terça-feira, 8 de dezembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

O ano da passividade no país dos vícios

Daíza Lacerda

De repente, já é dezembro, e a gasolina está custando quase R$ 4 o litro. O ano que começou com "ajuste fiscal" nas manchetes termina com "impeachment" estampado por onde quer que se olhe. E o brasileiro, enquanto isso?
Entre reclamar e tentar se ajustar, sobrevivemos. Neste ano, o governo brasileiro descobriu o que o povo já sabe faz tempo: que contas não fecham sem dinheiro. Não bastasse viver sem muitos dos recursos que nossos impostos deveriam custear (como educação e saúde de qualidade), vamos apertar mais um pouco enquanto o governo cai na real das contas.
A diferença é que, dentro dos gabinetes, o pessoal da caneta não sabe se virar como os milhões de anônimos nas periferias. Gente que faz o ajuste fiscal doméstico, como exemplifica o economista Renato Meirelles, presidente do instituto Data Popular. Em entrevista ao Estadão, ele citou como se viram nos 30 os "Joaquim Levys de saias": rateando custo da wi-fi, fazendo trabalhos extras, desligando a TV da tomada. Se é que se pode chamar disso, o lado bom da crise talvez seja este, o de mudar a cultura do desperdício, como da energia elétrica. Mas até que ponto?
Por mais expert que seja em lidar com as adversidades, ainda vejo o brasileiro como um povo muito passivo. Sobem os preços, reclamamos. Mas pagamos. Muda a política, reclamamos. Mas aceitamos. Ainda que sejam numerosos os manifestos, quando algum será eficiente o bastante para atingir o cerne e começar a mexer, de verdade, nos vícios do Brasil? Como o de penalizar uma nação inteira pela incapacidade de administração. A bomba estourou, mas o pavio foi aceso há muito tempo.
Essa mudança está nas ideias, mas não nos atos, por uma questão cultural, que me foi explicada certa vez numa entrevista com temática de História. Em suas origens, o brasileiro, em geral, não necessariamente foi à luta buscar algo grande, um ideal. A nossa independência, a nossa república, eram anseios populares. Mas foram decididas "no gabinete". Qualquer semelhança nos dias de hoje não é mera coincidência. A confusão da reorganização escolar está aí como um exemplo de que o cidadão quase nunca é consultado, mas só se revolta com isso em ocasiões muito específicas. O nosso dinheiro e os complicadores do nosso futuro são controlados, em boa parte, à nossa revelia. Nem o poder do voto mudou isso.
A síndrome de vítima é outro vício encrustado em nós. Não está fácil para (quase) ninguém, mas nem por isso o mundo acabou. E quem lembra novamente é o economista Meirelles. "Metade da população acha que esta é a maior crise econômica que o Brasil já viveu. A gente sabe que não é. [...] Mas um enorme contingente de jovens jamais viveu um cenário tão difícil, eles começam a ter uma sensação de perda". Justamente quando a falta de perspectiva não deveria ser opção, muito menos para jovens.
Choramingando, o ano se foi. E esta é a época em que começamos a viajar nas possibilidades do próximo ano, quando negligenciamos boa parte no ano vigente. Talvez não precise ir tão longe. Reclamar menos e fazer mais talvez prenuncie um bom começo, o de um vício a menos.  


Publicado na Gazeta de Limeira.

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