sexta-feira, 23 de setembro de 2011 | By: Daíza de Carvalho

Dia Mundial sem Carro: sobre pessoas e veículos

Daíza Lacerda


As cidades nasceram a partir da união das pessoas. Hoje, a organização do espaço para abrigar seres humanos parece ter perdido sentido, já que a preferência agora é dos veículos. Essa foi uma das considerações apresentadas no fórum “Cidades, bicicletas e o futuro da mobilidade”, evento que trouxe David Byrne ao Brasil para discutir o assunto, em julho. Quem se recorda de hits dos anos 80 como “Psycho Killer” e “Burnin’ Down the House”, lembrará que Byrne foi o líder do Talking Heads. O músico viajou o mundo de bicicleta, em experiências que deram origem a um livro. A partir de São Paulo, percorreu países da América Latina para mostrar desde sistemas falidos (como o espaço ‘morto’ que representa um estacionamento) a medidas possíveis a médio e longo prazos com o incentivo ao transporte público e uso das bicicletas para a mobilidade urbana.
Se na capital é grande a mobilização para levar a cidade de volta às pessoas, Limeira vai na contramão. A calma interiorana creditada a nós e cidades vizinhas é ficção há muito tempo. Basta tentar passar por uma das inúmeras rotatórias em horário de pico para testar a paciência do motorista. E vale observar também quantos carros tem mais de uma pessoa.
É absolutamente possível usar a bicicleta como transporte em Limeira. Mas se é um desafio a tentativa de passagem por uma rotatória motorizado, a pé ou de bicicleta é pior ainda. Ciclofaixas? Temos! Que levam de nada a lugar nenhum. Para cruzar regiões opostas, não existem faixas específicas ou alternativas ao perigo das rotatórias. Será por falta de “espaço”?
Como a preferência é para os carros, e não para as pessoas, é mais fácil reduzir calçadas e eliminar árvores para aumentar as ruas do que pensar em medidas para reduzir ou organizar a circulação. Planejamento zero, em uma situação que não é privilégio de Limeira. Mas não é preciso ir longe para se inspirar em alternativas, ainda que seja o início de uma discussão. Piracicaba movimenta nesta semana atividades e debates no Dia Mundial Sem Carro. E sua população não é tão maior quanto a de Limeira.
Se é difícil deixar o conforto do carro para pedalar, mais improvável será optar por um ônibus, que na situação atual vai na contramão do custo-benefício. Melhorar o transporte público é alternativa para reduzir engarrafamentos. Mas quem vai pagar caro pelo atraso, demora de itinerário e carros superlotados, a não ser pela extrema necessidade? Nem eu.
O fórum em São Paulo reuniu autoridades e ativistas, como o sociólogo Eduardo Vasconcellos, que fez observações interessantes que se aplicam a toda cidade que tem a frota de carros crescendo em detrimento da presença humana nas ruas. “Uma coisa que me impressiona demais em São Paulo e no Brasil todo é o pedestre que cruza a via em cima da faixa de pedestre e agradece o motorista que para. Esse é o sinal mais claro da ausência total de cidadania. É uma coisa trágica”.
Também comentou o que chama de “privatização do espaço público”. Uma família de baixa de renda ocupa menor espaço e consome menos energia do que as de classe média de quatro pessoas, que usam dois carros. Um pedestre ocupa 1 m², o mesmo que cada passageiro dentro de um ônibus. Motos, de 8 a 10 m², e bicicletas, 2,5 m². Automóveis ocupam 50 m² para rodar numa via pública. O sociólogo vai além. “É um enorme investimento social num sistema viário gigantesco, que na verdade é apropriado por uma parte pequena da sociedade que anda de automóvel. Isso constitui uma violência que sustentou muitos prefeitos da cidade, baseada num mito de que construir vias é democrático. Não é. Construir vias, numa sociedade como a nossa, é altamente antidemocrático”. Simplesmente porque jamais haverá espaço suficiente para comportar a demanda de veículos, no ritmo atual. “Se o automóvel necessita de 50 m² para conseguir circular numa velocidade de 25 km/h, é impossível acomodar todos os automóveis na cidade. Nenhuma sociedade no mundo conseguiu, nem a mais motorizada e mais rica do mundo, que são o Estados Unidos. Devemos lutar contra o mito de que o aumento das vias vai acabar com o congestionamento. Temos que tirar automóveis da rua em vez de fazer vias”, defendeu. A discussão completa pode ser assistida no link http://bit.ly/n9uW8R.
Limeira ainda não sinaliza o colapso. Mas exemplos não faltam, mostrando que não é difícil chegar a ele. Por isso o debate é necessário, não em detrimento dos veículos, mas a favor da vida, já que os maiores impactos são acidentes de trânsito, contaminação do ar e congestionamentos. Vale o conforto do motor, quando se perde tempo ilhado num mar de metal, enquanto a vida passa? É só refletir, no próximo congestionamento.



0 comentários:

Postar um comentário