso não se fala.

Por quais outros locais inesquecíveis o senhor passou?
Além de Israel e Roma, Lisieux, na França, onde Santa Terezinha viveu. Guadalupe, o Santuário de Fátima e de Aparecida, é claro. Passei pelos grandes santuário marianos, como o de Lourdes, na França.

O que o senhor pôde perceber sobre a fé das pessoas nesses diferentes locais?
Alguns locais impressionam, existe um carinho muito grande. O santuário de Lourdes é o que concentra mais gente. Porém, o comércio fica longe. Há outro ambiente para comprar. Há velas, mas não há ninguém vendendo. Cada um dá a sua oferta. Não haverá ninguém olhando, é a sua consciência. Infelizmente aqui há comércio até dentro da igreja, o que faz perder o espírito.

Hoje há uma concorrência muito grande entre a igreja com outras atividades e, principalmente, o apelo por coisas materiais. Muitas vezes as pessoas se preocupam mais com esse aspecto, do que com o espiritual. Como o senhor avalia essa situação?
Tudo tem o seu tempo. Quem se afasta, sentirá falta de algo mais, além do material, e voltará a pensar na relação diante de Deus. E voltará para a igreja.

Muitas pessoas também justificam a descrença devido às mazelas do mundo, como as guerras, violência e desigualdade. O que o senhor diria sobre isso?
Deus não fez o homem pobre. Se há diferenças, a culpa é nossa, dos homens. Por que eu posso ter em excesso e o outro nem sequer tem o pão de cada dia? Todos devem ter o direito à oportunidade.

O senhor acompanhou o desenvolvimento não só da comunidade, como de Limeira. Como reflete o momento pelo qual o município passa?
Espero que os políticos correspondam com honestidade e dignidade. O povo precisa participar mais, pois no que se refere à política, é muito falho. Escolhe e depois deixa correr o barco. É politicamente limitado. Acha que, depois que vota, o problema é deles. Mas é nosso. Hoje, de fato, há maior cobrança e mais conscientização. Mas não total.

Que balanço o senhor faz desses 50 anos de sacerdócio?
Cinquenta anos... Acho que Deus deu um apelo e correspondi, na maioria das vezes. Mas tenho certeza de que escolhi o caminho certo. Houve prós e contras, vitórias e fracassos. Mas, apesar de tudo, estamos aqui. Agradeço a Deus e espero que nos acompanhe até o fim, que não sei quanto tempo será.

O senhor imaginava completar esta marca no tempo de ordenação?
Caminhei, estudei, fui ordenado, trabalhei. Lá se vão 50 anos, sem previsão. Tive os contratempos vencidos. E caí na paróquia certa.

Por quê?
Esta era para ser a Paróquia Pio X. Quando foi criada, o processo era feito por Campinas, e não sabiam qual santo seria o titular. Daí informaram que ficava ao lado da Casa da Criança Santa Terezinha. E assim ficou. Eu gostei. Mas tenho uma dívida com o papa Pio, ainda preciso fazer uma capela para ele [risos].

Por que o senhor ficou tão contente de Santa Terezinha ser a padroeira?
Já tinha devoção por ela desde o seminário. Lá havia uma capela com vários altares, com São José, Nossa Senhora das Dores. Mas Santa Terezinha tinha o seu "fã-clube". Por isso gostei. Ela está protegendo.

O que o senhor aconselharia a novos padres?
Viver bem o ministério para o qual foram chamados, ter dedicação, não ser preguiçoso.

A igreja católica tem sido muito reconhecida por padres que se destacaram na mídia, tanto com livros quanto com músicas. O que o senhor acha disso?
Alguns têm o dom de escrever, outros de cantar. Outros padres são melhores em lidar com jovens. É preciso desenvolver o que se tem mais facilidade.

E qual elege como a maior facilidade para o senhor?
Assumir o trabalho paroquial. Evangelizar. Na catequese também há um trabalho de destaque. No ensinar como vivenciar. Temos uma equipe boa, na liturgia e serviço social, como as visitas às famílias carentes. Quem faz é o povo de Deus, com iniciativa da igreja. É o alimento espiritual.

O senhor já pensa em se aposentar?
Hoje tenho 76 anos. Enquanto puder fazer algo, vou fazer. Senão, chamamos outro para ajudar.

Quais os planos do senhor agora, a partir do Jubileu de Ouro?
Continuar correspondendo ao que Deus nos designa. Em algumas situações poderia ter feito melhor, não por limitações, mas por fraqueza física.

Que mensagem o senhor deixa para os limeirenses, nesta data tão especial? 
Que cada um viva bem a sua vida e cumpra a sua tarefa. Agradeço a todos que ajudam, cumprem o papel e me ajudam a cumprir.

Dom Vilson celebra missa em
homenagem ao jubileu de ouro

As comemorações de 50 anos do padre Arlindo De Gaspari encerram hoje. Durante a semana, foi realizada tríduo com participação de várias comunidades e padres convidados de outras paróquias. Hoje, às 10h, será celebrada missa pelo bispo diocesano, dom Vilson Dias de Oliveira, com presença de presbíteros, seminaristas e comunidade. À noite, às 19h30, também haverá missa com padre Arlindo. O encerramento acontecerá às 20h30, após a missa, com exibição de um documentário sobre a trajetória do padre. (Vanessa Osava)


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