terça-feira, 12 de abril de 2016 | By: Daíza de Carvalho

No trânsito, a crise é de conduta

Coluna Releitura - 12/04/2016

No trânsito, a crise é de conduta

Daíza Lacerda

A vítima não conseguia conter o desespero, que ainda era maior que o alívio. Consolada por quem estava mais perto, tentava descrever a tênue linha do "quase" a algum conhecido, por telefone. Na cena, dois carros destruídos numa avenida movimentada pelos veículos e pelas pessoas. Nenhuma vítima grave. Mais inexplicável do que a colisão não ter terminado em tragédia pior é o fato dela ter sido causada. Um terceiro bateu em dois carros, em alta velocidade, em ocorrência publicada ontem na Gazeta. Com que coragem colocar o pé na rua se um veículo pode aparecer, do nada, a toda?
E não importa o número de rodas. Reportagem da jornalista Érica Samara, deste sábado, traz o balanço do primeiro trimestre do Samu, que registrou alta nos atendimentos envolvendo motociclistas. Uma das causas atribuídas à preferência da moto é a crise, por proporcionar mais economia. Mas essa motivação é muito anterior à piora da situação econômica. O problema não é a crise que cerca as variáveis de aquisição os veículos. É aquela que domina os condutores.
O clássico desenho do Pateta no trânsito (https://youtu.be/RMZ3bsrtJZ0) ainda é o que melhor representa a fúria que domina tanta gente quando se está atrás de um volante, ou guidão. Mas os outros é claro. Nós? Jamais. Todos sempre têm na ponta da língua um caso de abuso ou região perigosa. Mas poucos ousam reconhecer suas falhas ou mesmo refletir sua própria conduta quando está no lugar do Pateta. Com crise ou sem, a frota ainda é imensa, e a paciência, minúscula, assim como as vias para abrigar tantas máquinas guiadas com sangue nos olhos.
Se a perda da vida não for um bom motivo, qual argumento usar? Sofrer um acidente, mesmo sem gravidade, muda a nossa visão. Mas, passados alguns meses, o excesso de confiança está lá, com carga completa. Uma fina aqui, uma acelerada ali e está tudo bem. Nisso, quanta gente encontrou o caminho da morte na economia de segundos?
O trânsito é o melhor reflexo da nossa sociedade. Individualista. Não se compartilha, mas se apossa. Talvez os males fossem reduzidos à metade se os protagonistas se dispusessem a trabalhar os seus vícios. Não de ir mais rápido ou devagar, mas na toada que não atropele e nem atrase desnecessariamente ninguém. De que adianta onda verde no semáforo, se dos 10 segundos abertos o motorista leva 5 para sair do lugar? Para que demarcação de faixa se tanta gente usa as duas e mata um espaço e agilidade de tráfego preciosos? Nossa razão aqui é a falta no próximo quarteirão.
Com a tal da linha de produção, Henry Ford deu a faísca para uma explosão. A geração que jamais veria a transformaria num desafio urbano sem precedentes. Em sua esperteza, perpetuou também que o vilão não é a sua criação, mas a criatura que se dispõe a domá-la. A não ser que um raio ou árvore atinja um veículo, nenhuma acidente acontece. Todos são provocados pelo fator humano. Isso abrange tanto o descaso de autoridades para oferecer vias mais seguras quanto a imprudência na direção e negligência com a manutenção por parte do motorista. Enquanto não se alcançar senso e ações de comunidade, o desespero da vítima de ontem pode ser o meu ou o seu amanhã.

Publicado na Gazeta de Limeira

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