domingo, 13 de fevereiro de 2011 | By: Daíza de Carvalho

O tabu da homossexualidade dentro de casa


Daíza Lacerda
Especial para o Jornal da Mulher

A situação já melhorou bastante. Mas ainda falta muito para o fim do preconceito aos homossexuais, sobretudo entre a família. A comunidade LGBT (de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) ainda convive, além do processo de autoaceitação e a da sociedade, com a negação dos pais.
"Hoje se fala muito da diversidade. Está na novela, no BBB, e pensamos que está tudo muito melhor, com maior respeito. Mas a verdade é que dentro de casa não melhorou quase nada". Esta é a conclusão de Edith Modesto, doutora pela USP, pesquisadora em diversidade de orientação sexual e fundadora da ONG Grupo de Pais de Homossexuais (GPH), formado em 1997, em São Paulo. Ela escreveu três livros sobre o assunto  e há quatro anos coordena ainda um grupo específico para os filhos, que chega a 100 jovens LGBT. Ambos os grupos têm o propósito de buscar a aceitação dos jovens homossexuais pelos seus pais. "Há meninos e meninas de 12 a 24 anos, inclusive passando pelo processo de autoaceitação. A maioria ainda não se assumiu porque eles próprios não se aceitam por ter medo de perder o amor dos pais".
Entre os sentimentos mais fortes dos pais estão o medo, a culpa e a vergonha, acompanhados do fatídico pensamento "onde foi que eu errei?". "É um medo que nem sabem direito do que é, e a vergonha é o que mais demora para desaparecer. É como se fosse uma mancha na família, com muitos sentimentos negativos ao mesmo tempo que amam os filhos", diz Edith.
E é o amor que levou cerca de 200 pais a procurarem o grupo. O número é o atual, considerando que há um rodízio depois que os pais passam a aceitar os filhos. Além da aceitação, o grupo visa evitar tragédias maiores. "Embora não tenhamos estudos científicos feitos no Brasil, sabemos que é alto o índice de suicídios", revela.

Amor. Incondicional?
"É importante que esteja claro para os pais que eles não têm como escolher o caminho do filho, tanto profissional como afetivamente. É preciso aceitar a diversidade, que ninguém é igual a ninguém", sustenta a psicóloga Maria Rita Lemos.
Mas os sentimentos dos pais, no início, é em relação a eles próprios e de serem criticados pelas costas devido à condição do filho, explica Edith. "Num primeiro momento, não é considerado o sofrimento do filho. Os pais pensam que é uma escolha ou doença e querem dar limites, castigos e levar a terapeutas para se 'curar'. Homossexualidade não é uma escolha e nem doença".
Para Maria Rita, os pais ainda não conseguem ver a questão com simplicidade. "A sociedade combate tudo o que é diferente, que não está de acordo com as normas culturais ou religiosas. Há sempre uma expectativa da humanidade em relação ao usual, à maioria. Mas o que que é ser normal? O que é determinado para a maioria? O que me faz feliz é o normal da minha vida", declara.
Edith reflete um pouco o lado dos pais. "De certa forma, não podemos criticá-los porque são preparados para ter filhos heterossexuais e é difícil aceitar a decepção e contruir novos sonhos", analisa.
E o fim dos sonhos, de ver o filho casar e de ter netos, também pesa junto com a forma como a sociedade encara, pontua Maria Rita. "Muitas vezes a felicidade que o filho quer é diferente. Geralmente os pais preferem pensar que pode ser uma fase, mas se realmente existe uma orientação bissexual ou homossexual, há dois caminhos que o filho tem a seguir: permanecer na vontade dos pais e viver infeliz ou assumir, o que é difícil para os pais, mas o filho também precisa de ajuda", diz a psicóloga.
No GPH há pais de jovens inclusive acima dos 25 anos de idade, separados dos filhos devido à negação em aceitar a diversidade. O site do grupo é www.gph.org.br e o telefone é (11) 3031-2106. Há mães de todos os níveis sociais e culturais.


O desafio da aceitação

O Jornal da Mulher ouviu uma mãe facilitadora do GPH, que hoje atua no processo de aceitação dos pais à homossexualidade do filho, além de uma jovem homossexual e a sua relação com a família. Elas contaram suas experiências, cada uma de um lado da questão:

"Minha filha tinha 23 anos quando me contou que era homossexual, o que para mim foi um grande choque. Ela havia namorado rapazes, chegou até a ficar noiva. Me senti muito mal, com muita culpa, e entre tantos sentimentos conflitantes encontrei o grupo pela internet. 
Existem muitos conceitos errados, eu achava que tinha a cabeça aberta até precisar lidar com o próprio preconceito. Li livros, participei das reuniões, que têm mães de todo o Brasil, e trocamos muitas experiências. Não fosse por isso, estaria sofrendo do mesmo jeito até hoje, passado mais de um ano. 
Continuava amando a minha filha, mas a situação interferiu em nosso relacionamento, não conseguia falar do assunto, que machucava emocionalmente. Foi quando procurei ajuda para entender. 
A sensação é de um atestado de incompetência como mãe, de sentimentos muito pesados e tristes. Como podia ter tanto orgulho num dia e tanta vergonha no dia seguinte? Tudo o que eu lia fazia sentido racionalmente, mas o coração não acompanhava. É um processo de luta dia a dia, parece que o mundo cai e os sonhos desabam. Morremos por sonhos e conceitos errados e vamos construindo tudo de novo e vemos que o caráter de nosso filho é o mesmo, suas qualidades estão inalteradas e não têm acrescido nenhum defeito. 
Hoje, nosso relacionamento é melhor do que antes, e agora posso ver o sofrimento dela enquanto tentava ser o que não era, o quanto deve ter sido aviltante ter de se autoaceitar até não aguentar. Quando se pode assumir o que é, tudo muda e a pessoa se sente mais livre, mais segura. 
Agora orientamos os jovens como falar com os pais e fazer o processo de aceitação. É preciso abrir a mente e o coração. Os pais precisam procurar ajuda, porque muitos cristalizam no sofrimento há muito tempo. Não tenham vergonha de buscar informação correta. Vão descobrir que têm, sim, preconceito, e que procurar pessoas na mesma situação só vai fazer bem. Um filho homossexual ou une ou desaba a família e hoje eu ainda estaria chorando pelos cantos como no primeiro dia. 
O pensamento de que 'vai passar' é o primeiro erro, assim como viver na própria vergonha e não dar um passo adiante. Nossos conceitos se reconstróem e nos ajudam a tirar outros preconceitos. É possível nos modificar e descobrirmos que temos como sermos seres humanos melhores"
Cristina de Sábata, 50, advogada e mãe facilitadora do GPH

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"Em 2002, com 17 anos me 'descobri' e tive meu primeiro relacionamento com uma mulher, que durou cerca de 3 anos. Em 2007 minha mãe (que até então não sabia de nada) descobriu através de algumas cartas que encontrou. Eu estava longe, nos EUA e ela aqui no Brasil. Foi bem dificil, minha mãe é uma pessoa que se preocupa extremamente com o que os outros vão pensar ou comentar, com uma vida social super ativa. Ligou pra mim, disse que descobriu tudo, que Deus fez a mulher para o homem e não o oposto, que eu precisava mudar, que ela jamais aceitaria. Depois disso minha vida virou um inferno, era minha mãe me cobrando o tempo todo pra saber se eu ja havia mudado. E por mais que eu tentasse explicar que isso não é o tipo de coisa que você decide virar (homessexual), isso acontece, e aconteceu sem eu esperar, não planejei, e também não foi fácil para mim. Tive que ouvir da minha própria mãe que para ela seria mais fácil lidar com um filho doente ou mau caráter do que com uma filha gay.
Época difícil. Mas como esconder sempre foi uma coisa que me deixou muito mal, acabou sendo 'ótimo' por mais doloroso que fosse, porque finalmente eu não precisava mentir. Hoje eu penso diferente, não faria ela passar por isso, não tem necessidade, é sofrimento demais. Ela chegou a dizer que não tinha mais motivos para viver, que toda a felicidade dela havia acabado, e que só não tiraria a própria vida em consideração à mãe, mas que fora isso não tinha nada a perder. Enfim, chantagem emocional não faltou. 
Tem que ter muita força para passar por isso. É cobrança o tempo todo. Minha mãe não conseguia me encarar nos olhos. Cheguei de viagem e ela mal me abraçou, foi horrível. Me sentia uma estranha na minha própria casa. Não tinha conversa, ela se fechou completamente. Meu pai tentava fazer o meio de campo, de imediato disse que estaria ao meu lado independentemente de qualquer coisa, que o amor dele era maior que tudo. Depois de um tempo, que não demorou muito, minha mãe fez a cabeça dele, então rezavam o tempo todo para Deus me iluminar, me mostrar o caminho...
Bem complicado. Não desejo que ninguém passe por isso. Mas como o tempo resolve tudo, as coisas foram se acertando, minha mãe passou a tentar 'aceitar', ou pelo menos respeitar minha opinião. Tinha proibido minha namorada de entrar em casa e passado alguns meses já fazia questão da presença, para que assim ela fosse aprendendo a conviver e entender isso tudo.
Hoje trata a mesma muitíssimo bem, como da família mesmo, respeita, inclui ela nos programas. Enfim, está de parabéns, sei que não é fácil, ainda mais para quem viveu numa época completamente diferente, essa modernidade realmente assusta. O restante da família me recebeu de braços abertos, mas, como dizem, pimenta nos olhos dos outros é refresco...
Acho que minha mãe decidiu deixar os preconceitos de lado e passou a aceitar quando percebeu que estava me perdendo. Foram muitas conversas, muita roupa suja lavada, mas no fim tudo deu certo".
J.P., 26, assessora


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