terça-feira, 12 de janeiro de 2016 | By: Daíza de Carvalho

Queremos saber

COLUNA RELEITURA 12/01/2016

Queremos saber

Daíza Lacerda

O câncer levou Bowie. Levou Lemmy. Pode ter levado um ente querido seu. Quer levar um ente querido meu. Paira sobre anônimos e famosos, ora sorrateiro, ora brutal.
E quem diria que não são mais as drogas ou bebidas que acabam com os nossos rockstars. O início da vida louca se esparrama de dentro para fora, e não o oposto. Ninguém podia com a rebeldia. Quem pode com o câncer?
As manhãs chuvosas de segunda-feira estão se tornando símbolo de mau prenúncio para quem tem algum ídolo do rock que sobrevive a esses tempos. Foi assim em 28 de dezembro, com a morte de Lemmy Kilmister, vocalista e baixista do Motörhead, que havia descoberto em dois dias o câncer terminal no cérebro e no pescoço. Foi assim ontem, quando acordamos sem Bowie, que escondia do mundo há um ano e meio a sua doença. Foi assim em maio de 2010, quando um câncer no estômago levou Ronnie James Dio, a quem é creditado o icônico chifrinho feito com as mãos, marca dos roqueiros.
De todas as fontes virtuais que propagaram a morte de Bowie, encontrei pouquíssimas especificando, afinal, que tipo de câncer levou o camaleão. Elas davam conta de tumor no fígado, que seria um dos mais perigosos e silenciosos. Na inconformidade de fãs, até a fosfoetanolamina foi invocada como uma possível salvadora do rei do pop - e de tantos outros que acabam por deixar famílias em luto. Era um tom de "a solução está na nossa frente e ninguém faz nada".
Me pergunto, de fato, o que se faz, no Brasil e no mundo, para acabar com o câncer. Quando órgãos que mal conhecemos são invadidos e o corpo condenado a definhar até se render. A verdade é que queremos nos agarrar a todo e qualquer vestígio de esperança. Vamos além. Queremos vida eterna a quem nos faz feliz. E ainda não entendemos bem sobre os custos de uma vida longa. Muito menos de vidas curtas.
Sem as licenças e testes necessários em seres humanos, a fosfoetanolamina é apenas mais uma salvação imaginária para nos apegarmos. Se o seu criador e a comunidade médica vão levar adiante as burocracias e desafios para a sua comercialização, é uma incógnita da qual seremos reféns, assim como as vítimas.
Sabemos que nosso modo de vida atual é, em mais situações do que imaginamos ou gostaríamos de reconhecer, a porta de entrada do câncer. Mas, se a humanidade chegou tão perto das estrelas, o que ainda a impede de conseguir desvendar as próprias entranhas? Fomos tão longe. Estamos no século, nas décadas, que mais evoluíram cientificamente, e ainda somos marionetes. A ameaça invisível ri de nós.
Onde está a cura do câncer enquanto o homem cria bombas cada vez mais destruidoras? Onde está o financiamento de pesquisas quando armas continuam a se multiplicar, tão rapidamente quanto os tumores?
Este é o nosso mundo. Perguntas sem respostas. Na minha cabeça, elas ecoam na composição de Gil, imortalizada na voz de Cássia Eller. Que também morreu cedo, vítima das peripécias do corpo humano. "Queremos saber/ queremos viver / confiantes no futuro / por isso se faz necessário prever / qual o itinerário da ilusão / a ilusão do poder / pois se foi permitido ao homem / tantas coisas conhecer / é melhor que todos saibam / o que pode acontecer / queremos saber, queremos saber / queremos saber, todos queremos saber".

Publicado na Gazeta de Limeira.

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