sábado, 9 de julho de 2016 | By: Daíza de Carvalho

Revolução de 32: Limeira e as notícias do front

Reaberto, museu expõe parte de peças usadas por combatentes limeirenses

Daíza Lacerda

Que Limeira teve participação ativa na Revolução Constitucionalista de 1932 não é novidade. Mas, a partir deste ano, principalmente as novas gerações poderão ter contato com peças que resgatam a mobilização em torno do ideal constitucionalista, que levou centenas de limeirenses às trincheiras há 84 anos.
Apenas uma parte do considerável acervo da revolução está exposto, por se encaixar num contexto maior das temáticas das três salas abertas recentemente. Mas o material guardado pode ser consultado por pesquisadores, e não é descartada uma exposição maior futuramente, como informa Ana Terezinha Carneiro Naleto, gerente do Museu Histórico-Pedagógico Major José Levy Sobrinho.
O major, aliás, é um dos protagonistas do levante constitucionalista, responsável pelo recrutamento dos combatentes. Limeira teve dois batalhões, com cerca de 300 homens que eram identificados por flâmulas com o nome da cidade e uma laranja desenhada. As mulheres também tiveram participação ativa, como na confecção de uniformes, além dos cuidados médicos com o treinamento de enfermeiras e médicos da Santa Casa que acompanharam os combatentes.
Na segunda sala, que concentra itens que remetem à transformação urbana de Limeira, estão objetos como o uniforme de um combatente, um capacete, pinturas e reproduções de retratos, nem todos com informações da época ou do doador, como explica a museóloga Letícia França Lopes. Itens como talheres buscam remeter ao cotidiano dos combatentes. Visitantes notarão que eles usavam calças curtas. Isso se devia à longas botas, que quase chegavam ao joelho, sendo desnecessário que as calças fossem mais compridas.
A visitação é aberta de terça a sexta-feira, das 9h às 16h (às segundas fecha para limpeza e manutenção). Há planos de abertura aos sábados e horários estendidos à noite, ainda sem data definida. O museu fica na praça Coronel Flamínio Ferreira de Camatrgo, no Centro.
MORTOS EM COMBATE
Dois combatentes de Limeira morreram em batalha: o sargento Alberto Pierroti e Adolfo Nenholdi. O primeiro, cujo mausoléu no Cemitério Saudades recebe tradicionalmente os atos cívicos de 9 de julho, está retratado em pintura da época do alistamento. Há ainda a foto de seu funeral.
Outra personagem limeirense é Maria Soldado, como era conhecida Maria José Barroso, enfermeira que se alistou em São Paulo e acabou indo para o campo de batalha. O acervo tem itens relacionados a ela, como notícias de jornal, que não estão em exposição. Entre outros registros guardados estão certificados de alistamento.
Limeira perdeu o último combatente em março de 2012. Ulysses Rodrigues de Oliveira morreu aos 99 anos e, em sua última entrevista à Gazeta, no ano anterior, resumia o patriotismo dizendo que "o homem que luta pelo ideal não teme nada".


O estopim da revolta

Limeira não tem nenhuma via chamada 23 de maio, mas tem a rua M.M.D.C., no Centro (próxima da rua Sargento Pierroti), que homenageia os estudantes mortos naquele dia, em 1932, em São Paulo.
Martins, Miragaia, Drausio e Camargo morreram durante repressão logo após Getúlio Vargas nomear interventores nos Estados, desagradando os poderes não só de São Paulo, como de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A cultura do café predominava em Limeira, e era de interesse dos agricultores em todo o Estado a busca pela reforma da Constituição, para romper com as antigas oligarquias.
O levante estourou em 9 de julho. Os paulistas persistiram mesmo perdendo apoio dos outros Estados. Apesar de toda a mobilização, os combatentes tinham condições e armamentos precários, sem conseguir resistir às tropas do governo. Mesmo com a derrota em campo, a reivindicação paulista começaria a tomar forma em meados de 1933, com assembleias constituintes e a votação de deputados em novembro daquele ano. A vigência da nova Constituição foi a partir de 1934, prevendo direitos como eleições livres, voto secreto e com participação feminina. O dia 9 de julho é feriado no Estado de São Paulo desde 1997. (Daíza Lacerda)



Uma viagem às trincheiras

Não é preciso ir longe para fazer uma viagem na história, e se tornar espectador da revolução, pelo relato de um limeirense. A porta de entrada para o passado é a Biblioteca Municipal, onde estão disponíveis diversos volumes do "Diário de Campanha de um Ex-Combatente", um testemunho de Orlando Forster, bancário à época e que se voluntariou não só nas trincheiras, mas no registro histórico do cotidiano dos combatentes. Nascido em 1905 e morto em 1988, Forster data o diário em 1982, na ocasião das celebrações dos 50 anos da revolução.
A saga é narrada desde o início, na edição editada em 1998 pela Sociedade Pró Memória de Limeira. "Na madrugada de 10 de julho de 32, o jovem Manoel Simão de Barros Levy, após dirigir carta de despedida  a seus pais, seguiu para São Paulo a fim de incorporar-se às Forças do Exército Constitucionalista. Esse gesto foi imitado por grande número de jovens da nossa terra, que acorreram aos postos de alistamento na Capital, e destes para os diversos batalhões em formação; de forma que Limeira 'se fez presente' em todos os setores de combate".
Além de Manoel, outro filho do major Levy seguiu para o front. Forster, que foi 1º tenente, cita a liderança do major Levy na organização do posto de alistamento, com comissões definidas em reunião no Limeira Clube. Além do major como presidente, a comissão de alistamento tinha entre os membros Lauro Correa da Silva, então prefeito. A comissão para angariar donativos era presidida por Maria Thereza Silveira de Barros Camargo, que também ajudou a equipar a Santa Casa e a desenvolver cursos para enfermeiros. Havia ainda os grupos de sindicância, assistência aos voluntários e de fardamento. A equipe médica que acompanhou os combatentes era chefiada por Waldemar Mercadante. O "quartel general" das comissões foi o Grupo Escolar Coronel Flamínio, que atualmente sedia o museu, e posteriormente seria entregue "em perfeito estado de conservação" para retomada das atividades escolares.
A fama correu entre o alistamento e treinos com fuzil. "Nossos rapazes tornaram-se muito conhecidos na cidade e eram identificados pela flâmula que ostentavam no peito, a qual trazia o nome de Limeira encimado por uma laranja. Era uma tropa que se apresentava bem uniformizada, e, quando desfilava pelas ruas da cidade, marchava garbosamente, sob aplausos dos transeuntes. Certa vez, quando desfilávamos em direção da Estação da Paulista, subindo pela Rua 13 de Maio, ouvi uma menina que se achava na janela, gritar: 'Corra, Cidinha, venha ver o batalhão dos laranjinhas'".
A primeira prova foi em Eleutério, onde, em 3 de agosto, "o inimigo iniciou o ataque, empregando armas automáticas que possuíam em grande cópia. A princípio, o ataque partia de um único ponto, mas ao cair da tarde, todas as nossas trincheiras estavam sendo visadas pelo fogo inimigo".
Ele narra diversas batalhas até o desfecho da revolução, com a perda de dois homens dos batalhões limeirenses, não sem registrar a solidariedade entre os irmãos de farda. "Aborrecido e sentindo um frio terrível, sentei-me entre duas pedras grandes e ali, encolhido, adormeci. Fui despertado por um ruído e, abrindo os olhos, dei com um vulto que se debruçava, cautelosamente, sobre mim. Instintivamente levei a mão no cabo da faca que trazia na perneira e perguntei: - 'Quem é?' - 'É o Beija-Flor, tenente, vim emprestar-lhe o meu cobertor, pois o senhor está gemendo de frio'. E cobriu-me até a cabeça. A recordação deste fato e de tantos outros coincidiam com o término da nossa campanha. Trazíamos em nossas almas as cicatrizes dos sofrimentos e perigos enfrentados na jornada que terminava, nos sentíamos compensados por não termos sido atingidos pela fatalidade". (Daíza Lacerda)




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