domingo, 17 de fevereiro de 2013 | By: Daíza de Carvalho

A iluminada


Daíza Lacerda
Especial para o Jornal da Mulher

A sala é espaçosa e recebe bastante claridade pelas grandes portas e janelas. Todos se acomodam, no chão ou no sofá, descalços. Jovens, idosos, moças, rapazes, senhores: todos atentos às palavras da interlocutora e seu acompanhante. De cabeças raspadas, se lhe faltam cabelos, lhe sobram sabedoria. E é um pouco deste saber, sobre a vida mas, principalmente, sobre si, que o público foi buscar à monja Coen, numa manhã de sábado, no Surya Centro de Estudos e Qualidade de Vida, em Limeira.
Da busca pela paz, passando pela batalha com os próprios demônios, como os vícios, a missionária da tradição Soto Shu zen-budismo respondeu às dúvidas numa conversa de tom informal, diferentemente da cerimônia à que remetem seus trajes e sua posição religiosa.
Monja Coen não poupa gestos, risos e exemplos. Dá à dificuldade de situações da vida a simplicidade que podemos adotar para derrubar inúmeras barreiras que nos impedem de tornarmos seres melhores. Não que seja fácil. Mas pareceu menos difícil enquanto dividiu a sua luz com os presentes. Após o workshop, ela trouxe um pouco das suas reflexões para os leitores da Gazeta:


Num mundo em que parece faltar tempo, como podemos 'olhar mais para dentro'? 
O maior presente que se pode dar a si mesmo é a presença. Estar no momento de verdade. Procuramos fora o que está em nós. É preciso saber que as coisas são transitórias. Não significa que precisa fazer voto de pobreza, que vai jogar a sua casa, as suas joias. No momento que eu as tenho, devo estar bem, e no momento que não as tiver, também. É você com você mesmo. Por isso deve-se trabalhar com o que se gosta, para fazer bem, com alegria, com o coração. E, às vezes, fazer o que não gosta, mas que o levará ao caminho que quer chegar.

Muitas vezes nos deixamos levar pela correria e até pelas coisas que não gostamos de fazer. Como sair disso?
Respiração consciente. É uma coisa básica e simples, que funciona. Respire, dê pausa. No dia a dia, não vá correndo de uma coisa para outra. Indo de um lugar ao outro, no trânsito, respire conscientemente. Lembre-se da imensidão que é a vida. Às vezes é bom a gente olhar para o céu e lembrar como somos pequeninos.

Tendemos sempre a procurar o caminho mais fácil, evitando os problemas?
Temos que nos abrir às dificuldades. Há um livro do [Roberto] Shinyashiki, que eu não li, mas o título é maravilhoso: "Problemas? Oba!". Manda para mim. Tem coisas difíceis para fazer? Pode contar comigo, porque eu gosto de dificuldade. Nós humanos gostamos, queremos coisas difíceis, que sejam estimulantes. Porque fazer sempre o mesmo que eu já sei, perde a graça. A vida é esse estímulo que vem no dia a dia, quando eu percebo que mesmo numa atividade tão simples como lavar um prato, eu posso fazer arte. O quanto que eu uso o mínimo possível de detergente, de água, como é que eu limpo não deixando lixo na pia. Então você faz disso uma arte, e não pensa que é uma coisa chata!

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NÃO ESTOURE. RESPIRE!
A correria exige pausa. E, entre uma coisa e outra, é preciso respirar. Literalmente. A respiração é a solução também nos momentos de raiva. Com os impulsos das emoções, evitar o primeiro "golpe", ainda que verbal, ajudará a neutralizar mais raiva e violência. "Quando se reconhece o vício, seja raiva ou ciúmes, a mudança começa a acontecer", ensina a monja. Não acolher ofensas, mais deixar passar, é possível, mas exige treinamento. Contra a raiva, respire.
Em seu livro "Viva Zen", ela ensina. "Já tentou fazer isso? Esvaziar os pulmões, esvaziar os pensamentos, esvaziar as emoções? Ao expirar solte todo o ar de dentro do corpo. Todo o que puder. E não pense em nada. Apenas perceba, concentre-se nesse ar saindo. Torne-se seu corpo. Torne-se esse ar. Parece bobagem. Claro que somos nosso próprio corpo. Nem sempre lembramos, sonhamos ou percebemos o ar que respiramos. (...) Acordados em conexão com a vida cósmica, que é a nossa própria vida. A vida do eu sendo vivida pelo eu".
Ela orienta ainda mudar a "fórmula" da vida, até chegarmos à equação certa. "Somos resultado de causas e condições. São nelas que mexemos para obter mudanças".

A PAZ NO CAOS 
Monja Coen vive numa comunidade Zen Budista em São Paulo, a capital do movimento. Perguntada sobre como encontrar a paz no caos, ela sorri. "A gente fala que caos não tem plural. É exatamente o lugar excelente para se praticar a paciência, a temperança, a tolerância, a acolhida ao que é diferente de mim, o respeito às inúmeras maneiras de ser, de pensar e de viver na cidade. É um centro de treinamento intensivo. Se você vai para uma montanha, para a praia, daí é extensivo, não há tantas provocações. Na cidade, você está o tempo todo sendo provocado por situações que você tem que responder. E como é que a gente responde de uma forma iluminada, coerente com os seus princípios? É bem instigador. É bom".

ÉTICA, ACIMA DA RELIGIÃO
"Sua Santidade Dalai Lama diz assim: 'nós temos que educar, e não é educação religiosa. Vocês estranham eu ser um religioso falando isso. Nós temos que educar e formar pessoas éticas, independente se elas têm fé ou não'. Isso para mim é muito importante e eu acredito, por isso repito. A ética não tem nada a ver com ser ou não ser religioso. Pode ser absolutamente ateu e ser maravilhoso. A gente tem que incluir todos os seres. Essa é a diferença. Não é só grupo que pensa como eu, que segue a minha tradição, todas as tradições são acolhidas e essa casa faz isso, por isso é importante", disse, sobre a impressão que teve com o grupo que conheceu em Limeira.


Do jornalismo ao mosteiro

Entrevistas, motos e rock'n'roll faziam parte da rotina da paulistana Cláudia Dias Baptista de Souza. Repórter do recentemente extinto Jornal da Tarde, foi entre uma pauta e outra que ela conheceu o zen-budismo. Mas até ser ordenada e tornar-se a monja Coen, em 1983, foi um longo caminho que passou pelos estudos em Los Angeles (EUA), um convento feminino no Japão e liderança de atividades nas comunidades budistas do Brasil.
"Era uma época bonita, que era romântica com a profissão, acreditava no que estava fazendo. O jornalismo nos obriga a entrevistar tantas pessoas de níveis sociais e pensamentos diferentes, que a mente se expande, a capacidade de percepção se abre. Nos faz pensar se podemos fazer algo diante das diferenças sociais, quando uns passam fome e miséria e outros jogam fora".
Com este pensamento, o zen-budismo aparece numa matéria sobre sociedades alternativas. Foi o início de uma jornada na qual ela nunca pensou em desistir de tornar-se monja. "Os princípios estavam lá, de sair do 'eu', da visão de mundo transformada pelo encontro com o outro, que se torna mais ampla. Questionar quem é esse ser humano, mesmo que seja o pior bandido. Quem é? Por que fez isso, como pensa, como age? É um ser humano como eu. Você rompe barreiras da diferenciação do outro".
Da fase rock'n'roll para a meditação, o foco em superar barreiras. "Foi difícil a vida no mosteiro, não falava japonês, os relacionamentos eram diferentes, de culturas diferentes. Mas não pensava em desistir. Pensava no que fazer para superar, que dificuldades eram aquelas, que karma era aquele meu que tinha que passar por aquelas dificuldades, como lidar. Pegava os sutras, os textos sagrados, procurando encontrar o caminho. E a minha superiora sempre dizia: é o seu coração. As dificuldades que você encontra na sua vida têm a ver com você, a sua mente, o seu coração. Na hora que você abrir o seu coração e abrir a sua mente, tudo se transforma à sua volta. Mas podiam me falar o que fosse, eu não conseguia entender. A mestra dizia: olhe para Buda. Eu olhava para o altar, a imagem, mas não era isso. Olhe para a sabedoria perfeita em você. Você acessando essa sabedoria, as coisas mudam à sua volta. Mas tem um processo de maturação. Cada pessoa tem o seu tempo, mas tem que fazer as práticas. Prática é realização". Ela exemplifica com a profissão que deixou. "Você será melhor quanto mais escrever. Terá mais facilidade, mesmo quando o texto é difícil, delicado, e provocou, estimulou. E é isso que é a nossa vida". (Daíza Lacerda)




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