domingo, 27 de março de 2011 | By: Daíza de Carvalho

Entre controvérsias, máquina que beneficiou café e ajudou Limeira completa centenário

Daíza Lacerda

Há quem diga que Trajano de Barros Camargo teria inventado a máquina de beneficiar café, ao atirar um grão contra a parede com um estilingue, cujo impacto tirava a casca do fruto. A experiência teria sido feita no início da década de 1920.

No entanto, há documento centenário que atestaria que o autor do invento era João Evangelista de Godoy, mecânico, morador de Jaú (SP), conforme patente de 23 de fevereiro de 1911. O registro é guardado por Otto Hornhardt, que coleciona materiais raros. “É uma história equivocada, a da autoria de dr. Trajano. Ele não inventou, mas teve a patente transferida em 1923”, afirma.
A invenção consta no documento, a Carta Patente, assinada pelo então presidente da República, Hermes da Fonseca,
como “um novo ventilador-aspirador para limpar e separar pedras, torrões e outros corpos estranhos do café”. A transferência para a B. Penteado e Cia (Machina S. Paulo), empresa de Trajano, data de 13 de dezembro de 1923, no documento.
Já no Suplemento Histórico da Gazeta de Limeira, publicado em 1980, consta que a patente de um secador de café teria sido vendida por um senhor chamado Nicolino Moreira, que veio a Limeira negociar com Trajano os direitos sobre a invenção.

INDUSTRIALIZAÇÃO

Questões de autoria à parte, a máquina de beneficiamento de café foi uma das produções importantes no cenário pré-industrial de Limeira, alavancado pelas fazendas de café, num pontapé da expansão cafeeira. “A Machina S. Paulo foi a primeira a fazer máquinas para as fazendas, e deu origem às demais indústrias como a D’Andréa, Zaccaria e Fumagalli”, lembra Juliana Binotti, arquiteta do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico e Arquitetônico de Limeira (Condephali), e que acompanha a restauração de parte do prédio onde funcionava a “indústria-mãe”, que abrigará um centro comercial.

TRAJETÓRIA

O beneficiamento de outros alimentos, como arroz, foi explorado pelas empresas que nasceram com ex-funcionários da Machina S. Paulo.
Fundada em 1914 pelo dr. Trajano, com o então cunhado Antonio Augusto de Barros Penteado, a produção de máquinas foi iniciada em barracão próxima à linha férrea, no início da atual Rua Dr. Trajano. A família detinha não só os barracões, onde são hoje a Escola do Trabalho e Central de Ambulâncias, mas também a casa onde funcionou a Câmara Municipal e Secretaria Municipal da Educação, atual Procon, e todo o terreno do zoológico, incluindo o lago.
Após a morte de dr. Trajano, sua esposa Maria Tereza de Barros Camargo assumiu não só a empresa, mas também a administração municipal, antes de se eleger deputada estadual, de 1934 a 1937, no pioneirismo da mulher na política.
O Suplemento da Gazeta registra ainda que, após algumas crises (como a de 1929, que afetou o mercado de café, e o início da 2ª guerra), nos anos 40 teve início a produção material bélico, como máquinas de canhão. Mas a fabricação só engrenou após o fim da guerra e a empresa se envolveu em novas dívidas e passou a mesclar a produção, que ia de peças para tratores e caminhões a botijões de gás.
Em meio às dificuldades, a Machina S. Paulo foi vendida em 1962 para a Mercedes-Benz. Segundo Juliana Binotti, a área do zoológico foi doada pela empresa à Prefeitura em 1966, mas os barracões, que se estendiam da Avenida Campinas até a área onde está sendo contruído o Terminal Urbano, ao lado da rodoviária, foram comprados por outras empresas. “A área foi decretada de utilidade pública em 1994. Isso é feito quando existe interesse do município em uso do imóvel voltado para questões sociais”, explica ela, sobre a desapropriação.
Não bastassem os altos e baixos na produção industrial e a situação financeira da Machina S. Paulo, a própria estrutura física de parte dos barracões sustentou por décadas as ações do tempo, até o forte temporal no fim de janeiro, quando ruiu parte da fachada, que passa agora por obras.
No local que marcou época no desenvolvimento industrial de Limeira, serão conservadas as paredes de tijolo que ainda restam, mas o terreno terá construções novas em obra orçada em R$ 7.681.387, 33, que deverá durar um ano.
Do passado, resta ainda um tipo de piscina, que estava aterrada até o início das obras. “Já ouvi dizer que era onde os cavalos tomavam água, mas era uma espécie de lago, um espelho d’água”, diz Juliana. O que ele reflitirá daqui para frente será outro capítulo da história.

Publicado na Gazeta de Limeira.

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