terça-feira, 22 de março de 2016 | By: Daíza de Carvalho

Os radicais não são livres

COLUNA RELEITURA - 22/03/2016

Os radicais não são livres

Daíza Lacerda

A foto de dois homens (um pró e outro anti governo) se agredindo em plena avenida Paulista já seria o bastante. Mas os inúmeros relatos de pessoas sendo machucadas e hostilizadas devido a posições políticas (não necessariamente expressas) são assustadores. Muita gente coloca a máscara do civismo para protestar na rua e pedir justiça, mas sustenta atos atacando e desrespeitando quem pensa diferente. Nunca antes na história deste país, como na última semana, o livre direito da expressão e opinião foi tão maculado. Talvez uma parcela esteja colocando em ação o anseio de retomada da ditadura militar. É o que parece quando só a própria convicção é que interessa, e os outros que se adequem ou sumam. Não é?
O festival de ataques e xingamentos vitimam até mesmo quem não quer entrar no fogo cruzado. A intolerância é um pavio que explode diante das cores que as pessoas usam, ou daqueles que usufruem de obras que um ou outro gestor fez. E por que todo mundo é obrigado a ter ou a expor um posicionamento? E daí se há quem queira ficar em cima do muro?
O problema não é a questão do posicionamento, mas do respeito. Quer cobrar o que na rua o "cidadão" que, para se impor, abusa das agressões verbais e físicas? Pode até parecer ingenuidade idealizar a paz num cenário de guerra em erupção. Mas esses eventos de intolerância só mostram que boa parte do povo não consegue ser melhor do que os responsáveis pelos males que eles dizem querer combater.
Não há como negar que o governo e o Judiciário forçam a amizade, cada um ao seu modo, o que até agora só serviu para acirrar a discórdia e chegar a conclusão nenhuma de efetivos culpados. Que é, de fato, o que interessa, por trás do show.
Não sabia se ria ou se chorava diante da chamada de um artigo do Jornal Nexo: "Como discutir política no almoço deste domingo e continuar na família" (http://bit.ly/1Ra1ke2). Na matéria, é considerada a análise de Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, que avalia que "o clima de expectativa sobre se o governo atual continuará ou não no comando e o debate sobre se a Justiça e o Congresso estão recorrendo a um vale-tudo têm feito com que as pessoas encarem quem discorda como um obstáculo à concretização daquilo que acreditam ser o melhor cenário - nesse caso, a permanência ou queda do governo". Então, como fica se cada um tratar alguém de posição distinta como um rival, um inimigo? E se esse respeito não existir nem entre familiares?
É claro que as pessoas são movidas por convicções. Afinal, são elas que nos moldam. Mas, quando se transformam em fanatismo, não há nada de construtivo, como a História não cansa de nos mostrar. O radicalismo, pior ainda. A História também tem exemplos, indigestos, daqueles que  tinham certeza de que eram donos da verdade e que valia tudo até as últimas consequências para impor a sua ideia de mundo.
Falta a muita gente que esbraveja um pingo de humildade para reconhecer a complexidade do caldeirão Brasil, com variáveis que fogem do nosso conhecimento e, principalmente, da nossa análise. Afinal, ninguém é dono da verdade.
Já é difícil o bastante estar preso numa teia de variáveis que não depende de nós, como regras da economia e surpresas da própria política. Mas triste mesmo deve ser tornar-se escravo de uma convicção, viver (?) acorrentado a uma ideologia.

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