terça-feira, 1 de dezembro de 2015 | By: Daíza de Carvalho

A desorganização da reorganização

Até que não é má ideia a reorganização escolar. Mas o modo como é imposta é só mais uma prova cabal da inabilidade do governo estadual no planejamento da educação. Falta empenho para fazer acontecer o mais importante: formar alunos com conhecimento do que o currículo das séries exige. Mas isso é raridade na realidade em que gerações chegam aos finais de anos letivos absorvendo pouquíssimo, e mesmo assim seguem adiante. Os comentários aqui não se aplicam às escolas técnicas estaduais, estas, sim, muito bem referenciadas.
Fiquei surpresa quando soube que o Estado fornece (ou pelo menos fornecia) kits com diversas obras clássicas da literatura, nacional ou não. Morri de inveja por não ter tido essa regalia na minha época. Mas também levei um susto certa vez, quando tentei visitar, à noite, a escola pública onde terminei o ensino básico. Não conseguia entrar, nem contatar ninguém. Parecia uma prisão: muros e grades altas, portões muito bem fechados. O pior é saber que tudo isso não é para que ninguém entre, mas para que ninguém saia. Como uma instituição que oprime irá formar um cidadão que enxergue além e provoque mudanças positivas a partir disso?
Trata-se de um sistema falido, em que o Estado insiste em inflar números que nem de longe transmitem o dia a dia dentro das salas. A começar pelo trato com o professor. Valorização enche discurso, mas não vontade. É claro que, como em todas as profissões, há professores e professores. Passada mais de uma década do término do meu ensino médio, tive mestres empenhados em ajudar meia dúzia de gatos pingados interessados em encarar um vestibular. O fato é que, sem entrar no mérito da capacidade, vejo que boa parte simplesmente "lavou as mãos" diante do sistema.
É um círculo vicioso que contagia os alunos. Quem saberia dizer quantos, de fato, levam a escola a sério, quando no final de semestre o entorno de escolas são tomados por folhas de cadernos e livros rasgadas? Qual o propósito de prover material se não há o cuidado de ensinar a cultivar o valor das coisas?
E assim geração entra, geração sai. Mas houve um ponto positivo: a mobilização de alunos. Ainda que fizesse tanto efeito quanto as greves de professores, ano a ano. Acho bonito os alunos "tomarem" a escola. Neste sentido, o senso de apropriação é bem-vindo, como defesa coletiva daquilo que também é seu. E, portanto, deve ser cuidado. Mas por quê esse senso não é levado a tanto extremo quando paredes são pichadas e escolas saqueadas? Por quê a garotada não mostra as garras, também coletivamente, para exigir um sistema de ensino efetivo e de qualidade?
Estamos em pleno período de vestibulares. Se os alunos das escolas públicas estaduais fossem, de fato, preparados como deveriam em cada ano letivo, não seriam necessárias tantas cotas. O resultado é que o aluno determinado tem que se esforçar o dobro (ou triplo) para alcançar o resultado que o Estado deveria garantir minimamente, por obrigação.
Já vi muito brilho em olhos de quem se gabava de ter estudado neste ou naquele grupo escolar, quando o ensino público estadual era referência. Imagino que, para voltar àquele patamar, é necessária mais do que uma reorganização, mas um choque na gestão da educação estadual. 

Publicado na Gazeta de Limeira.

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