domingo, 9 de outubro de 2011 | By: Daíza de Carvalho

Limeira ajuda Unicamp a ser líder em patentes

Daíza Lacerda


Pesquisadores da Faculdade de Tecnologia têm registros em andamento

Duas das mais importantes invenções do mundo têm brasileiros entre as controversas autorias das ideias. Enquanto o patriotismo leva à defesa de Santos Dumont como o inventor do avião e do padre Landell de Moura como o pioneiro nas transmissões radiofônicas, as literaturas trazem como concorrentes os irmãos Whright e Guglielmo Marconi, respectivamente. Mas, afinal, como definir o autor de uma invenção?
Mais de um século após ideias que mudaram a comunicação e o transporte, necessidades contemporâneas primordiais, o Brasil continua cheio de inventores. E a maioria deles está na Petrobras e Unicamp que, entre as universidades, lidera o registro de patentes, com 272 entre 2004 e 2008, de acordo com levantamento feito pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em julho. Entre elas estão projetos de pesquisadores da Faculdade de Tecnologia (FT/Unicamp).
Para ser "pai" de uma ideia com pretensões de registrá-la, a primeira pergunta a ser feita é se o que está se propondo é inovador, explica Rangel Arthur, professor de Tecnologia em Telecomunicações, da FT. "O início já é um grande desafio, pois é necessário fazer pesquisas para saber se já existe algo igual ou parecido com o que se planeja desenvolver. Às vezes isso demora mais do que a execução do projeto em si", explica.
A universidade conta, desde 2003, com a Agência de Inovação Inova Unicamp, que otimizou e alavancou o número de patentes. Nos cursos da FT, desde o primeiro ano o aluno é incentivado a pensar no projeto que desenvolverá no final de sua graduação. "Os alunos motivam-se bastante. A teoria é importante, mas quando chegam à parte prática, muitos passam noites desenvolvendo seus protótipos. Esse é um diferencial do curso de tecnologia, pode-se criar algo aplicável", salienta Arthur.

"MADE IN" LIMEIRA
Entre os pesquisadores que lecionam na unidade de Limeira, Cristiano Gallep, da área de comunicações ópticas e dispositivos fotônicos, registrou sua primeira patente em 2002, que teve desdobramentos em seu doutorado.
O primeiro projeto foi um método de controle de chaves ópticas. "É como um interruptor, mas para redes ópticas, que reduz o tempo de comutação em até dez vezes". O método desenvolvido possui grande importância nas redes ópticas desenvolvidas para as próximas gerações, para as quais será necessário o chaveamento direto dos pacotes ópticos, uma vez que apresentam a necessidade de aplicações em altas taxas. O invento é aplicável em data centers, como grandes centros de processamento, no controle do caminho de circuitos ópticos
Outro estudo em andamento para uma nova patente é o apagamento de informação nas redes ópticas para reúso de canais em redes como de TV e telefone. "Isso proporciona economia de recursos materiais, com demanda de menos componentes", salienta.
Ele avalia que aumento muito o suporte para pesquisadores. "Hoje temos maior amparo técnico e jurídico, com análise se os projetos são pertinentes e documentação da parte legal".

TV DIGITAL
O próprio professor Arthur é autor de uma patente, registrada em 2010, e está finalizando uma outra. A já consolidada é uma nova técnica utilizada para compressão de vídeo digital. "A banda do sinal digital é maior do que a de sinal analógico, e precisa ser comprimida antes da transmissão, sendo realizado o processo inverso no receptor do usuário", explica. O firmware, que é o programa desenvolvido para o chip do receptor, torna a transmissão mais rápida e menos complexa, com economia de 70% no processamento. A "sobra" poderia ser utilizada para interatividade, o que ainda é promessa na transmissão digital no Brasil e otimiza o uso do equipamento, que o governo prevê popularizar.
A patente que Arthur está finalizando trata-se de um receptor digital de TV digital inteligente, que "ajuda" o usuário na hora da instalação para a recepção digital. Se o problema for de posicionamento da antena ou cabeamento, o equipamento emite avisos e agiliza o processo. Outra funcionalidade é enviar, por meio de um canal de retorno, uma medida da qualidade do sinal recebido em casa, o que é útil tanto para as emissoras quanto para as agências reguladoras. Dessa vez o trabalho não foi só na programação de microchips, mas com a modificação a partir de um aparelho convencional.
O invento já teve a patente pedida, mas o processo ainda é demorado. "O Brasil não tem a cultura de criar patentes, mas a Agência de Inovação tem incentivado", relata Arthur.
Além de auxílio ao pesquisador, a maioria dos projetos das universidades do Estado é patrocinada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além de órgãos de fomento à pesquisa que concedem bolsas como CAPES e CNPq.
Apesar do tempo exigido, o processo já foi mais difícil. "As universidades estão mais preparadas e os pesquisadores, com mais orientações". Há também regras. Durante o processo, o projeto não pode ser publicado como artigo científico. "Isso pode criar uma tendência de maior cobrança de patentes", opina, como forma de os projetos "saírem do papel".


Software auxilia testes em sistemas 
críticos como de aviação ou usinas 

Regina Lúcia de Oliveira Moraes atua na Faculdade de Tecnologia na área de engenharia e testes de software, sobretudo em testes de software crítico por injeção de falhas. Se parece apavorante perder os arquivos de seu computador por "culpa" dos programas ou de um vírus, isso não chega perto da dimensão do "crítico" com o qual ela trabalha.
"São software de controle que impactam seres humanos ou perdas monetárias grandes", diz. Dependem desses sistemas computacionais desde o monitoramento da aviação até os processos de uma usina nuclear, nos quais qualquer erro pode custar vidas, ou quantias absurdas de dinheiro ou patrimônios pessoais e empresariais, como o sistema de uma bolsa de valores.
Regina explica que, como o software não é algo físico, para ele não há patente, mas o equivalente que é o registro de software. Ela é uma das autoras da ferramenta "Jaca", criada para dar apoio a atividades de teste nesses produtos de software críticos dos quais dependem grandes sistemas e volume de pessoas. A solicitação de registro foi feita em 2004, com cessão em 2009. "A ferramenta introduz uma falha realista e monitora o comportamento do sistema em presença dessa falha. É feita uma análise e o programa é refeito, para que um erro, em decorrência da falha, não se propague e o leve ao colapso". O colapso pode ser entendido como um sistema de voo que pode não mandar indicações corretas e resultar num acidente, por exemplo. "Precisamos limitar o impacto para que ele não aja de forma desastrosa".
O software desenvolvido na FT serve como suporte para desenvolvimento de sistemas críticos e já está presente em empresas e universidades de países como China e Alemanha.
Outros dois produtos de software estão em processo de registro. Mesmo sem conclusão, já têm interesse da indústria. Um é o JSwift, que injeta falhas dentro do software, além da interface, que é o caso do primeiro. Já o JAttack injeta ataques e simula a ação de um hacker, analisando como o "entruso" age e se propaga, determinando as formas de limitar e corrigir a ação.
Na área da informática, o campo de desenvolvimento é praticamente ilimitado devido às mudanças e necessidades. No entanto, mesmo softwares livres, que não têm registros, possuem licença.
Ela lembra que alunos de todos os níveis participaram do desenvolvimento e assim é que se começa a suscitar o interesse em pesquisa nos jovens estudantes. Regina salienta ainda a importância do registro como propriedade da universidade. "Muitos só decidem pelo registro depois do produto pronto. Mas nem tudo o que se faz é registrado", diz ela, se referindo aos itens de qualidade que precisam ser atendidos.


Quer ser inventor?

É creditada a Thomas Edison, autor de mais de duas mil patentes (entre elas a da lâmpada incandescente) a máxima de que o talento ou a genialidade são 1% de inspiração e 99% de transpiração. De fato, ter a ideia só não basta diante do trabalho necessário. O professor Arthur lista o que é imprescindível para ter uma invenção para chamar de sua. "Experiência. São necessários pelo menos 10 anos na área, com a leitura de muitos artigos e pesquisa de patentes, além de acompanhar eventos". Possuir doutorado pode ajudar muito, principalmente para comparar metodologias.
Ainda que o "eureca" se dê em oficinas simples ou experiências "no fundo do quintal", o invento pode ser submetido a patente, se houver alguém ligado à universidade. "Não é preciso ter medo de roubo da ideia!", acrescenta o professor.
Ele ilustra com uma ideia simples de um adolescente inglês, que já assinou um contrato com uma empresa chinesa para fabricação em larga escala. O jovem, de 13 anos, desenvolveu um sistema em que o morador de uma residência recebia o aviso em seu celular quando alguém tocasse a campainha.
O custo de uma patente pode variar, mas não é barato. Também há "delimitações". As patentes do sinal digital desenvolvidas por Arthur, por exemplo, são válidas para a América Latina. Embora a abrangência possa ser ampliada, o prazo de vigência de uma patente de invenção é de 20 anos, como acontece com títulos que caem em domínio público após determinado tempo. (DL)


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