quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016 | By: Daíza de Carvalho

Ao mestre

Professor Marcos Neves morreu. Soube há pouco pela rede social, na qual ele vinha anunciando o seu desfecho. Ao que tudo indica, os remédios normais não aliviaram a pressão.
Justamente nesta semana abordei em minha coluna a situação da educação, em especial o ensino público estadual paulista. Mas é iniciado um novo ano letivo, e será que alguma coisa vai mudar? Um único aluno, que seja, será inspirado dentro de uma sala de aula deste Estado? Alguém que não verá o estudo como um martírio, mas uma oportunidade?
O professor Marcos foi alguém que me inspirou. Mais de uma década atrás, quando equilibrava o "colegial" noturno na EE Gustavo Peccinini com o trabalho no comércio em tempo integral, ele foi um que usou seus horários de HTPC para dar aulas de redação. Numa época que quase ninguém cogitava isso, ele encorajava seus discípulos a tentarem o ensino superior.
O mestre é também um dos culpados pelo ofício que escolhi. A dedicação ao treino do uso correto e criativo das palavras devo a ele. Aquela chatice de corrigir sem cerimônia quem fala ou escreve errado, herdei dele. Sob as suas aulas consegui até ganhar um prêmio de redação. A incursão na literatura também foi culpa dele. Ensinou a enxergar obras como um passaporte para artes que imitam a vida, e não como mera obrigação escolar.
Acho que o professor foi uma vítima desse sistema arcaico de educação tanto quanto os milhares de alunos que são ejetados para o mundo sem noção alguma do básico (inclusive por falta de dedicação deles próprios). Mas não foi uma vítima passiva. Nos últimos tempos, enveredou numa militância política que mobilizou muita gente. Não acompanhei de perto. Por hábito e ofício, preferi me abster de alguns posicionamentos, e guardá-los para mim.
Mas o mestre não tinha papas na língua. Uniu-se a gente de índole duvidosa, é verdade. Ele mesmo não era nada santo. Mas a sua bandeira sempre foi a busca de um ensino digno, ainda que vociferasse desaforos por isso. Principalmente a quem merecia recebê-los. Embora nem sempre aprovasse os seus modos, entendia (e muitas vezes concordava com) os seus motivos. No fundo, acho que apenas tolerava as pessoas. Amava mesmo somente os seus bichanos.
O professor Marcos provavelmente mandaria eu me lascar se desejasse que descansasse em paz. Tenho minhas dúvidas se era mesmo a paz que ele queria. O que faz um combatente sem ter o que combater? Era um educador, jamais se licenciaria dessa missão de vida.
Somente ele sabia o peso da própria cruz. Não dos inúmeros receituários médicos, mas aquela que a ciência não pode diagnosticar. Mas se ele, que era persistente pra caramba ao ponto de ser chato, entregou os pontos, talvez não valesse mesmo a pena prolongar o sofrimento. Quem decidiu foi ele.
O professor Marcos desistiu. Mas, para mim, ele foi um dos primeiros a mostrar que existe um horizonte que nós, filhos da escola pública, teimamos em não enxergar (e buscar).
Que a farra seja boa onde quer que você esteja, mestre.


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