quarta-feira, 27 de julho de 2011 | By: Daíza de Carvalho

A razão da condição - uma reflexão no Dia do Motociclista

Daíza Lacerda


Boa parte dos motociclistas (ou motoqueiros) vai se achar eternamente injustiçada no trânsito. Mesmo aqueles que usam vias públicas para fazer manobras perigosas como empinar a motocicleta. Motoristas também nunca perdem a razão, nem mesmo aqueles que têm no retrovisor e setas meros adornos em seu veículo e, nas ultrapassagens perigosas, um hábito.
De bicicleta é difícil importunar alguém, pensa o ciclista, mesmo que esteja trafegando na contramão ou na calçada - que é lugar de pedestre. Já o pedestre, este sempre tem razão. Principalmente quando faz travessia arriscada fora de sua faixa ou entre os veículos mesmo, na confiança do "vai que dá".
Nas ruas, todos têm a consciência dos seus direitos, sempre prontos a atacar a "navalhada" alheia. Sem (quase) nunca admitir as próprias, é claro. Isso acontece por um motivo muito simples: as pessoas não veem as vias como de uso COLETIVO. E, com cada vez mais gente e veículos, esse espaço será cada vez mais disputado. Efetivamente, ninguém terá uma faixa para chamar de sua em todo lugar. Ainda que se derrube metade das residências para construir vias de acesso. Falta "semancol"? Falta. E tolerância também.
O dia é do motociclista, mas não há razão para abordar apenas a sua condição, o seu papel (de exemplo ou vergonha) no trânsito. A invasão de motos é motivo de comemoração para o mercado. Fabricantes e revendas festejam, e usa-se o discurso de acesso e oportunidade de ter esses veículos como se fosse a maior das dádivas. Não é. Não, pelo menos, em sua totalidade.
Na raiz de muitos dos inúmeros motivos que levam alguém a comprar uma moto está a falta de planejamento e estrutura urbanos, além do custo-benefício. Seria lindo se todos deixassem seus carros em casa e não precisassem de motos porque o transporte público funcionaria de forma limpa, barata e eficiente. Só que, com o gasto mensal financeiro em passagens e de tempo com espera dos coletivos, paga-se uma moto tranquilamente. Ruim para os motoristas que vão conviver com elas no tráfego. Ótimo para o mercado. Péssimo para a Saúde, que tem chances enormes de precisar socorrer essa demanda, se a situação continuar como está (o que cu$ta para todos).
Os recordes de produção, importação e vendas são reluzentes para a economia e desenvolvimento nacionais (o que se aplica também aos carros). Mas são manchados pelo sangue das estatísticas que nunca apontam redução nos acidentes e mortes envolvendo estes veículos. A culpa é de quem? Do Estado, que não tem rigor na hora de habilitar motociclistas (e fiscalizá-los) ou do condutor inconsciente, que não pensa na segurança de seus atos, que dirá nas atitudes que prejudicam o próximo?
As vendas não vão parar. E os acidentes... Bem, o trânsito é cada dia mais "cada um por si". Mesmo sendo um espaço coletivo, ironicamente. É uma via de dois sentidos. Em um, confia-se em São Cristóvão (sua proteção lá e a nossa sensatez aqui). Na outra, só lástima. É o que resta.
Quando se discute a questão não só das motos, mas do trânsito, cada um defende a sua razão. Todos tem algo a atacar contra o próximo e a defender a seu favor. Sou "eu contra o trânsito". Nunca "eu E o trânsito". É lutar contra algo que só vai piorar, certamente, em termos "físicos". No que diz respeito à convivência, depende de cada um uma efetiva mudança no todo. Não é apenas caso de polícia ou de política, mas além: é questão de cidadania. Seja de carro, moto, a pé ou de bicicleta.



Publicado na Gazeta de Limeira, no Motonauta e LideBrasil.


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