terça-feira, 26 de abril de 2016 | By: Daíza de Carvalho

Um sonho possível chamado maratona

Este conteúdo é do meu blog "esportivo". Mas, como reportar é viver, reproduzo aqui também um testemunho reduzido da experiência da minha primeira maratona :)



Pura ostentação... agora eu posso! 


Boa parte de todos os meus dias dos últimos sete meses foram resumidos em 42 km distribuídos em 4h40 de suor, sal, lágrimas e luta mental e física. Por ter vencido essa luta, tenho muitas pessoas a agradecer, a começar pela minha mãe Luiza Carvalho e meu namorado André Pelayo, que literalmente sofreram comigo as dores e alegrias de toda essa jornada.
Agradeço à Andrea Silva, que desde o início me orientou nos treinos, à Ala Limeira, equipe na qual dei minhas primeiras passadas para nunca mais parar e fiz amigos que estimo demais. Agradeço de coração a cada um que torceu por mim e me incentivou.
Agora, a regra é dar férias forçadas para o corpo, algumas semanas até voltar de leve. Não vejo a hora de correr com companhia de novo (certo, Bete, Kelly, Carla?...). Apesar do sofrimento, não tenho dúvidas que foi o momento certo de tentar, e só o começo para aprender sobre esse mistério dos limites do corpo e da alma. Mas que fique muito claro que uma maratona NÃO É BRINCADEIRA. Ao embarcar nessa, além de me adaptar com um ritmo insano de treinos com volume que jamais havia sonhado em correr, fiz muitas mudanças na alimentação e check-up médico. O ideal seria procurar profissionais especializados em medicina do esporte, mas o time do meu plano Medical não deixou nada a desejar, mesmo com as minhas necessidades específicas. Foram vários exames, nos quais descobri que meus joelhos, coração e pulmões estavam muito bem, obrigada! Graças à corrida e outros esportes, minha capacidade pulmonar teve melhora em dois anos, quando a regra é ser reduzida gradualmente com o avanço da idade. Também consegui um "recorde pessoal" de resistência naquele maldito exame da esteira... ha!
Massss... Exames com bons resultados NÃO são passaporte livre para a doidera dos 42km, não garantem que nada vá acontecer, como os próprios médicos avisam. Podemos tanto ter surpresas com o funcionamento do organismo quanto ser muito afetados pelas condições externas, a exemplo do calor e secura.

Disfarçando a tensão antes da largada...


A PROVA

Sobre a prova de domingo, tenho a dizer que meu corpo está em frangalhos (só sentindo na pele a revolução que acontece aqui dentro entre o primeiro e último km de uma maratona!). A temperatura de 32 graus na chegada por volta das 12:15 foi o menor dos problemas quando as pernas parecem funcionar involuntária e "bagunçadamente". Mas funcionaram até o fim, mesmo eu parecendo uma bêbada desnorteada na chegada! Por ter terminado a prova com as próprias pernas, sem desidratar, vomitar, desmaiar ou precisar de amparo médico, estou mais do que satisfeita!
A principal reclamação foi do calor. Nisso eu fui feliz em ter treinado no sol a pino, e favoreceu o percurso da prova ter muito mais sombra dos que os trajetos nos quais treinei. Difícil foi aguentar as pernas depois dos 25k... Errei em não ter levado o fortalecimento mais a sério. Sim, academia é uma chatice muito necessária!
Meu paredão não foi nos 30 ou 32k, mas no km 37, em que passei a me arrastar, praticamente. O foda é que as poucas subidas foram justamente nos 10k finais, quando o psicológico e físico estão sumariamente abalados... Porém, em nenhum momento pensei em desistir, mesmo caminhando nas ingratas subidas das saídas dos túneis. Aliás, parece que a caminhada fazia doer mais... Fora isso, o percurso foi favorável, plano. Talvez a minha ignorância sobre o trajeto também tenha ajudado!
Os primeiros 10k são só alegria, e até os 21k cumpri num pace recorde nessa distância. Todos dizem que o pior erro é puxar muito no começo, mas mantive um ritmo que considerei confortável, sem esperar milagre com a progressão da quilometragem. Seria muito bom poder ter mantido até o fim, mas ali o meu objetivo não era nenhum recorde, mas terminar inteira. Fiz o que deu em todas as fases.
No km 16 encontrei novamente o Antonio Pimentel (que saiu do face porque hackearam o perfil dele), que foi nas 15 milhas (24 km). Ele estava andando e mais tarde me explicou que, não fosse aquela parada, não teria concluído a prova devido ao calor. Pimentinha também é um herói em cumprir aquela seca jornada com os seus quase 70! Aliás, heróis é que não faltaram. Deficientes, idosos... todos firmes e fortes e sem mimimi naquele sol de lascar e percurso que não acabava nunca. E pra gente o desafio estava só começando quando as 15 milhas terminaram...
Foram 20 postos de hidratação. Água não foi o problema, só não estava tão gelada quanto gostaríamos. Distribuíram uma água de côco que pra mim não desceu (puro açúcar!) e o isotônico estava quente na lonjura do km 25. Também teve batatinha cozida (só consegui comer uma) e laranja. Fora isso, ingeri 3 dos 8 sachês de géis que levei. Na parada rápida que fiz na última subida, o estômago ameaçava se mobilizar. Àquela altura não podia nem pensar em gel e, mesmo com a boca seca, também não descia mais água. Em resumo, me abasteci praticamente com 1,5 litro de líquido e gel. Nos dias anteriores, mantive o hábito para refeições e hidratação, resistindo às tentações gordurosas. Idealizei muito toda a orgia gastronômica que faria depois da prova mas, durante, não podia nem pensar em comer nada!

A CHEGADA

Cruzei o pórtico de chegada pouco depois das 12h, com o melhor refresco do mundo: ter a família me esperando! Não existe time melhor do que este! Não consigo descrever a sensação... Mal pisei naquele tapete, chorei igual criança, não sei se por alívio ou alegria. Mentalizei tanto aquele momento, em cada subida, em cada longão, em cada treino sob o sol rachando... Parecia tão distante! É uma conquista que custa demais e, ao mesmo tempo, pode-se dizer que não tem preço.
Das mentiras que os corredores contam: "não estou preocupado com o tempo"! Espalhei por aí que minha meta era fazer qualquer segundo abaixo de 5 horas, mas no íntimo eu queria mesmo era cravar 4h30. O que teria sido possível se eu estivesse mais preparada para resistir melhor ao final. No relógio deram 43 km em 4:32, mas no chip o tempo líquido foi de 4:39:57. Estimo que a minha parada para ir ao banheiro e reabastecer a água da garrafa no km 23 consumiu uns 8 minutos, então cheguei muito perto da meta real. De qualquer forma, estou muito satisfeita com o pace que consegui manter para uma distância dessas. Não tinha objetivo algum de classificação também, mas fiquei em 37ª entre 79 da categoria 30-34 e na colocação 212 das 575 mulheres concluintes. Parcela muito tímida perto dos quase 4 MIL homens concluintes! Quem quiser ver os detalhes sórdidos da saga, é só add no Strava ou Garmin: daizalacerda.
Eu parecia um zumbi quando a minha família me encontrou. Parecia que meus músculos não respondiam, não conseguia beber e nem comer nada. Fiquei estendida no papelão sobre o gramado por um tempo que nem sei quanto durou. Na primeira tentativa, não consegui levantar. Minha roupa era puro sal do corpo e eu não conseguia beber ou comer nada. Meus pés estavam inteiros, mas meu amado Nimbus 17 ganhou um furo do dedão do pé esquerdo... marcas da luta!  Mesmo com um banho de vaselina e outro de protetor solar, além de micropore para todo lado, meus únicos ferimentos visíveis foram deixados pela cinta do Garmin e costura do top. Digo visíveis porque a pancadaria de verdade é aquela aqui dentro, nos músculos e células, que não dá pra ver...

Nimbus guerreiro ganhou saída de ar graças ao dedão...


O que sobrou de mim, tentando se movimentar...

Apesar de não ter anseio algum em relação à colocação, até que não fiquei mal na fita para uma estreia...
37ª de 79 na categoria 30-34 e colocação 212 entre as 575 mulheres concluintes


CONCLUSÃO

Ainda não sou capaz de avaliar o tamanho do aprendizado proporcionado por esta prova, principalmente pelo aspecto do autocontrole mental e emocional. A única certeza é que a pessoa que largou não é a mesma que chegou (muito menos a que se inscreveu!), e isso não se limita à condição física. Todo o processo foi de muito aprendizado, exige responsabilidade e persistência. Não é fácil abrir mão das companhias de treino, acabar com os planos de finais de semana do namorado, que me acompanhou de bike em todos os longões, deixar a mãe de cabelo em pé e ainda ter os lanchinhos e as marmitas na medida da reposição...
Agora, "difícil" é um conceito muito relativo para mim. Até que ponto as coisas parecem tão difíceis justamente por que não tentamos? E não estou falando só de uma prova esportiva. É muito clichê, mas a maratona é a vida... Toda a jornada, todo o esforço...
Não vou dizer que recomendo uma experiência dessas, cada um sabe dos próprios anseios e desafios. Mas, de fato, não é brincadeira para estreante. Meus meses de treino me ajudaram a dar conta do recado, mas reconheço que poderia ter me empenhado mais na preparação. De qualquer forma, assim que esquecer a dor do parto (hahaha!!), vou me preparar muito mais e melhor para a próxima (calma, mãe, vai demorar um pouco!!). O sofrimento é inevitável, mas é prudente tentar reduzi-lo...
E, acima de todas as dores, o principal sentimento é o de gratidão!

Se tenho instinto guerreiro, é graças a ela!
Minha mãe, minha inspiração!

Feliz de quem tem mais que um par, mas um companheiro!
Essa foi uma prova pra você também, né amor? 

0 comentários:

Postar um comentário