terça-feira, 23 de fevereiro de 2016 | By: Daíza de Carvalho

O senso crítico sepultado pelas redes sociais

Daíza Lacerda

Ler é um dos hábitos que mais contribui para o nosso senso crítico. Mas essa recomendação é de uma época em que não existia a rede social virtual. Agora, partimos para uma cultura de leitores de títulos. Foi assim que um golfinho "morreu de selfies" na semana passada. As pessoas mal acabam de ler a primeira linha e replicam sem o mínimo questionamento. Um vício normal num mundo em que todos têm o poder do verbo na ponta dos dedos. Pode-se achar o que quiser, xingar quem quiser, repercutir o que quiser, independentemente se o farto é real ou falso.
Em nossa rotina na redação, aparecem casos que parecem, de fato, inventados, mas só vai para o papel aquilo que foi apurado, checado com fontes, a princípio, confiáveis. É mais responsabilidade do que parece. Como num caso em que começou a pipocar a informação de que uma pessoa reconhecidíssima no meio social de outras épocas havia morrido. Vários convivas garantindo que era verdade. Menos a funerária. Pessoas que não se deram ao trabalho de pegar o telefone e ligar para a casa da pessoa. O que ouvi do outro lado da linha foi um "Jesus, misericórdia! É claro que está viva!". Gravemente doente, a pessoa pereceria pouco tempo depois. De verdade.
Checar a procedência deve ser regra para quem escreve e para quem lê. Mas não deixa de ser uma falta parcialmente justificável pelos leitores, já que inúmeros veículos respeitáveis têm escorregado na apuração, em meio à corrida louca pelo furo virtual. Sob a bandeira de que "saiu em tal portal", verdades duvidosas têm sido propagadas. Inclusive da causa da morte do golfinho.
Alguns fatos são tão absurdos que berram por uma confirmação. Foi o que senti ao ler sobre a Cláudia Leitte ter sido beneficiada em edital do governo para captação de alta cifra em recursos fiscais para produzir um livro. Ainda tentei confirmar se não era notícia do Sensacionalista, um portal declaradamente inverídico. Não era.
Uma coisa é não ser imune a erros, como todos não somos. Erros de apuração e fontes que voltam atrás na declaração são situações às quais estamos sujeitos. Outra é a má-fé, da qual foi vítima o jornalista Leonardo Sakamoto. Um jornal mineiro publicou uma entrevista falsa com ele, possivelmente usando fragmentos de seus escritos em seu blog de forma descontextualizada, no qual ele partiria contra idosos e aposentados. Mesmo com a retratação do veículo, o estrago estava feito, com Sakamoto recebendo milhões de ameaças. De pessoas que provavelmente não pesquisaram a fundo a trajetória do jornalista. Tampouco a credibilidade do veículo.
O grave é que essa situação será muito potencializada agora, no período eleitoral. Cada um repassa o que lhe agrada, defendendo ou culpando, sem nenhuma análise aprofundada. Discursos serão engolidos como suco gelado numa tarde quente, sem que se olhe para trás e se pese o quanto avançamos ou regredimos, de fato. As pessoas vêm perdendo o poder da análise e argumento, que se conquistam com o tal senso crítico, e indo muito além de um título.
Não há democracia na rede social. Ali, reina o controle das nossas preferências, de mostrar e ver o que se deseja, comprar passivamente "ideias" vendidas. Sem olhar e pensar fora da timeline, continuamos distantes da pátria justa que tanta gente busca. Só que não dá para ter uma boa discussão (virtual ou cara a cara) no grito. E não é fácil formar ideias. Exige dedicação e tempo. Muito além do instante de um clique.

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