terça-feira, 29 de dezembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

A felicidade possível

COLUNA RELEITURA 29/12/2015

A felicidade possível

Daíza Lacerda

O Facebook me lembrou, na última semana, de uma entrevista com o psiquiatra Flávio Gikovate, que compartilhei na rede social em dezembro de 2013. Ele havia falado à Revista da Cultura, publicação mensal da megastore de livros, cujo tema da edição era a qualidade de vida.
Como um raio de luz em meio às densas nuvens que pairam sobre nós nos últimos dias, o médico aborda o conceito da felicidade despido das tantas pretensões que só nos afastam dela. Como o quanto vendemos a alma comprando idealizações que não fazem sentido nem mesmo nas páginas de revistas de celebridades.
Para Gikovate, "qualidade de vida implica também em boas relações humanas, maturidade emocional – no sentido de você não estourar, não se irritar tanto com a vida e as coisas –, certa docilidade diante da incerteza da condição humana, certa serenidade diante do destino peculiar da nossa espécie, que é ter consciência do seu caráter mortal e ao mesmo tempo ter que arrumar um jeito de viver achando graça na vida". No fim de um ano como 2015, quem está achando graça na vida?
Ele argumenta ainda que a felicidade não pode ser medida pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que dá, no máximo, um parâmetro da ausência de infelicidade. E fala do equívoco da competição para ter conquistas materiais que achamos fundamentais para a qualidade de vida. E não são. "Você tem que conseguir reduzir esse negócio da rivalidade e da competição, mesmo vivendo em um mundo que atiça isso. O controle disso passa pela administração da vaidade", desafia.
Seus argumentos remetem aos do sociólogo Zygmunt Bauman e o conceito de modernidade líquida, numa era em que tudo é volátil, nada é sólido o bastante, inclusive os relacionamentos. E cá estamos num ciclo de insatisfações, em meio ao vazio dos milhões de opções que não preenchem o essencial do ser humano.
Voltando a Gikovate e sua sutileza em dar um chacoalhão, sua análise é que o anseio da conquista das coisas para mostrar para os outros (e dá-lhe redes sociais!) leva a uma quantidade de felicidade muito limitada. Mas muita gente já vem percebendo isso, adotando meios de vida desapegados de tudo, dedicando seus dias às coisas de que realmente gosta. "Provavelmente, essa gente está mais próxima da boa qualidade de vida do que os adeptos da sociedade, que a vivem tentando ser o sucesso dentro dessas regras do jogo".
Assim como a felicidade, a riqueza é relativa. E a entrega ao consumismo consome o que temos de mais valioso: o tempo. "Quem fica correndo muito atrás de dinheiro, de ganhar e/ou de gastar, na verdade, perde tempo que poderia dedicar a coisas muito mais ricas e interessantes", opina o psiquiatra.
Nesta época, não há como fugir das reflexões e expectativas de novo ano. Mas colocações como a do psiquiatra e sociólogo dão um norte, mostrando que a simplicidade pode ser o melhor caminho. E isso o poeta já sabia há tempos. Não é de hoje a receita de Carlos Drummond de Andrade para o ano novo: "Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta. Para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre".

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