segunda-feira, 15 de maio de 2017 | By: Daíza de Carvalho

Suzana Levy e a memória viva do legado do major

Às vésperas de ser homenageada, neta de José Levy Sobrinho relembra histórias

Daíza Lacerda

José Levy Sobrinho, o major Levy, se dedicava a muitos negócios, principalmente os voltados à agricultura. Pioneiro na citricultura, ele trouxe mudas da laranja bahia do exterior, com enxertos multiplicados em vastos pomares. Tendo passado parte da infância e a adolescência estudando na Europa, certo dia o major resolveu enviar laranjas à rainha da Inglaterra. O produto já era exportado pela família, mas os filhos acharam graça, duvidando que as frutas cultivadas na terrinha chegassem a tão referenciada autoridade. O major não deu ouvidos. Providenciou as frutas mais bonitas, embrulhadas uma a uma em papel de seda e colocadas numa caixa especial. Tempos depois, o major recebeu uma carta, com brasões diferenciados. Era um agradecimento da rainha, além de um elogio pela qualidade da fruta. O documento foi conservado no acervo da família, mas a história é vívida nas palavras de Suzana Levy, neta do major, que será homenageada amanhã na Câmara. Essa é apenas uma das passagens que ela guarda não só em anotações, mas na memória, afiada em seus 77 anos de idade completos neste sábado.
O major foi muitas coisas em Limeira: vereador, presidente da Câmara, secretário estadual, prefeito. Só não foi, de fato, major. Era um apelido que ganhou e ficou. Nunca foi um título.
Não é à toa que a avenida leva o nome do major. Tanto o estádio da Internacional de um lado como a escola e centro esportivo do Sesi do outro foram construídos em terras doadas pela família.
Em 1912 o major se casou com Ana Carolina de Barros, e com ela teve os filhos Manoel Simão de Barros Levy, pai de Suzana, Terezinha e Ana Maria, e Levy José de Barros Levy, que teve os filhos José Manoel e José Alberto. 
DA LARANJA À PINGA
Na fazenda Itapema, adquirida pela família, o major trabalhou com várias culturas. Após a crise de 29 que derrubou a produção do café, veio o algodão, e depois a laranja. À época, não era uma fruta tão popular, e o major notou isso nos bairros mais carentes de São Paulo, enquanto secretário de Agricultura. Ao voltar para Limeira nos finais de semana, determinou aos filhos que providenciassem um caminhão para distribuição gratuita naqueles locais. O motorista ia e distribuía a laranja para pessoas que sequer conheciam a fruta.
Tanto Suzana quanto a filha, Marisa, salientam que muito do que o major fazia não se sabia. A fazenda ainda mantém uma oficina de madeira, de onde saíam brinquedos para serem distribuídos no Natal. Outras coisas a família só descobriu recentemente. É o caso do tanque da fazenda, com diversas árvores plantadas no entorno. Só com os levantamentos mais recentes da propriedade, que incluíram fotos aéreas, descobriram que o patriarca fez o tanque no formato do mapa do Brasil.
Na década de 40, não se contentou só com a cultura da cana-de-açúcar,e começou a fabricar também a cachaça. Construiu o engenho e estrutura de armazenagem, em tonéis de carvalho. As encomendas eram para buscar a pinga em caminhão tanque, mas o major resolveu engarrafar sua própria produção, conseguindo uma garrafa exclusiva no formato de um gomo de cana. Suzana anda guarda um exemplar da velha Canita, fabricada até 1957. A pinga ainda recheou bombons, comidos às escondidas pelas netas.
Com a morte do major naquele ano, os filhos pausaram a produção. E a pinga lá ficou por décadas, até o conteúdo que envelhecia nos barris voltar a ser comercializado recentemente, em nova embalagem e nome, como a cachaça Itapema. No passar dos anos, a família perdeu a patente do nome Canita.
HOMENAGEM
Algumas dessas histórias devem ser contadas ao vivo nesta segunda-feira, às 19h, quando Suzana receberá o Diploma de Gratidão da Cidade de Limeira e a medalha de mérito cívico XV de Setembro "Ordem de Tatuiby", homenagem proposta pelo vereador Sidney Pascotto, o Lemão da Jeová Rafá.
Ela e outros docentes da fundação do Sesi 408 também serão homenageados por alunos da turma de 1984, num jantar após a solenidade na Câmara.


Suzana Levy lembra com detalhes histórias peculiares do avô, o major Levy
Foto: Mário Roberto/Gazeta de Limeira


Quando o presidente Geisel
quebrou o protocolo em Limeira

Em setembro de 1976, ainda referenciada pela citricultura, mas com a indústria em proeminência, Limeira recebeu a visita ilustre do então presidente Ernesto Geisel. Além de visitar a Facil e passar pela praça Toledo Barros, o presidente selaria a inauguração do Sesi 408.
Direção e professores ficaram em polvorosa para receber o presidente, como recorda Suzana. O protocolo que vinha de Brasília previa copos de cristal para o presidente. Ninguém poderia olhar, dar a mão ou conversar com o presidente, sequer perguntar nada. E assim, com alunos e funcionários com uniformes impecáveis aguardaram a visita. "Quando entrou na sala, o próprio presidente quebrou todos os protocolos. Já veio com a mão esticada para cumprimentar, conversou com alunos", relembra. Um resumo do encontro foi eternizado no arquivo nacional, com vídeo disponível no link http://bit.ly/2q6Oplo, que situa Limeira com 120 mil habitantes ao completar 150 anos.
Limeira havia sido escolhida para receber o maior centro esportivo do Estado, vinculado à escola. Tanto que o então prefeito, Paulo D'Andréa, foi com membros do Sesi pedir a doação da área à família. Suzana lecionaria na escola desde o início, permanecendo por quase uma década. "Me senti muito feliz de trabalhar no chão doado pela família, o que proporcionou chances a muitas pessoas, coisas boas sem cobrar nada", afirma. Nas origens, a admissão não era restrita aos industriários.
O apego esportivo era natural num complexo com piscina e inúmeras quadras, que sediavam disputas com outras unidades do Sesi. Não poderia ser diferente com aquela tida como uma "paixão nacional": o futebol. "Certa vez, notamos vários grupinhos cochichando, e descobrimos que os alunos planejavam faltar em massa para assistir um jogo do Brasil na Copa, em 1978. Aquilo poderia invalidar o dia letivo, então adotamos uma estratégia. Com aval da direção, prometemos uma merenda ainda mais especial, além de levar as cadeiras para o páteo. Um dos pais, todos muito comprometidos, emprestou uma TV, e o jogo foi assistido por todos, na escola", conta, aos risos. (Daíza Lacerda)

Publicado na Gazeta de Limeira.

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