terça-feira, 5 de abril de 2016 | By: Daíza de Carvalho

Entre a futilidade e a utilidade

COLUNA RELEITURA - 05/04/2016

Entre a futilidade e a utilidade

Daíza Lacerda

No meio da tarde, na sala de espera do consultório, a TV estava ligada no programa da Sônia Abrão. A pauta nos primeiros dez minutos de espera era sobre se a Joelma estaria se encontrando às escondidas com Chimbinha, com direito a diversas consultas de posts nas redes sociais de pessoas próximas ao suposto ex-casal da banda Calypso. Como uma profissional que se dedica à informação útil e livre de qualquer especulação, fiquei assustada em imaginar a dimensão de telespectadores que passa as tardes se nutrindo de coisas do tipo.
No dia seguinte, no atendimento do laboratório de análises clínicas, havia um painel generoso para os pacientes escolherem o que ler durante a espera. Tinha a edição da Gazeta fresquinha naquela manhã, mas uma mulher preferiu pegar a revista Caras, que estava ao lado. Me perguntei por quê. Talvez já tivesse lido o jornal. Talvez as férias dos famosos sejam mesmo imbatíveis em relação ao que de mais urgente acontece na cidade.
Não é difícil perceber que os jornais estão enxugando, mas as revistas de celebridades aparecem aos montes. A análise da motivação desses públicos merecia algum tipo de estudo sociológico (se é que já não há). Por mais sedutora que seja a imersão temporária no mundo da fama e fortuna, é inevitável a hora de nós, pobres mortais, encararmos a vida real sem o mesmo glamour.
Me pergunto qual o tamanho da parcela de pessoas que estão cansadas demais da política, da violência, das carências, e se refugiam na realidade paralela do bordão que está em alta, da plástica das famosas, da nova namorada do galã ou do barraco da vez. Não me preocupa o gosto, pois os públicos devem ser plurais. O que assusta é a falta de critério para o que se vê e o que se lê. O quanto disso "forma" um cidadão?
Perdeu-se a linha entre o entretenimento e a banalização, num círculo de inutilidades que tomam um tempo precioso e fazem a cabeça das pessoas, o que elas não necessariamente percebem. Quem trabalha com comunicação sabe que dez minutos na TV é uma eternidade. Tempo inestimável para editar uma reportagem especial, sendo que as cotidianas não passam dos dois minutos, se muito. Imagine quanta informação caberia numa tarde inteira em rede nacional, se esse fosse o interesse?
Também não mensuramos o valor do tempo nas redes sociais, tampouco aplicamos o filtro da utilidade no que acessamos do outro lado da tela. Um exemplo foi outra discussão da semana, sobre a barriguinha da Luana Piovani nas fotos de bastidores de seu ensaio para a Playboy. Ela foi julgada por pessoas que devem ter o porcentual de gordura três vezes maior que o dela, mas perdeu-se a oportunidade de analisar que o anormal não é a modelo ter barriga, mas o excesso de edições nervosas que as fotos das famosas são submetidas, praticamente desfigurando gente como a gente. Mas parece que a vida real perde a graça. Bom mesmo é ter uma deusa produzida no Photoshop para servir de parâmetro de beleza, imagino.
Não é pecado nenhum se deixar levar pela ilusão. Mas, na vida real, ela tem um custo, que pode ser muito alto. Porque é o telespectador da Sônia Abrão e o leitor da Caras que também vão escolher gestores em outubro. E, como quem se preocupa com informação sabe, o mundo aqui fora é outro bem diferente daqueles que preenchem a grade televisiva das tardes e as ilhas paradisíacas.

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