domingo, 25 de maio de 2014 | By: Daíza de Carvalho

Ironman: desafio a peso de ferro para limeirenses

Atletas do município nadam, pedalam e correm hoje em competição internacional

Daíza Lacerda

Nadar a distância da Praça Toledo Barros até o meio da Avenida Pedro Elias, na Vista Alegre. Pedalar o equivalente à viagem de Limeira a Ribeirão Preto. Correr a distância de Limeira a Hortolândia. Um em seguida do outro. Cada uma dessas etapas quilométricas começam a ser encaradas por ao menos 6 limeirenses hoje, a partir das 7h, mas no mar e estradas de Florianópolis. Parte deles compete pela primeira vez o Ironman, prova de triathlon mundial que desafia os participantes a nadarem 3,8 km em águas abertas, pedalar 180 km de estrada e correr mais 42 km. Eles não terão o dia todo para isso, mas mais da metade: o limite é de 17 horas para a conclusão.
A maratona começa pela inscrição. São cerca de duas mil, disputadas por atletas de ao menos 30 países, e que se esgotaram em 15 minutos este ano. Quem consegue garantir o lugar, tem um ano para treinar.
É o que tem feito nos últimos meses Leandro e Bruno Negrucci, de 29 e 33 anos, Rafael Campos, de 34, e Joselito Domingues, de 34. Os três primeiros estreiam no Ironman Brasil após anos se dedicando a competições menores, mas de longas distâncias, no triathlon. Domingues é "reincidente" e tenta, hoje, uma vaga para o mundial em Kona, no Havaí, que depende da classificação nas categorias por idade.
Na última semana, a dias da competição, os novatos estavam confiantes no preparo físico e psicológico, após encaixar treinos duas vezes ao dia entre a família e o trabalho. "Tem de ter a paixão pelo esporte e conciliar. Sem apoio da família, não se faz um Ironman", concordam. E por conta própria, sem respaldo profissional, também, como o de treinadores, médicos e nutricionistas, para "abastecer" a máquina adequadamente para o volume intenso de treinos.
Se a corrida é a parte mais difícil da prova, o desafio em toda a extensão é o psicológico, relatam. "Vemos muitas pessoas bastante acima do peso, ou que nunca competiram e que concluem a prova. O desafio é pessoal. Muitos acham impossível, mas com o conhecimento básico e treinamento, há tempo suficiente para terminar", comenta Domingues, praticante de triathlon há uma década.
E qual a sensação de cruzar a linha de chegada? "É muito gratificante, a realização de um sonho para quem gosta", tenta definir. E já saiu de Florianópolis pensando na próxima edição.
Na opinião dos demais, que acompanharam na torcida no ano passado, a prova pode ser considerada como um evento motivacional. "Estão juntos desde o melhor atleta à pessoa que está começando e buscando superação".
Mais do que preparar o corpo, o principal é a mente. A tentativa de passar dos próprios limites na prova, além do que foi treinado, pode dificultar bastante o caminho. Mas muito poucos param. É o que garante quem esteve lá. "No final há pessoas que andam. Terminam nem que seja se arrastando".
CELEBRAÇÃO
"O pior do Ironman é o treinamento. Alcançar a linha de chegada é a celebração de tudo que abdicamos para treinar, como o tempo com a família e os amigos". A definição é de Vicente Liguori Júnior, de 39 anos, que competiu pela primeira vez no ano passado e se prepara para a etapa de Fortaleza-CE, em 2015.
Foram anos de competição no triatlhon de longa distância "amadurecendo a ideia" até o momento de encarar o Ironman.
Se a corrida começa na inscrição, a etapa mais delicada é da maratona. "É quando ficamos com o psicológico mais abalado com tudo o que já foi exigido nas outras etapas da prova", conta. São horas em que ver alguém quase desistindo pode balançar a confiança. "Se a cabeça não estiver boa, não termina".
A densidade da prova é refletida na medalha, que é pesada. A conquista é difícil de descrever. "Só quem passa por isso para saber a sensação", diz Liguori.
O Brasil é o único país que sedia a competição na América do Sul, e as condições climáticas atraem bastante estrangeiros. Com o aumento da demanda, além do Sul, o Nordeste também passa a sediar o evento, em Fortaleza. O mundial, no Havaí, reúne os melhores das categorias de todos os países em que a prova é celebrada.
O encanto de ser um homem de ferro está perdendo um pouco do misticismo de outrora, na opinião de Liguori. "Com a evolução nos últimos anos, o conceito da prova está mudando. O volume exigido na prova assusta, mas com treino certo não tem como dar errado", diz ele, sobre não ser tarefa impossível.
Ele salienta, no entanto, a importância de não levar ao pé da letra a marca da prova. Afinal, ninguém é de ferro. "As pessoas que praticam devem ter cuidados, fazer a preparação sem se exceder. É importante treinar acompanhado. O Ironman é um extremo que nem sabemos que podemos chegar. Mas chegamos".

Leandro, Bruno, Rafael estreiam; Joselito tentará vaga para o mundial


Liguori, que disputou em 2013: a chegada é uma celebração


De Limeira ao Havaí, uma coleção de disputas

Enquanto alguns limeirenses estreiam hoje no Ironman, conquistar a medalha de ferro virou hábito para o advogado Luiz Renato Ragazzo Machado Gomes, de 67 anos. Conhecido como "Dudu", ele foi desafiado pelo filho e pelo sobrinho, em 2000, a encarar a prova. Disputou no ano seguinte, com 55 anos de idade, e não parou mais. Foram 13 edições, faltando em alguns anos devido a lesões, e quatro classificações para o mundial, em Kona.
Com a experiência, ele derruba mitos. "Todo mundo pensa que é algo fora do comum, mas não é", garante. Já para os treinos, na prática, a teoria é outra. "É preciso disciplina e força de vontade homérica. Levantar muito cedo e treinar várias vezes ao dia".
Mas as provas atuais são bastante diferentes. "Quando comecei, eram 600 competidores. Agora são 2 mil. Hoje há pontos de apoio que são verdadeiras quitandas em vários trechos. Antes, era cada um por si para a alimentação. Também havia tempo para pensar e fazer a inscrição, que ficava meses aberta. Conseguia-se fazer a reserva de hotéis pouco tempo antes da prova". A torcida é um show à parte, e organizada em caravanas com camisetas e bandeiras.
Ele avalia que os limeirenses que competem hoje estão bem preparados, inclusive Joselito Domingues, com as chances de classificação para o mundial. O porém é a grande concorrência em suas categorias etárias, condição que já é mais tranquila para o advogado. Ele começou com cerca de 10 concorrentes em sua idade, o que foi caindo até a metade com o passar dos anos.
Uma lesão no pé o impediu de competir nesta edição, e ele preferiu não participar no mundial do ano passado. Mas o retorno está nos planos. A primeira prova concluiu em 12h20, baixando uma hora no ano seguinte. Ele também endossa que a cabeça é a principal ferramenta. "Por ser uma prova longa, se não tiver bem, reflete no desempenho. O pior é o psicológico".
HAVAÍ
Para participar do mundial, a inscrição tem de ser paga na hora da premiação, na etapa nacional. Entre as dificuldades vividas no Havaí listadas por Gomes, estão o calor e terrenos, com bastante subidas. Lá, demorou uma hora a mais de sua média para completar.
Conta pontos em sua avaliação a organização da prova brasileira, padrão que não encontrou nos Estados Unidos. Devido às altíssimas temperaturas, lá não se nada com a roupa de neoprene, usada em temperaturas abaixo de 20 graus. Assim, os atletas saem da água mais cansados, explica.
Kona recebe os melhores classificados do mundo inteiro. São cerca de 1,5 mil, numa peneira mundial que pinça cerca de 50 atletas em cada prova. Em cada etapa, porém, há um leilão de vagas, cuja renda é destinada a instituições locais, conta o advogado. No Brasil, uma vaga teria sido vendida a 1.500 dólares, o equivalente ao dobro do preço da inscrição.
Se antes o importante era terminar, atualmente os atletas querem entrar para ganhar, pondera. Mas ele orienta aos aspirantes: a disputa deve ser consigo mesmo. "Cada um tem de fazer a sua prova, pensando em si. Esquecer do outro que está passando e manter o seu ritmo. Quando se chega nos 30 km da corrida, dói até o pensamento. Na bicicleta, ficamos sozinhos. A gente ri, chora, fica triste, alegre, com raiva, apático. Por isso a cabeça tem de estar boa, para fazer o que pode". (Daíza Lacerda)

Luiz Renato Gomes, o “Dudu”: mais de 10 provas e classificações para o mundial






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