quarta-feira, 5 de janeiro de 2011 | By: Daíza de Carvalho

Da agressão ao assassinato, psicólogas avaliam o caminho às tragédias em família

Daíza Lacerda

O número de casos de homicídio e tentativa cometidos por maridos e ex-maridos contra suas companheiras registrados nas últimas semanas em Limeira se mostram como um alerta das consequências da intolerância nos relacionamentos e dentro dos lares (ou do que deveria ser um). 

Em novembro passado, um metalúrgico se enforcou após matar a esposa, no Jardim Nova Suíça. O ano de 2010 foi encerrado com a morte de uma ourives no Jardim Esmeralda, cujo principal suspeiro, foragido, é o companheiro da vítima. A tragédia se repetiu nesta semana no Parque Residencial Abílio Pedro, em que um pedreiro se matou, possivelmente envenenado, após atirar seis vezes na ex-esposa, que permanecia em estado grave até o fechamento desta edição
As psicólogas Solange Dantas e Maria Rita Lemos explicaram o que pode levar a pessoa a chegar no extremo de um assassinato. "A pessoa que é violenta, não ama. Às vezes as mulheres não levam ameaças e agressões à sério, na ambivalência entre amor e ódio, o que é muito perigoso", diz Maria Rita, citando os riscos que podem existir para os que pensam como descreve a música que virou bordão: "Você não vale nada mas eu gosto de você". Quem quer se proteger, chega a mudar de cidade para se prevenir de desfechos trágicos, afirma.

SEM LIMITES PARA MATAR
A falta de limites desde a infância pode ser a consequência para um adulto que não aceita um "não" e se dispõe a passar dos limites para conseguir o que quer, atenta Solange. "Crianças assim podem se tornar adultos que não sabem lidar com a frustração, como um relacionamento que acaba. A relação fica doentia com o ciúme, muitas vezes em amabas as partes", diz.
Solange lembra que na maioria das vezes a situação do casal vem se agravando, como quando um perde o interesse e o outro não aceita, disposto a matar e morrer - para que a companheira não possa ficar com nenhuma outra pessoa que não ele e para fugir da punição pela morte. "O sentimento de que 'se não ficar comigo não ficará com mais ninguém' não leva em consideração nem mesmo os filhos", salienta.
Maria Rita endossa, lembrando que quem começa matando é psicopata. Senão, sempre existem sinais de alerta. "A pessoa é submetida a gritos, humilhação e proibições, muitas vezes com um ciúme infundado. A mulher não pode ficar em silêncio", enfatiza.

SALVANDO A PELE (E A FAMÍLIA)
O relacionamento doentio começa a mostrar traços na agressão verbal, que se torna física, até o "embate" entre as partes que pode se tornar mais grave. "É por isso que o bom senso é o melhor remédio, não se deve 'bater boca' na hora do nervoso. O melhor é deixar para conversar depois e não provocar", aconselha Solange.
Ela diz que muitas pessoas vão alimentando a situação de um relacionamento doentio, sem buscar ajuda. E os sinais que parecem inocentes também pressupõem riscos. "Às vezes os pais acham bonito o filho ter ciúmes da namorada, ficar bravo quando ela não avisa de algo e ligar várias vezes ao dia querendo satisfação, mas esses são indícios de que algo está errado. Não é normal". O mesmo pode ser observados em meninas, como nas brigas na escola, também motivadas por paixões, exemplifica.
Embora em muitos casos a falta de providência não seja só da mulher, mas das autoridades (como no caso do goleiro Bruno, em que Eliza Samudio já havia registrado vários boletins de ocorrência), Maria Rita lembra que há vários amparos legais, tanto em âmbito municipal como federal. Quando a tentativa de sociabilidade não dá resultado, Delegacia da Mulher, Lei Maria da Penha e abrigos sociais são algumas das possibilidades de proteção contra agressores e assassinos em potencial.

META A COLHER
Maria Rita lembra que o ato de tentar conseguir reaver o amor perdido é pré-histórico, devido à forte resistência contra a frustração que chega ao uso da força bruta. E, neste contexto, ela defende que o velho ditado de que "em briga de marido e mulher não se mete a colher" perde a validade. "Isso é uma desculpa para não fazer nada. Alguém da família precisa ser alertado quando o casal vive em pé de guerra. Uma discussão esporádica é normal para todo casal, mas quando há violência todo dia, há algo errado".
Ela se ampara na citação de que "a humanidade é uma grande família", de Betinho, para chamar à responsabilidade de intervir, sim. "A sociedade é cúmplice quando se omite, quando opta pelo comodismo. Não há por que se calar, deve-se interceder de alguma forma. Uma discussão na casa do vizinho é, muitas vezes, um pedido de ajuda".


Criança deve ser preservada antes e 
receber orientação para superar casos

Ambas as psicólogas são taxativas no que se refere à situação das crianças que presenciam a guerra entre pais e até mesmo o crime entre eles: são crianças que crescerão marcadas.
Para Solange, o acompanhamento de menores que presenciaram tragédias é fundamental para que essas "marcas" sejam minimizadas. "Embora a criança nunca vá superar totalmente, é necessário o convívio com quem lhe dê amor e carinho, além de exemplos das coisas certas da vida. Não é porque passou por aquilo que o menor será, necessariamente, um problema", argumenta.
Já Maria Rita alerta que esta possibilidade não pode ser descartada. "A criança poderá ter marcas que a levem, além de ser infeliz, a ser uma homicida também. A questão é que a violência ficou muito banalizada entre elas, com o que veem na TV e têm acesso nos video-games, até presenciar ao vivo e a cores em casa", analisa.
A criança deve ser preservada na medida do possível por algum familiar que percebe a situação dos pais. "A criança deve ser tirada desse ambiente de terror de gritos, xingamentos e agressões. Não é uma situação normal e é mais fácil quem está de fora perceber", diz Solange.


Publicado na Gazeta de Limeira.







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