terça-feira, 5 de janeiro de 2016 | By: Daíza de Carvalho

O sonho olímpico cabe dentro de um segundo

Nós, pobres mortais, que banalizamos tanto o tempo, não temos a mais remota ideia do significado de um minuto para aqueles que vão representar a nossa Nação nas Olimpíadas. Não temos noção que segundos colocam ou tiram alguém do pódio. As marcas dos primeiros na 91ª corrida de São Silvestre são um exemplo: 27 segundos separaram o primeiro do quinto colocado masculino. No feminino, a limeirense Tatiele de Carvalho chegou dentro dos mesmos 54 minutos da primeira colocada, mas 42 segundos depois, em décima. Uma eternidade, quando se trata de esportes.
Em entrevista à Gazeta, o nadador limeirense Guilherme Guido explicou qual será a sua luta neste semestre, até os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro: ralar para baixar de 53 para 52 segundos o seu tempo nos 100 metros costas, para, aí sim, entrar no páreo dos seus adversários mais velozes.
O Brasil é um país que valoriza muito pouco o esforço dos seus atletas, talvez pela exposição massiva e glamour do futebol, que monopoliza as atenções dentro de um mundo imensamente rico de modalidades que, infelizmente, ficam à margem na seleção do torcedor. Assim, mal sabemos quem está nos representando mundo afora em outros esportes, e muito menos o que significa este representar. Como deve ser treinar meses para ganhar um segundo, aquele que pode dar ou tirar a medalha? Dedicar-se dias seguidos fazendo a mesma coisa, exaustivamente, abrir mão da vida social e da proximidade com a família para ser melhor naquilo? É uma busca que custa infâncias, adolescências, uma parte inestimável da vida produtiva. Isso, é claro, por opção do próprio atleta. Mas tem de ser valorizado.
Só que o Brasil que sedia a olimpíada não é o país que tem a cultura do esporte. Recentemente, a triatleta Ariane Monticeli, que também representa o Brasil e o mesmo clube de Guilherme Guido, o Pinheiros, relatou ter sido xingada nas ruas de São Paulo entre treinos de ciclismo na metrópole que tenta aumentar as ciclovias. Somos despreparados para lidar com a presença digna e crescente de ciclistas e corredores nas ruas. Claro que não é o lugar ideal. Mas para onde ir quando as opções são escassas para o tamanho da demanda e as calçadas convidam a tombos e lesões?
Das ruas podem surgir muitas promessas de sucesso, que têm de ser buscadas. Mas há um abismo entre o atleta amador e o de alto rendimento. Mesmo treinos longos e frequentes não transformam, necessariamente, um entusiasta em profissional. A linha que separa o lazer de obrigação tem peso de sangue e muito suor. Quem exemplificou um pouco disso foi Marílson dos Santos, campeão da São Silvestre diversas vezes e que vai representar o Brasil na maratona olímpica (42.195m). Em passagem recente pelo Sesc Piracicaba, ele contou que já tentou fazer o mesmo treino dos quenianos, em três turnos. Não aguentou: mais perdeu do que ganhou em desempenho.
A pesquisadora Katia Rubio, da USP, define o atleta olímpico brasileiro como uma figura heroica. Ela encabeçou uma pesquisa sem precedentes que compila o histórico dos brasileiros que chegaram lá. Para ela, a teimosia fora do limite foi ingrediente para a conquista das 108 medalhas olímpicas por brasileiros. E só quem as buscou sabe mensurar quanta vida dedicada tem no segundo que os fizeram campeões. Outra cultura seria a do brasileiro, se soubesse reconhecer isso.

Publicado na Gazeta de Limeira.

0 comentários:

Postar um comentário