terça-feira, 1 de março de 2016 | By: Daíza de Carvalho

O custo social da impunidade

Daíza Lacerda

O rosto não aparece. Mas, na boca, é inconfundível o risinho da malandragem. Dentro da delegacia, o adolescente infrator não perde a chance de tirar sarro da sociedade. Diz que vai comer às custas do governo. Para a câmera, escancara a sua vitória. E ameaça. Não foi o primeiro roubo, e nem será o último. Se não obedecerem, não hesitará em atirar. O fracasso da justiça está explícito em vídeo do portal Rápido no Ar, do jornalista Lucas Claro (bit.ly/1LqEBuN), de Limeira. Ao documentar um roubo praticado por dois adolescentes, traz como "bônus" o depoimento de um deles, que tem o efeito ardente de um tapa na cara. O jovem não mente em nenhum momento. Para o desespero dos idôneos e que se acham livres.
Com a impunidade a favor deles, jovens roubam e ameaçam como se não houvesse amanhã. Tocam o terror. A passagem pela polícia vira uma mera formalidade cotidiana. Só que o prejuízo vai muito além de quem teve levado dinheiro, objetos e veículos, só para dar alguns exemplos do que foi apreendido com a dupla. São inimagináveis o tempo, energia e recursos dispensados para remediar um tumor que só cresce. Primeiro pelo caminho escolhido por esses jovens, que nos distancia do potencial de "país do futuro". Somos um país que consome muito, mas produz muito menos do que poderia. Em cada beco das periferias perde-se a oportunidade de tornar o país um real fornecedor, e não consumidor. Não de drogas, mas de tecnologias, soluções. Genialidades em potencial que poderiam ser promissoras na escola são cooptadas pelo conceito torto do dinheiro fácil.
A segurança também é mais comprometida do que imaginamos. É claro que nenhuma cidade tem o contingente ideal para a demanda. O que também é um senso às avessas, porque o certo não é ter muitos agentes, mas nenhum crime. Por mais óbvio que isso pareça, estamos no país de pessoas condicionadas a aceitar as exceções como regras. Mas o ponto é que enquanto os agentes estão atrás de molecadas que confessam a posse de drogas e roubam sorrindo, a possibilidade é grande de outras urgências ficarem desguarnecidas cidade afora. Agora imagine duas, três ou mais ocorrências dessas por dia. Na mobilização de escrivão, guardas ou policiais, cada ocorrência demanda no mínimo uma hora para ser registrada. O prejuízo é na ronda do seu bairro ou no atendimento de crimes mais graves.
Outro rastro da impunidade é o medo e a descrença, que leva muitas pessoas a deixarem de registrar ocorrência, numa realidade oficial camuflada e que, muitas vezes, deixa as próprias autoridades de mãos atadas. A criminalidade real não é conhecida a fundo porque as pessoas deixam de registrar ocorrências, por temor dos criminosos ou por achar que não vai dar em nada. Elas se esquecem que o cidadão tem o dever de ser agente da mudança, e não é a omissão que vai melhorar a situação.
Isso é um pouco do que acontece enquanto se arrasta a discussão da redução da maioridade penal. Embora eu seja a favor, dou o braço a torcer para o argumento de que não é isso que vai resolver o problema. Não vai. A complexidade passa por vícios em muitas outras leis além daquelas em relação ao adolescente infrator, pois a impunidade não é exclusividade deles. O fato é que enquanto não forem estabelecidas mudanças que levem a uma cultura de consequências legais sérias que evidenciem que o crime não compensa, vamos ter que continuar engolindo o riso dos malandros.

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