terça-feira, 3 de maio de 2016 | By: Daíza de Carvalho

Padecer no paraíso?

COLUNA RELEITURA - 03/05/2016

Padecer no paraíso?

Daíza Lacerda

Dia das Mães e Natal devem empatar não só no quesito movimento no comércio, mas também em hipocrisia. Ainda que as proles reconheçam que presente algum vai compensar o sofrimento imensurável que inevitavelmente proporcionamos a quem nos trouxe ao mundo.
Em muitas situações parece perdido o "paraíso" de mães reais dentro da batida expressão de que ser mãe é padecer no paraíso. Em muitas, só vejo o padecer. Claro que o mundo é nutrido também pelo encanto de novas mães (ou nem tão novas assim) como primeira testemunha da evolução ali, na sua frente. O riso que compensa qualquer choro, a feição que vale por todas as noites mal ou não dormidas. Mas, na busca da plenitude da nossa própria vida, penalizamos as mães voluntária ou involuntariamente, já que elas são presas a um cargo perpétuo. Pedir para que elas não se preocupem é uma das principais bobagens que costumamos repetir. Vamos correr os riscos vida afora enquanto elas emendam as preces. E faltam meios para saber até que ponto esse vínculo é mais biológico ou mais cultural. Afinal, também há mães que desapegam.
Sou do time que não pretende colaborar com a densidade demográfica e me espanta, em tempos como o nosso, muita gente ainda arregalar os olhos para isso. Há quem pense que todos têm a obrigação de colocar um filho no mundo como uma "ordem natural das coisas", mas poucos estão abertos a aceitar um descendente homossexual, por exemplo. É uma das questões que os próximos pais têm de estar prontos. Também não custa considerar que, às vezes, gostar muito de crianças pode ser uma boa razão para não tê-las. Afinal, que mundo estamos deixando para as próximas gerações? E que filhos estamos deixando para o mundo?
É recorrente a pergunta sobre quem cuidará de nós na velhice, senão os filhos. Tê-los pensando em amparo no fim da vida pode parecer normal, mas a mim soa como egoísmo. Não faltam exemplos de idosos praticamente jogados pelos cantos porque os filhos não querem ou não podem cuidar, por ter suas próprias vidas e demandas a lidar. Não estou dizendo que não há o dever de cuidar, pois este existe. Mas não acredito que, no modo de vida que deve prevalecer daqui em diante, os filhos devam vir ao mundo com esta obrigação decretada. Passou da hora de termos a consciência de planejar a nossa própria velhice, seja cuidando bem da saúde para viver mais e melhor ou fazendo a poupança para bancar a instituição que vai nos abrigar. Isso não deve ser deixado como um fardo, embora o senso torto indique o contrário. Afinal, os filhos não são criados "para o mundo"?
No Dia das Mães, tentamos compensar de forma material tudo aquilo que deveria ser cotidiano e não necessariamente físico, como justamente o cuidado diário que impeça ao máximo o sofrimento lá no fim. É uma relação complexa dentro de incontáveis variáveis. Está além do nosso saber e entender se há ou haverá mais paraíso do que padecimento a quem se dispõe à aventura da maternidade. A única conclusão possível é do filósofo, quando diz que o coração tem razões que a própria razão desconhece.


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