quinta-feira, 1 de março de 2012 | By: Daíza de Carvalho

Da primavera árabe ao verão limeirense

Das inúmeras bizarrices e inutilidades que circulam no Facebook, nesta semana apareceu em minha linha do tempo uma imagem que descrevia perfeitamente o momento político de Limeira. Numa tábua na beira do precipício, o povo fazia o peso sobre sua metade em terra firme, dando suporte, na outra ponta, ao governante na tribuna, que tinha apenas o vão infinito abaixo da base. Sem o apoio do povo, sua queda é certa. 
Só que neste mesmo canal que consome nosso tempo tantas vezes de forma improdutiva, nasceu e cresceu uma mobilização que contribuiu muito para a versão limeirense da primavera árabe. Guardadas, obviamente, as proporções e o fato de vivermos em condições políticas absolutamente diferentes. A comparação se deve a uma questão crucial em ambos os casos: o povo dar-se conta do seu poder e fazer uso eficiente dele. 
A prisão da família do então prefeito Silvio Félix e os indícios, ainda que não comprovados da possibilidade de o dinheiro público (o meu, o seu e de sua família) poder financiar dezenas de imóveis por meio de transações suspeitas de empresas do clã, tocou tanto a ira quanto o civismo (e, por que não, o orgulho) da população. Episódios de desvios éticos na política brasileira, provados ou não, são, infelizmente, corriqueiros. Mas o limeirense optou por não ter o seu governo como "apenas mais um". 
O fato de não ser uma investigação qualquer, tampouco feita por qualquer um, mas pelos profissionais do Ministério Público, com aval do Judiciário, levou as notícias a serem replicadas e os gritos de indignação compartilhados em caracteres (vozes?) que não têm hora ou limite para ecoar. Um ato aqui, outra panfletagem ali, mais algumas máscaras e adesivos de protesto. Camisetas, para vestir um ideal. O que parecia isolado, tornou-se único.
Nos três meses em que Félix tentou sustentar o insustentável perante a opinião pública, ele não pôde com persistência maior que a dele: a do povo que o elegeu. A diferença é que, com Félix, estavam alguns (ou muitos) aliados, que não foram peso suficiente para salvá-lo do precipício político. Pelo contrário. Ao correr para a mesma ponta da tábua, não só o ajudaram a afundar ao tentar defender, como parte caiu junto. 
Mesmo as pessoas mais simples, que nunca deram tanto valor aos rumos políticos, e até mesmo ao próprio voto, quiseram participar, cobrar, se inteirar da situação. Nem que fosse "pra xingar muito no Twitter" ou desabafar no Facebook ou para um vizinho. Pessoas que certamente serão mais criteriosas na próxima eleição.
Se não houvesse mobilização, seria mais do mesmo entre os casos noticiados nacionalmente. Os vereadores não sentiriam-se pressionados para instaurar uma Comissão Processante. Quantas vezes e em que situações a Câmara Municipal ficou tão lotada como nesses dias decisivos de votação? 
Em sua redoma de autoconfiança, Félix podia até ignorar a vontade popular. Os vereadores, não. Principalmente cara a cara com o eleitorado. Como em raras vezes, o povo se uniu para mostrar quem é que manda. Até porque conceito bem esquecido é o de que Legislativo serve para representar os interesses e necessidades da população e fiscalizar o Executivo para que essas sejam atendidas, e não ser conivente, ainda mais cegamente. 
Pela minha idade não tive a oportunidade de presenciar tantos acontecimentos históricos próximos (algumas Copas, talvez), portanto desconheço comemoração tão digna como a da conquista genuína do povo na Câmara. Quem já viu tamanha festa e emoção quando alguém é eleito? A cena do alcance e gosto da vitória e da participação num resultado buscado com vontade é indescritível. Quem diria, a política fez, enfim, cidadãos chorarem. De alegria! Foi o consenso em abandonar seu lado da tábua. 
Várias vezes meus colegas de redes sociais compartilharam correntes questionando por que o brasileiro não gasta com a cobrança de uma política limpa a mesma energia e tempo dedicados ao carnaval, futebol, e audiência de reality shows. Quanto da parcela da população buscou a cassação de Félix, desconheço quem possa mensurar de forma exata. Mas, quem se uniu nesse objetivo, mudou os rumos de uma cidade. E se essa ordem agisse, de fato, em problemas de outras esferas na cobrança de efetivas providências?
O povo não quis se manter calado. E isso ficou tão claro no primeiro dia de julgamento, que os populares quase ignoraram a possibilidade de a sessão ser invalidada devido às manifestações. No dia seguinte, da decisão, muitos se abstiveram de presenciar o discurso da defesa de Félix, as quase duas horas de pronunciamento do advogado José Roberto Batochio. O renomado defensor exigiu ordem e respeito, mas não perdeu a oportunidade de literalmente mandar um cidadão "limpar as orelhas" e classificar outros como retardatários do carnaval. No entanto, com essas provocações extras para se rebelar, o público se conteve. Isso devido a ação das lideranças dos diversos grupos representados, para não dar ao ilustre advogado motivos para pedir anulação da sessão. O limeirense mostrou que não basta ser unido, se não for organizado. 
Do alto de sua notória erudição profissional, os argumentos ilustrados por Batochio com diversas histórias e várias línguas não foram suficientes para derrubar a lógica de um famigerado ditado: uma andorinha só não faz verão. Tal sabedoria popular, que dificilmente entraria no culto discurso de pessoa tão gabaritada, não só se fez verdadeira como se provou em ares limeirenses. As andorinhas unidas - pela internet, pelo boca a boca ou pela legítima ânsia de justiça - não só fizeram verão, mas um verão histórico para Limeira.

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