terça-feira, 28 de julho de 2015 | By: Daíza de Carvalho

A condenação precipitada



COLUNA RELEITURA - 28/07/2015

A condenação precipitada

Daíza Lacerda

Na penitenciária feminina, a tarde era de festa. Dia das Mães. Enquanto as detentas matavam saudades dos filhos que não veriam crescer, uma delas, recém-convertida à religião, conversa com meia dúzia de cruzes feitas com palito de picolé, fincadas no gramado. Aos prantos, desculpa-se com os filhos que não teve, por não tê-los deixado vir ao mundo.
Fantasiada de palhaço com aparência sinistra, outra detenta se aproxima e pergunta à autora dos abortos se ela já leu Freakonomics, em especial o capítulo em que o autor Steven Levitt cita a queda drástica da criminalidade nos Estados Unidos, 20 anos depois da legalização do aborto, nos anos 70. Ela justifica que, se tivessem nascido os filhos pelos quais a colega de cela chorava, provavelmente teriam tido o mesmo destino que ela: atrás das drogas e das grades. Logo, ao abortar, ela fez o melhor para eles e para o mundo.
A cena é do primeiro episódio da terceira temporada da série "Orange is the new black", da Netflix, e me voltou à mente diante da polêmica e infeliz declaração do deputado federal Laerte Bessa (PR-DF). Ele acredita que, no futuro, bebês com tendências criminosas podem "ser impedidos" de nascer, o que poderia ser identificado pela genética. Imaginei o consultório médico como a sala de um vidente. Descartando fetos que seriam traficantes. Ou políticos corruptos, quem sabe, já que o critério seria "tendências criminosas". Melhor levar para o lado cômico do que ao trágico, para conter a vergonha alheia. Afinal, a declaração foi dada numa entrevista ao jornal britânico The Guardian.
Seria interessante retomar a discussão do direito ao aborto, o que acredito que deve ser uma decisão dos pais, e não do Estado. Segurança, sim, é dever do Estado. Cortar o mau pela raiz não é matar fetos, mas dar uma punição efetiva - e justa - para o crime cometido, independentemente da idade. Mas parece que nutrir aspirações que muito lembram a era do Holocausto é mais fácil do que legislar para que a segurança vá além de uma promessa eterna.
Faz muito sentido o contexto discutido pelas detentas na série, repercutindo parte de um best seller. Já a teoria defendida pelo deputado em veículo estrangeiro não tem crédito nem mesmo perante especialistas em genética. E, mais do que nunca, o País necessita de ideias (e atos) que façam sentido.
No contato tanto com os registros policiais quanto com a discussão da segurança em reuniões do Conseg, não é difícil enxergar o nó. Ocorrências aos montes. A polícia prende, a Justiça solta. Não é a lei? Quem faz as leis? Quem cumpre as leis? O que fazer quando quem devia pensar e propor soluções que façam sentido tende a ideias que beiram à barbárie, prestando um desserviço?
O episódio (da vida real, não da ficção) é de dar medo. Ideias absurdas, estas sim têm de morrer no ninho.


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