quinta-feira, 7 de setembro de 2017 | By: Daíza de Carvalho

Após 195 anos, a herança de uma "independência capenga"


Marcomini: "é preciso refletir a participação
popular na transformação social"
Foto: Mario ROberto/Gazeta de Limeira
Falta de ação popular em 1822 ainda reverbera em nossos dias, analisa professor

Daíza Lacerda

Não se sabe se, de fato, houve um grito de independência em 7 de setembro de 1822 às margens do Ipiranga. Tampouco se dom Pedro I estava num cavalo. O provável é que estivesse numa mula, animal que aguentava percorrer grandes distâncias, em resistência propícia à época. O fato é que as atitudes do então príncipe regente, coroado como imperador aos 24 anos de idade, teriam consequências sociais e culturais que perdurariam até os dias atuais. O contexto é explicado por Roberson Marcomini, professor da Etec Trajano Camargo e colégio Jandyra, com mestrado na área de ciências sociais e humanas pela FCA/Unicamp.
A principal herança que perdura em nossos tempos, 195 anos após o evento, foi a falta de participação popular na busca da independência, o que se traduziu na passividade do povo diante de inúmeras situações políticas, como descreve o professor. As decisões se concentraram no poder, num momento em que o rei dom João VI deixa o país para voltar a Portugal, após a derrocada de Napoleão. Fica o príncipe regente, num reinado com cinco lideranças brasileiras. "Pedrinho" percebe a manifestação interna e, antes que se torne revolta, centraliza a política. Ou seja, nenhuma medida passaria sem o conhecimento ou aval dele.
No entanto, no início de 1822, a lideranças portuguesas queriam a volta do regente a Portugal, temendo o rumo da busca pela emancipação política. O regente não só eterniza o "Dia do Fico" em 9 de janeiro, como afaga o ego dos brasileiros como medidas como as represálias a membros do exército português que lhe desobedecessem.
O reinado contava com um líder brasilero, José Bonifácio Andrada e Silva, que tinha uma visão além, como destaca Marcominini. Ele já ditava que o Brasil deveria ter uma capital em seu centro, à época que o comando ficava no Rio de Janeiro. Pois foi Bonifácio que flagrou uma carta vinda de Portugal nada amistosa com o povo colonizado. Mais do que depressa, delatou ao "chefe", que reagiu com o decreto da independência.
Na prática, Portugal só desapegaria da colônia três anos depois, enquanto em outros países esse processo não passou de um ano, como explica o professor. E o povo continuou na mesma. A mudança só foi na nomenclatura: a população deixava de ter um regente para ter um imperador. "A independência não passou pelo povo, mas pela organização e interesse das elites, da mesma forma que ainda ocorre hoje na política. A população não foi para as ruas para reivindicar uma sociedade melhor", ilustra.
Os brasileiros ainda pagam por isso, ainda que em outro contexto. Em meio à desigualdade e às consequências de uma crise econômica com inúmeros desempregados, o "tesouro perdido" do ex-ministro Geddel Vieira Lima, descoberto na Bahia, ainda mostra como quase dois séculos não foram o bastante para desfazer certos vícios. Em 1825, o Brasil pagou pela independência, ao indenizar Portugal em dois milhões de libras esterlinas.
Conforme Marcomini, o próprio Geddel, investigado pela Polícia Federal e que está em prisão domiciliar, sem tornozeleira, retrata bem outra herança pós-independência: os coronéis. Como não houve transformação social, os ricos permaneceram ricos, e os pobres, pobres. As famílias ricas também reinaram, e reinam Brasil afora, a exemplo dos Collor e Sarney, como cita o professor.
CONHECIMENTO X INFORMAÇÃO
Mais do que na informação, é necessário investir no conhecimento, como defende o professor. Só desta forma é possível alcançar a transformação social que não foi plantada há quase 200 anos. "A elite chegou ao poder pelo conhecimento, mas sem olhar para a base. É preciso refletir a participação popular na transformação social, por meio da politização. Hoje, o que muda a sociedade é a diversidade de ideias, não o monopólio", reforça.
Se antes a independência foi "só para português ver", passou da hora de um olhar mais amplo sobre a desigualdade social perpetuada até os nossos tempos, como reitera o professor. "Um país em desigualdade não pode dar certo. O Brasil é um dos poucos que não cobra imposto sobre fortunas, e ainda está preocupado em passar os débitos para o povo, a exemplo da mais recente alta do preço da gasolina. Falta enxergar que melhorar a base é vantagem também para quem está em cima", finaliza.



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