domingo, 1 de março de 2015 | By: Daíza de Carvalho

Flavio Prada: um militante limeirense na Itália

Sem partido, Flavio Prada tentará se eleger prefeito de Riva del Garda, em Trento

Daíza Lacerda

Se estivesse no Brasil, o limeirense Flavio Prada, de 54 anos, provavelmente teria participado das manifestações de junho de 2013. E, quem sabe, poderia marcar presença nos protestos programados contra o governo da presidente Dilma Rousseff (PT). Mas o mensalão, Operação Lava-Jato e alta de impostos não fazem da política brasileira, necessariamente, um exemplo de corrupção. Apesar das falhas indignarem a população, há locais com problemas mais complexos. E, quem diria, na Europa. É o que argumenta Prada, que se prepara para o pleito municipal de Riva del Garda, cidade da província de Trento, na Itália, país onde vive há 14 anos com a família.
À beira do lago Garda, a cidade de 17 mil habitantes tem o turismo como ponto forte. Pelas fotos, o local parece convidar ao descanso, mas o que levou Prada à disputa da prefeitura foi a movimentação. Sem partido, o seu grupo é o 5 Stelle, ou Cinco Estrelas, nascido na internet como mobilização pelo descontentamento com os rumos que a cidade e o país, imersos na crise europeia, vêm tomando.
Lá, as condições políticas são totalmente diferentes do Brasil, como explicou o candidato de dupla cidadania à Gazeta. "A Itália é uma república parlamentarista. Nesse sistema, o prefeito é obrigado a governar com maioria. Se ele a perde nas votações, é destituído do governo. Ou seja, seu mandato dura conforme a sua atuação e não há data específica para as eleições".
Não é este o caso que levará o nome de Prada às urnas. A eleição, regular, está marcada para 10 de maio e sua campanha só começa oficialmente em 1º de abril. Seu nome só ficou conhecido como concorrente devido às comprovações obrigatórias de idoneidade, e ele ainda não sabe quantos ou quem serão os seus rivais nas urnas. Por enquanto, acredita que pelo menos o atual prefeito, no poder há duas gestões (uma como vice), deve se canditatar novamente. Lá também vale tanto o voto no candidato quanto no partido. O mandato é de cinco anos e a pessoa pode não só se reeleger como acumular cargos, como de prefeito e senador, graças às brechas na lei.
ESBANJANDO
Essas brechas são o diferencial negativo na política italiana, como pontua Prada na comparação com o Brasil. "A Itália está numa situação econômica e política complicadas. A atividade política é pior que no Brasil, com um custo absurdo. Uma das nossas batalhas é cortar metade dos custos. A lei não diz que não pode acumular cargos e salários, com senadores ganhando 20 mil euros por mês, o que é absurdo para um país em crise".
Se José Sarney é uma figura clássica no Brasil sobre a longevidade política, ele cita ainda a casta de políticos que se perpetua no poder há mais de 40 anos e as altas cifras de financiamento de partidos. "Teríamos direito a 42 mil euros, mas o nosso movimento, que nasceu dentro da rede, recusou. Queremos mostrar que é possível fazer política sem dinheiro público. Esse dinheiro, de impostos, acaba usado para compra de votos".
Caro e inchado. Assim é o parlamento italiano. Ele conta que são mais de mil pessoas entre Senado e Câmara, numa "divisão territorial absurda". "Propomos uma fusão territorial de municipíos, pois há locais com 400 habitantes, que é a população de um condomínio". O plano serve para outras quatro cidades vizinhas a Riva del Garda, que totalizariam 45 mil habitantes.
O MOVIMENTO
Sem diretório ou tesoureiro, o movimento 5 Stelle teve origem na rede, num blog italiano, e remete a cinco princípios fundamentais defendidos pelo grupo, inclusive voltados ao meio ambiente, como a defesa à energia renovável. Por não ser um partido, a definição do candidato foi feita em processo interno, com Prada escolhido pelo grupo. Apesar dos vícios do governo listados por ele, quem tem problemas na justiça não pode se candidatar. E foi no processo de comprovação da ficha limpa que seu nome vazou antes do período de campanha.
Entre as questões que deve encarar caso seja eleito, está a economia do município, baseada no turismo. Em determinadas épocas, como nas feiras de exposições, turistas alemães, ingleses e holandeses enchem os cerca de 60 mil leitos de hotéis. A cidade ainda conserva a agricultura, mas Prada vê o município se descaracterizando. "Começamos a ter problemas ambientais com o turismo predatório, perdendo a tranquilidade. Associada à crise, a situação acarreta distorções enormes". Ele não vê sentido na destruição de áreas de preservação para construção de hotéis, se são justamente as paisagens que atraem os turistas. Além disso, com a crise, o setor hoteleiro tende a importar mão de obra barata, mantendo os trabalhadores locais sem emprego. Ele acusa a prefeitura atual de favorecer construtoras. "Nunca se destruiu e construiu tanto em áreas verdes ou de agricultura, acabando com as belezas naturais que os turistas buscam. Além disso, a cidade morreu culturalmente".
O blog onde nasceu o movimento foi um dos mais visitados do país ao focar os vícios da atuação política italiana. "Não somos antipolíticos, mas queremos recuperar a política de verdade, trazê-la para o cidadão comum. São 150 deputados com 17 mil euros de custo de campanha. Um partido tradicional consome 50 milhões, que vai para o bolso de muita gente. Mas a cada dia que passa, alguém acorda desse sono. Nosso modelo é a Suíça, com democracia direta e participação popular em plebiscitos, onde a população decide se irá fazer um projeto ou não. Se funciona lá, pode funcionar em qualquer lugar".

Flavio Prada: há 14 anos na Itália, foi
escolhido por movimento para concorrer eleições

Riva del Garda, na província de Trento:
candidato quer impedir turismo predatório

Quem é Flavio Prada

Arquiteto, nasceu em Limeira, na região central, onde sua mãe ainda mora atualmente. Aos 18 anos mudou-se para São Paulo e, posteriormente, para Florianópolis-SC, antes de ir morar na Itália em 2001 com a esposa e três filhos ainda pequenos. O primeiro local em que viveu foi Vigolo Vattaro, a cidade de madre Paulina. Depois, mudou-se para Riva del Garda, onde se estabeleceu para a retomada da carreira profissional.
Seu pai, um dos fundadores da Companhia Prada em Limeira, nasceu na capital da província de Trento. A dupla cidadania não é problema frente aos eleitores. Ele conta que por vezes é referenciado como o que veio do Brasil, "o que é, em grande parte, valor agregado, pois os mais jovens veem o Brasil como um local de ideias novas".
Sua área de atuação também está em crise há três anos, e entre as outras atividades que desenvolve está o grupo musical com a família. Eles realizam concertos, inclusive com música brasileira, também apreciada no além-mar.
A última vez que veio ao Brasil foi em 2012. Ele não descarta um dia voltar, mas acha difícil viver novamente em terras tupiniquins devido o vínculo que a família tem na Itália. (Daíza Lacerda)

Flavio Prada e a família, que atua junto em apresentações musicais

"Brasil tem muito a ensinar"

"O brasileiro tem um estigma de achar que os outros sempre são melhores, mas temos grandes personagens. O Brasil tem muito a ensinar", afirma.
Apesar de países com origens, histórias e condições completamente diferentes, ainda que que tenham os mesmos problemas, ele defende que a Itália ganha na experiência em coisas complicadas. "O Brasil tem melhores definições no ponto de vista civil. A Itália, na prática, é uma ditadura. O primeiro ministro é nomeado pelo presidente da República. Temos hoje um governo nomeado sem eleição, pela terceira vez".
Ele conta que os cidadãos querem "acabar com os ladrões de cofres públicos e garantir a democracia real" e acabar com a "eleição de gente absolutamente corrupta".
A movimentação já causa temor nos altos escalões, que têm poder para mudar as regras do jogo, como explica Prada. "Já estão agindo para mudar a Constituição, indo na contramão. Roubam há décadas, e quando a sociedade se rebela, começa a incomodar". Na Itália, há menos regras estabelecidas. "O presidente faz o que quer. Pode dissolver a Câmara, se quiser".
A VIRADA
Mas se as coisas andam tão complicadas na Itália, por que permanecer lá? "Partimos de uma situação muito boa se comparada à média mundial. Considerando de onde saímos até onde podemos chegar, há um processo de empobrecimento. Saímos de um panorama planejado para a pobreza total".
Na queda livre econômica, cita que cerca de 300 empresas fecham por dia, deixando partes da população abaixo da linha da pobreza. "Pessoas que herdaram empresas de 150 anos perdem tudo e ainda devem. Vêm de uma situação histórica de produção que está sendo destruída".
Mas se tem uma coisa que ainda funciona é a aplicação de recursos. Prada conta que a carga tributária também é enorme e chega a 53%. "É metade do que produzimos. Porém, Trento é autônoma e os recursos são administrados na própria província. Ainda temos bons serviços, mas vemos piora da oferta nos últimos anos. Mas, no geral, temos boa escola e saúde públicas. Nunca fizemos uma consulta particular. Há uma decadência e poderia ser melhor pelo que o governo arrecada, mas neste ponto não se compara ao Brasil, pois funciona".
Não há inflação de preços, mas lobby de alguns setores cujos produtos ou serviços são os mais caros do mundo. "É o caso dos farmacêuticos. É impossível abrir uma farmácia, pois os estabelecimentos passam de pais para filhos. O mesmo com cartórios, em rede fechada. Monopolizam o setor e ditam os preços, independentemente de políticas fiscais".
Em recessão, a Itália iniciou o processo de deflação. "Alguns preços são estáveis há mais de 10 anos. Alguns chegam a baixar, o que no varejo funciona, mas no conjunto nacional é um drama".
O LADO BOM DA CRISE
Um passo para trás para avançar. Desta forma Prada resume as lições da crise, que pode estar contribuindo para que o cidadão europeu retome suas origens e, por consequência, uma vida mais equilibrada. "Somos a favor que a economia descresça, nesta loucura de consumo e produção. Estamos destruindo para fazer girar. A crise está levando as pessoas a produzirem no âmbito local, a viver de modo mais simples e menos impactante, o que é positivo. Com tecnologia, mas em outro ritmo, mais tranquilamente". (Daíza Lacerda)

Publicado na Gazeta de Limeira, também na capa.









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