domingo, 3 de julho de 2011 | By: Daíza de Carvalho

Jovens deixam emprego para se dedicar à vida missionária

Daíza Lacerda


Missão que tira moradores das ruas tem jovens que veem na religiosidade uma vocação

Aos 72 anos, seu João mostra habilidade para montar um barco com palitos de fósforo e papel. Ele diz que aprendeu a arte quando passou um tempo num seminário em Santa Catarina. Ele, que é limeirense, mas andou por vários Estados, está há um mês na comunidade São Judas Tadeu, atendido pela missão Anjos da Noite. "Fiquei um tempo nocauteado. Mas estou melhorando", diz ele, que é o mais velho da casa.
A Gazeta mostrou nas duas últimas semanas a situação de moradores de rua e a iniciativa da missão, que busca dar alternativas aos que não têm casa, proporcionando refeições, local para ficar e regularização de documentos, para encaminhamento ao trabalho. O projeto é apoiado pela Paróquia Santa Isabel. "Quando os encontramos, eles estão perdidos, e para conseguirmos aproximação, leva um tempo. Sentem-se muito machucados, têm falta de cuidado humano", diz o padre Valdinei Antônio da Silva, da paróquia.

VOCAÇÃO
Deixar o emprego para se dedicar a uma causa não foi atitude tomada apenas por Albert Henrique Neves, o Betinho, que coordena os trabalhos, mas também por William Semprebom, 22, um dos fundadores da missão. Aos 20 anos, Anderson Euzébio Bonfim é outro voluntário que até tentou ficar longe do projeto, mas a vocação em ajudar venceu.
Há quatro anos ele estava indeciso sobre qual caminho seguir, enquanto a pastoral de assistência aos moradores de rua se estruturava. "Aprendemos como agir com ele, fazer a abordagem de maneira certa. O principal é que somos iguais, sem jamais colocá-los abaixo ou nos acharmos superiores", declara Bonfim.
Ele começou a trabalhar e passou por vários trabalhos até que, em um retiro vocacional percebeu que deveria mesmo se dedicar à vida missionária. "Tive bons empregos, mas não estava feliz", revela.
Ele elege como a maior dificuldade da missão o trabalho com os vícios. "Continuar a luta dentro da igreja é possível, mas e lá fora? Dos que encontramos, o que bebia menos ingeria três corotes", exemplifica.
A dedicação causou mudança em todos no trabalho de tirar as pessoas da rua e recolocá-las na sociedade, com recuperação física e espiritual. "Tudo acontece aos poucos, enquanto o corpo se acostuma sem as drogas ou a bebida. Os que querem mudança continuam conosco".

VOLUNTÁRIOS
O cabo Francisco Alves tem colaborado com a recuperação do grupo de abrigados, por meio de palestras abordando o lado psicanalítico. "Tentamos mostrar os valores que devem resgatar, e que perderam por decepções na infância ou na juventude. Passaram pela missão pessoas que estudaram bastante, mas que tiveram desilusões amorosas e abandonaram tudo e posteriormente se renderam ao álcool ou drogas", explica.
São valores novos, mas que já está dentro de cada um, acredita Alves, e que os ajudarão a conviver em uma nova sociedade. "O álcool e as drogas se tornaram fuga de um problema que não souberam resolver. Mas percebemos a vontade de muitos em ser resgatados".
Enquanto muitos perdem a referência no dia a dia da rua, nem todos tiveram oportunidade anterior de mudança e, na acolhida da missão, buscam a religiosidade. "Precisamos chamar atenção da sociedade que nas ruas há pessoas muito boas, mas que perderam o sentido da vida. Estão embaixo das pontes, mas são dignas", atesta.
Enquanto muitos ainda mostram resistência à ressocialização, outros já voltaram aos seus lares. Quem resiste passou por problemas familiares como traição, e, ao perder tudo ao ex-cônjuge temem criar novos bens e perdê-los novamente. "É preciso mostrar uma direção e, principalmente, enaltecer o trabalho da missão. Quantos jovens abrem mão de coisas como o emprego para se dedicar a quem sequer conhece?".


Missão cresce, mas precisa de apoio para ampliar atendimento
Padre Valdinei ressalta que o bonito é o que inspira a missão, ao revigorar a solidariedade. "A atualidade é de grandes desafios e nela encontramos campo para a missão, ao cuidar dos que mais precisam, ir ao encontro dos que sofrem mais. Neste trabalho, estende-se a mão para ajudar a cuidar dessa ferida social".
Ele avalia o trabalho como ainda pequeno, mas com um reflexo importante. "Cada vida que conseguimos ajudar é de valor incalculável. Vemos que muitas pessoas que chegam a essa situação têm formação acadêmica, bastante estudo".
O condicionamento à rua e suas ameaças e necessidades leva muitas pessoas a perderem a representação do "normal". O padre conta o caso de uma pessoa abordada que não aceitou comida de uma das pastorais da missão. O morador de rua dizia que, enquanto houvesse lixo em Limeira, não passaria fome. O último alimento que havia recebido de alguém era um sanduíche, entregue após o "doador" cuspir no lanche, contou o homem.
Depois do passo inicial da adaptação para dar prosseguimento ao projeto, que começou há quatro anos com a entrega de comida nas ruas, o que continua sendo feito aos domingos à noite, até o acolhimento, que teve início neste ano, a missão vem crescendo, e as necessidades também. "A sociedade civil e algumas empresas têm nos ajudado, mas o nosso grande desafio é um local adequado, já que o atual é adaptado", lembra o padre. Apesar de o acolhimento estar praticamente no limite do imóvel da comunidade São Judas Tadeu, que fica na Vista Alegre, ele garante dá-se um jeito, mas o apoio é certo. No entanto, a iniciativa precisa de mais ajuda, tanto da sociedade civil quanto das empresas, inclusive as grandes. "Agradecemos aos voluntários e todos que nos apóiam. Toda ajuda é bem-vinda para que possamos dar continuidade a proposta do trabalho". (DL) 

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