domingo, 30 de janeiro de 2011 | By: Daíza de Carvalho

Militante da cultura musical limeirense, Mário Tintori completaria centenário

Daíza Lacerda

O maestro Mário Tintori, operário, um dos fundadores da Sociedade Operária Humanitária e autor de mais de 300 composições, completaria 100 anos na próxima quarta-feira, dia 2 de fevereiro. No entanto, teve 95 anos muito bem vividos, sobretudo em dedicação à música.



Helenice, junto ao piano do pai, ainda conservado pela família; foto em que regia a banda Henrique Marques era a preferida do músico

Conversador, sempre tinha uma história ou ensinamento para quem estivesse disposto a ouvir, como lembra a filha Helenice Tintori Raimundo, 72, e sua filha Karina, 44. "Fez tudo o que podia  pela música. O que ele fez pela música, não houve na cidade quem fizesse. Para ele, querer era poder. Foi um exemplo de que o que cada um se propõe a fazer de bom, deve ser feito", diz Helenice.
Mestre de seção de marcenaria na "Machina São Paulo", viajava à noite duas vezes por semana para cursar música em São Paulo, no Conservatório Musical Carlos Gomes, onde teve contato com mestres da música e se formou em 1946. Sua especialidade era instrumentos de sopro como flauta, requinta e clarineta, mas tocava também saxofone e piano.
Foi um dos quatro fundadores da Humanitária, em 1936, após arrecadar fundos para a contrução de um hospital para os operários, até então inexistente.
Regeu a Banda Antoniana, do Colégio Santo Antônio, e tentou criar uma orquestra sinfônica, sem sucesso, após o fim da Orquestra Sinfônica do Nosso Clube, na qual atuou. "Ele sempre dizia que faltava apoio para o desenvolvimento da música erudita na cidade", lembra Helenice.
Escrevia artigos em defesa da cultura limeirense, além da busca da instalação de uma escola de música e teatro municipais. Foi regente da Corporação Musical Henrique Marques, de 1949 a 1959, época em que foi criada uma escola de música. Foi ativo na campanha para a sede própria da corporação, inaugurada em 1959. Teve ainda participação ativa na construção do coreto da Praça Toledo Barros.
Constantemente homeageado em vida, Helenice conta que se sentia constrangido com tantos prêmios. "Ele achava que estava fazendo a sua obrigação, que não merecia reconhecimento por aquilo".

DOBRADO SINFÔNICO
Tintori presenteava amigos e figuras ilustres com o dobrado sinfônico, composições que levavam o nome dos "presenteados", como ex-prefeitos. Otto Hornhardt recebeu o último, em 1995. Deu ainda harmonia ao hino limeirense, além de compor o hino da Festa da Laranja. Embora não fosse religioso, não se negava a compor para a igreja, sendo autor do hino da Diocese de Limeira, com letra de Cecília Quadros, que estão entre as suas 353 composições.
Em tantos anos de trabalho, um retrato ilustra bem a sua atuação. "A foto que ele está regendo a banda Henrique Marques no Ibirapuera era a que ele mais gostava", diz Helenice.

FAMÍLIA
Nascido em São José do Rio Pardo em 2 de fevereiro de 1911, Mário Tintori começou a estudar música em 1925, o que teve continuidade em Limeira, a partir de 1928. Casou-se com a limeirense Adélia Champ em 1935, com quem teve o filho José Walter Tintori, hoje desembargador aposentado de 74 anos, além de Helenice, que é professora aposentada.
"Muito atencioso com os pais, casou-se após a morte deles, quando se dedicou à família", diz Walter. "Meu pai era operário, mas se dedicou muito para formar a mim e meu irmão. Queria que os filhos dessem continuidade em uma contribuição boa para a cultura", diz a filha, que fundou o primário no Colégio Acadêmico e tem outro filho, Maurício. Walter também tem quatro filhas, além de quatro netos.
O reduto do compositor permanece do mesmo jeito que deixou, conservado pela filha. Os aposentos do maestro permitem uma viagem no tempo, não só pela mobília, como pelos objetos de estima do músico, como um rádio antigo e o piano, presente surpresa do filho Walter no Natal de 1972. "Quando foi entregue, ele estranhou e disse aos entregadores que não havia comprado piano algum. Quando soube que era um presente, ficou emocionado", lembra o filho. O piano era afinado por ele mesmo, com instrumento produzido pelo próprio. "Tinha um ouvido fantástico", lembra o filho.
Repousam sobre o intrumento pequenos bustos de Beethoven e Verdi e, nas paredes, um quadro com a pintura da igreja Boa Morte de outra época, além de Tintori com a esposa Adélia.

NO TEMPO DAS SERENATAS
Walter conta que, na mocidade, Tintori e os amigos compunham uma orquestra de serenata, com a qual, embora tivesse um futuro sogro italiano bravo, conquistou Adélia.
"Tenho ainda uma flauta italiana que ganhei dele. Tocávamos juntos para a minha mãe, ele no piano e eu na flauta, as valsas das serenatas que ela ouvia naquela madrugadas antes de se casarem", conta. "Só pelo amor vale a vida", de Zequinha de Abreu, era uma das canções embaladas. "Dedicou praticamente toda a vida à música. Foi meu exemplo de formação moral", diz o filho.

MORTE
Causa da morte? "Velhice". Após 30 dias na UTI, Tintori morreu de insuficiência cardíaca no dia 26 de novembro de 2006. "Era um homem que adorava passar experiência de vida. Então, nos primeiros 15 dias de internação, conversava muito com enfermeiras e médicos", diz Helenice. "Mesmo sem ter uma religião, acreditava numa força superior e era muito positivo. No pouco que conversava, passava ensinamentos. Na varanda, estava sempre de papo com alguém na rua", lembra Karina em relação ao avô.
Walter lembra que o acompanhou em seus últimos dias de vida, quando o pai pediu aos médicos que desligassem os aparelhos, o liberassem e o deixassem que morresse em casa, junto à família. O pedido não foi atendido e o músico morreu na mesma semana, deixando, no entanto, uma vida fértil, como define Walter.


O maestro tinha o seu canto para fazer as composições; Helenice destaca a estima pelo rádio antigo
Músico será homenageado
hoje pela Orquestra Sinfônica


Mário Tintori será homenageado hoje durante a primeira apresentação do ano da Orquestra Sinfônica de Limeira, no Parque Cidade, às 11h.
A última pessoa a receber um dobrado sinfônico do maestro foi Otto Hornhardt Filho, em 1995, que lembra com carinho do amigo. "Além de autor de tantos arranjos, ele queria promover festivais de bandas na cidade. Homenageou muitas pessoas com seus dobrados", lembra Otto, que milita pelo reconhecimento e homenagem aos feitos de Tintori.
Outra homenagem permanente ao músico é a lembrança de seu nome como patrono da Escola Municipal de Cultura e Artes, a Emcea. É o local em que ficará um quadro com a sua foto preferida, após o término da reforma do prédio do Museu, onde a escola voltará a funcionar. (Daíza Lacerda)





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